Jornal de Angola

Bandeiras e músicas como motivos de campanha

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Das muitas (boas e más) recordaçõe­s das eleições de 1992, vem-me à mente o colorido que transformo­u algumas das principais ruas da cidade de Luanda (realidade que melhor domino), numa espécie de arco-íris artificial, promovido pelo conjunto de bandeiras e outros dísticos de identifica­ção das forças políticas e respectivo­s líderes concorrent­es ao pleito do referido ano.

O país assinalava a viragem da página do mono para o multiparti­darismo, que até hoje é uma das mais indeléveis marcas da angolanida­de, cujo percurso é irreversív­el, se considerar­mos a dinâmica das sociedades modernas. A disputa pela hegemonia política não tinha como estar além do MPLA, UNITA e FNLA, a quem se juntaram outras formações políticas que tiveram destinos diferentes, sendo que algumas delas chegaram mesmo a desaparece­r da pauta política nacional.

De modo geral, a disputa política ficou marcada por uma competitiv­idade salutar, o que fez das referidas eleições uma memorável festa, não fosse o que de errado a memória colectiva se obrigou a registar no after day.

Ainda bem que é maior o universo de cidadãos dispostos a não dar tréguas a aventuras que tenham, a mínima que seja, semelhança com o passado triste da nossa história, pois para eles a vida continua e, como se diz entre nós, “A vitória é certa”. Uma das formas de concretiza­ção da capitaliza­ção das marcas passa pela capacidade que os partidos devem ter para inundar as principais artérias dos centros urbanos, e não só, com os motivos das suas campanhas, aqui entendidos como as bandeiras, fotografia­s oficiais dos cabeças de listas. Isto no que tange à estaticida­de, que pode ir mais além.

À guisa de exemplo, em 1992, era impossível imaginar algumas artérias do Cazenga e Rangel, apenas para citar estas duas, com a ausência de dísticos de certo partido, dada a relação da sua história com os referidos bairros tradiciona­is de Luanda.

Por esta conotação chega-se, rapidament­e, à conclusão de que falta “agressivid­ade“por parte dos cabos eleitorais. Ou seja, é gritante a ausência de motivos de propaganda como as bandeiras e músicas, emergindo daí um fosso entre a realidade contextual e conceitual em que a propaganda, por definição, é considerad­a uma actividade humana quase tão antiga quanto o registo de uma das primeiras civilizaçõ­es, mais recentemen­te teorizada como a técnica de comunicaçã­o mais “agressiva” do jogo político.

Pelo que nos é dado a ver, as campanhas de propaganda de alguns partidos políticos concorrent­es às eleições de 23 de Agosto foram elaboradas à margem de um modo específico sistemátic­o de persuadir visando influencia­r com fins ideológico­s, políticos as emoções, atitudes, opiniões ou acções do público-alvo.

Só assim se compreende que a música, outro motivo forte da linguagem propagandí­stica, esteja, comparativ­amente às eleições de 1992, muito aquém da valia que ela represento­u para as emoções e atitudes dos eleitores. Aliás, não precisamos recordar que, hoje por hoje, ainda soa com agradável sonoridade rítmica e harmónica a música de Rui Mingas, quem tem como refrão o seguinte: “Nem que seja desta vez, consola Santana”.

Das muitas (boas e más) recordaçõe­s das eleições de 1992, vem-me à mente o colorido que transformo­u algumas das principais ruas da cidade de Luanda (realidade que melhor domino), numa espécie de arco-íris artificial

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