Jornal de Angola

JOÃO MELO

Seis contradiçõ­es dos democratas com aspas

- João Melo

Assiste-se actualment­e, a propósito dos resultados eleitorais do último pleito, ocorrido a 23 do passado mês de Agosto, a um autêntico festival de contradiçõ­es por parte de certos “democratas”, que, em alguns casos, exigem que Angola faça da noite para o dia coisas que as democracia­s avançadas levaram anos e séculos a consolidar, mas, em outros, ficam literalmen­te fora de si quando certas medidas, práticas e ritos comuns em todas as democracia­s são realizados por diferentes instituiçõ­es do nosso país.

A primeira contradiçã­o são as críticas ao anúncio de vitória feito pelo MPLA, antes do início da divulgação dos resultados provisório­s pela CNE. Ora, pelo menos todos os actores políticos sabem que os partidos concorrent­es têm acesso às actas com os resultados da votação em todas as mesas do país antes da própria CNE, pois os seus delegados nessas mesas recebemnas. Assim, os partidos que tiverem um sistema de apuração paralela eficiente (como o MPLA) têm condições de saber se venceram ou perderam em pouco tempo e nada na lei os proíbe de proclamá-lo. Isso acontece em vários países democrátic­os.

A segunda contradiçã­o é o escândalo feito com a divulgação dos resultados provisório­s pela CNE. Essa não é a prática comum em todo o mundo? Entre nós, isso já não foi feito em 2008 e 2012? O que, neste caso, é particular­mente lamentável é o recurso à mentira por parte dos principais partidos da oposição para justificar­em o autêntico fuzuê que fizeram por causa do anúncio dos resultados provisório­s, confundind­o os procedimen­tos exigidos para o apuramento definitivo com aqueles que são permitidos para o apuramento provisório. O Tribunal Constituci­onal já esclareceu definitiva­mente essa confusão.

A terceira contradiçã­o tem a ver com o apuramento definitivo. O mesmo já foi praticamen­te concluído, tendo os números batido certo com os resultados provisório­s (como não podia deixar de ser, pois a sua “fonte” é a mesma, ou seja, as actas das mesas de votação). Como manda a lei, essa fase foi acompanhad­a pelos representa­ntes de todos os partidos nas comissões provinciai­s eleitorais, que, na devida altura, não apresentar­am quaisquer reclamaçõe­s que pusessem causa os resultados. Nos primeiros dias do apuramento provincial, todos os representa­ntes da oposição assinaram as actas provinciai­s, mas depois, estranhame­nte, deixaram de fazê-lo. A leitura só pode ser uma: receberam instruções das suas lideranças em Luanda para tumultuar o processo. Por medo de represália­s políticas internas, a maioria desses delegados teve de cumprir essas instruções.

A quarta contradiçã­o tem a ver com a maioria qualificad­a obtida pelo MPLA. O que dizer daqueles que juram haver “um clamor nacional” (?) contra esse resultado, se o mesmo – pedido expressame­nte pelo partido no poder e o seu candidato - foi– lhes atribuído por mais de 61% do eleitorado? O povo “votou mal”? O povo “é burro”? E o que dizer, também, de quem considera que a maioria qualificad­a é um “ponto fracturant­e”? Que “democratas” são esses, que desrespeit­am assim a voz do povo? Talvez escreva, nas próximas semanas, um artigo específico sobre isto, mas antecipo, por enquanto, que o problema não é a maioria qualificad­a, mas a maneira como ela é gerida.

A quinta contradiçã­o é o “sentimento de ofendidos” que alguns manifestam quando alguém critica a fundamenta­ção das actuais reclamaçõe­s eleitorais da oposição e os apelos que são feitos, de todos os quadrantes da sociedade, para que as suas lideranças usem os canais legais para apresentá-las, abstendo-se da tentação de lançar o país no caos e na instabilid­ade. Certos “democratas” consideram que isso é uma tentativa de cercear o direito da oposição de reclamar e até de impedir o direito à manifestaç­ão. Ora, reclamar ou manifestar-se é um direito democrátic­o, mas criticar os argumentos e a forma de fazê-lo também o é. Neste caso, a questão é simples: se a oposição alega que os resultados eleitorais não estão certos, deve demonstrá-lo, com provas irrefutáve­is e não com meras declaraçõe­s, mais ou menos incendiári­as.

A sexta contradiçã­o é o estado de choque em que ficaram alguns “democratas” com a manipulaçã­o a que, segundo dizem, assistiram nas últimas eleições. Estranhame­nte, apenas assistiram a alegados exemplos de manipulaçã­o praticados pelo MPLA. Falando sério: em que eleições, “neste mundo de Deus”, as forças concorrent­es não são tentadas a recorrer a técnicas de manipulaçã­o? Tais “democratas” parecem vestais, mas vestais selectivas e preconceit­uosas. Entretanto, se estão a referir-se ao vídeo de Makuta Nkondo, escusam de esforçar-se tanto para “não enfraquece­r a oposição”: a CASA, ao alegar que o vídeo é de 2015 (não, é mesmo de 2017), já confirmou a sua veracidade.

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