Jornal de Angola

O seu a seu dono

- MANUEL RUI |*

Faz já muito tempo. Vinha de Roma e no avião dei com Dina Forti. Ia a Moçambique para ser homenagead­a. Uma figura italiana para nós icónica pois ajudou como sua a luta de libertação de angolanos e moçambican­os. Dina descobria apoios e contactos, divulgava a luta anticoloni­al, levava a comer ao restaurant­e Papa Leonardo, onde no livro de honra estão escritas palavras do pulso de Agostinho Neto que eu tive o cuidado de observar.

E nessa conversa de viagem com Dina, eu sentia-me mal por Angola, que eu saiba, não a ter homenagead­o como devia. Porém, fomos falando e recordando, ela muito mais porque mais sabia. E vieram à baila outras pessoas e não podia faltar outra grande amiga: Augusta Conchiglia.

Augusta é de uma geração de italianos revolucion­ários. Jornalista, havia de resistir a tudo e todos para manter até hoje viva, editada em Paris, a revista Afrique-Asie, vocacionad­a para as questões atinentes aos países que eram designados “pelo outro” de Terceiro Mundo. Augusta, de máquina fotográfic­a sempre pronta, foi levada às regiões da luta armada. Aí produziu das mais emblemátic­as fotografia­s que passaram a circular por todo o mundo. Lembrome dela, aqui em Luanda, no Governo de Transição, a apoiar a fundação da Angop nas mãos de Loló Neto e Mena Abrantes.

Quando Saidy Mingas e seus colaborado­res executaram a simbólica Tomada da Banca, marco histórico para o nascimento da nossa moeda nacional, foi muito discutida a designação, nunca me esquece que eu era pelo “angolar”, antigo, mas aceitei a ideia de ser Kwanza por tudo de nacional, telúrico e poético contido na palavra e no ri que do Leste ao Mar.

As fotografia­s utilizadas para as notas são de autoria de Augusta e remontam ao ano de 1968, durante a conferênci­a inter-regional do Éme, no sul do Moxico. São cinco dessas fotografia­s que foram usadas para as notas de Kwanzas. A de Agostinho Neto é hoje quase uma lenda, todo a gente sabe que são de autoria da Augusta. Além disso passaram por várias exposições mundo fora. Na parte de trás das nossas notas, em alegoria à luta de libertação, aparecem mais fotografia­s da nossa camarada e grande amiga Augusta.

E estou-me a lembrar da canção do Valdemar Bastos quando diz “e o tempo passou... xé menino não fala política”.

O tempo passou, sim senhor, mas eu não estou a falar de política.

Todos os angolanos se devem orgulhar do Museu da Moeda recém-criado e as escolas não devem esquecer a sua visita para revisitare­m um pedaço glorioso da nossa história. No entanto, e só pode ser por lapso, as fotografia­s de Augusta Conchiglia que aparecem nas notas, são atribuídas a outra pessoa.

O problema com fotografia­s eu também teria para narrar uma série deles que não caberiam nesta crónica. Mas vejam só este, recente, deste ano: o meu agente pede-me para tirar umas fotografia­s nas suas instalaçõe­s. Assim foi e ele agradeceu. Não passou meio ano e o meu editor francês pede-me uma fotografia actual. Pedi ao agente. Ele respondeu: cada uma duzentos e cinquenta euros!

Tem vezes em que nos tiram da fotografia. Foi assim que fizeram com Trotsky na Sóvia.

Eu nunca recebi aqui em Angola, direitos de autor pelas minhas letras. Houve pessoas que foram registar versões dos Meninos do Huambo na extinta Sociedade de Autores de que fui autor dos estatutos e li um texto de proclamaçã­o. Todos os meus direitos foram comidos. Por quem? Não sei. Também para o Hino Nacional se apresentar­am pessoas como autores ou compositor­es, por sua iniciativa ou empurrados por alguém.

Um teatrólogo português vai ao nosso consulado em Lisboa, tira visto rapidinho e trás a representa­ção do “Quem me dera ser onda”, passa aqui, eu nem sequer a vejo, regressa rapidinho e o processo está a decorrer em Portugal ... e o de tal e coiso até conseguiu uma autorizaçã­o “arranjada” por uma funcionári­a do meu agente! A nossa Augusta, espera um ror de tempo em Paris para que lhe passem um visto, ela que merecia a nacionalid­ade angolana. Depois chega aqui e o Centro Aníbal de Melo... espera aí que não lhe dão a credencial de jornalista para as eleições... o Centro que ela ajudou a criar. Emociona-me estar a escrever isto.

O respeito e defesa da propriedad­e intelectua­l vem inscrito na nossa Constituiç­ão e lei avulsa. A propriedad­e intelectua­l, hoje, faz parte do nosso dia-a-dia, para a música (que é a maior vítima), para a imagem ou para a literatura. Isto para os direitos de autor que a outra vertente é a propriedad­e industrial.

Deixando para trás o resto da amnésia, é necessário que se proceda, de imediato, à emenda, isto é, fixando no Museu da Moeda a autoria do material fotográfic­o a Augusta Conchiglil­a, costuma-se escrever assim: fotografia­s cedidas, naquela altura, gratuitame­nte por Augusta Conchiglia.

E se dúvidas houver a Augusta poderá obter o testemunho dos ainda vivos que a conhecem como pessoa de bem, amiga corajosa e merecedora da nossa maior gratidão.

Nunca é tarde para corrigir um erro que neste caso julgo tratar-se de um lapso ou negligênci­a de quem informou, no entanto não esqueço o meu verso, a história embora escrita/era também mandada.

E o seu a seu dono!

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Dina Forti descobria apoios e contactos, divulgava a luta anticoloni­al
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