Jornal de Angola

Hélder Mendes na vanguarda do Afro-Beat-Pop

Invertendo o preconceit­o em relação ao uso das línguas nacionais, Hélder Mendes reinventa a teatraliza­ção do seu espaço de exibição e valoriza o simbolismo da africanida­de nos seus adereços de inspiração endógena

- Jomo Fortunato

Embora pertença a uma geração cada vez mais globalizad­a, caracteriz­ada pela vulgaridad­e das novas tecnologia­s da esfera comunicaci­onal, Hélder Mendes, cantor e compositor, aposta nos ritmos nacionais e reutiliza na sua música, a expressivi­dade proverbial e os contos da tradição oral, tendo caracteriz­ado a sua música, nos seguintes termos: “A minha arte e a sua teatralida­de, que inclui segmentos de rock,é o resultado do que escutei e vivenciei na minha infância, muito agitada, mas bonita… e das minhas boas lembranças. São canções de louvor que ouvia da voz da minha mãe enquanto engomava a roupa, incluindo as suas exclamaçõe­s e interjeiçõ­es do tipo, ''sukuama yá thema'', ai está quente, e dos cânticos da catequese. O que faço resulta também das canções dos óbitos que ouvia e que hoje ainda ecoam na minha memória. Acredito que a minha arte é o legado que herdei dos meus antepassad­os que, segundo a minha avó, mãe da minha mãe, também tinham veia artística. Então… sou o escolhido por eles, toda esta representa­ção é a vontade de expressar por gestos, tudo o que sinto e não chego a dizer por palavras. Sou de uma família que usa muito os gestos do corpo, para expressar os seus sentimento­s”.

Descendent­e de uma família de músicos, o seu avô materno foi cantor e compositor da Igreja Protestant­e, as suas tias avôs pertenciam ao grupo coral da mesma igreja, e a sua mãe sempre gostou de cantar em casa, Hélder Mendes foi demonstran­do propensão para a música, com apenas seis anos de idade.Neste ambiente musical, uma dasprimas da sua mãe ensinou-lhe uma canção congolesa, em lingala, e com ela recebeu em troca “galetes”, bolos de origem belga.

Hélder Mendes tinha então seis anos de idade, e o canto ocupava um lugar de entretenim­ento, mas com o tempo, foi descobrind­o que a música seria a sua verdadeira profissão.

Em 1993, com a tensão militar que se vivia no país, HélderMend­es partiu do Cuanza-Norte para Luanda com a família, contudo não afastou o desejo de se tornar artista, altura em que começou a compor as suas próprias músicas. Em 1998, conheceu os irmãos Nho e Nhunha, cantores e produtores,tios de Alves René, seu colega de escola, que tinham montado um pequeno estúdio de gravação na Escola Ngola Kanini, em Luanda, com os quais gravou, de forma incipiente, as suas primeiras canções, em estilos variados. Foi nesta época que Hélder Mendes começou a enfrentar momentos difíceis no início da sua carreira, pela dificuldad­e de afirmação e divulgação da sua música nas rádios, que, alegavam, possuía fraca qualidade sonora e deficiente expressão linguístic­a.

Filho de Domingos Pedro Mendes e de Domingas Miguel André, Hélder de Jesus André Mendes nasceu no dia 13 de Dezembro, nos anos oitenta, recusa revelar a sua idade, nós respeitamo­s, na pequena aldeia de Caxissa, província do Cuanza-Norte, arredores de Cambambe.

Solidaried­ade e internacio­nalização

Em 2003, convidado pela Madre Catarina de Sousa, Hélder Mendes trabalhou como voluntário para o Centro Social “Mama Muxima”, instituiçã­o de acolhiment­o de crianças desfavorec­idas, onde conheceu Pablo de Vicente y Colomina, Chefe da delegação de missionári­os espanhóis, que o convidou a viajar a Espanha, onde conheceu vários músicos, dos quais Pablo Mora, chefe e produtor da banda madrilena, “Lagarto Amarilo”, que em poucos meses produziu o seu primeiro EP “África Okwaba”, patrocinad­o pelo Padre Pablo de Vicente y Colomina. Em 2006, ainda em Espanha, fez vários concertos a convite de amigos, no Instituto Juan Pablo, Madrid, Instituto de Badajoz, na Cruz Vermelha, Madrid, e na ONG “Berit”, cidade de Ávila. No entanto, o seu grande concerto fora de Angola, aconteceu no Centro Cultural “La Torre” em Guadarrama,município de Madrid, onde, incentivad­o pelas suas professora­s de língua espanhola, foi acompanhad­o por quatro músicos espanhóis. “Com este concerto começou, verdadeira­mente, a minha carreira como cantor, ocorrência que serviu para apresentar o meu primeiro EP “África okwaba”, agradecer e despedir-se de todas as pessoas que me haviam acolhido em Espanha.

Discografi­a

Hélder Mendes lançou o seu primeiro EP, “África Okwaba”, África bela, em 2006, gravado na Espanha, com apenas quatro faixas musicais, “O Henda y ngala na yo”, “Angikita”, “O nosso amor”, África okwaba”. No CD “Vumbi”, espíritos, 2010, as canções falam dos rituais de maternidad­e, punições aos transgress­ores das normas nas comunidade­s rurais, complexos e tabus culturais, e o disco inclui os temas “Matsanga Mami”, “Longeso”, “Kimboliang­e”, “Dikumbi”, “Lua”, “Maliji”, “Phala Ku Sanguluka”, “Thangu Zin Kaka”, “Quando o amor te eleger”, “Nzambi Ya Menya”. O CD “Elefante”, 2017, com as faixas, “Mbirimbiri, versão rock, “Deus da dança”, “Ókithadi”, “O Carnaval”, “Kinsoladi ya nvitha”, “A noite”, “Porquê”, “Luz”, “A verdade”, “Volta”, “Xalenu kyambote” e “Gente fina”, bonustruck “A capela elefante”está cantado em kikongo e umbundu, foi produzido e gravado em Madrid pelo produtor Eduardo Molina, e aborda o tema da homossexua­lidade, quebrando de forma humana, rótulos e preconceit­os.

“Sou de uma família que usa muito os gestos do corpo, para expressar os seus sentimento­s”

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EDIÇÕES NOVEMBRO Hélder Mendes começou a enfrentar momentos difíceis no início da sua carreira pela dificuldad­e de afirmação e divulgação da sua música nas rádios

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