O Prémio Sagrada Esperança
O livro de poesia de Agostinho Neto, Sagrada Esperança, mostra-nos um poeta comprometido com a causa africana, aspiração essa que, gravitando em torno do eixo histórico da emancipação política, almeja tecer, materialmente, a espiral que, no poema ‘O Içar da Bandeira’, Neto definiu como “a sinfonia dinâmica do crescimento da alegria nos homens”.
Mas, para além da questão ideológica resultante da luta anti-colonial e da opressão do homem negro, um outro aspecto a considerar é o carácter identitário da obra de Agostinho Neto, sobretudo os recursos estético-formais e o hibridismo linguístico inaugurado pelo Poeta, com inserções de versos inteiros em língua quimbundo e a utilização reiterada dos referentes culturais africanos e angolanos.
Um terceiro aspecto que caracteriza esta obra magistral é a introdução dos mais variados géneros da escrita poética, tanto os colhidos do Ocidente (lírico, épico, dramático), quanto os bebidos na sua cultura Bantu (mimbu).
A total liberdade conferida pela Independência de Angola constitui uma oportunidade para o resgate pleno de vários instrumentos ideológicos e culturais que nos foram legados pela obra do Poeta Agostinho Neto. Dentre eles, os que orientaram a fundação do movimento dos Novos Intelectuais de Angola, particularmente o slogan cultural "Vamos Descobrir Angola!", como expressão da nossa maneira africana de sentir, e que Agostinho Neto condensou de forma magistral na sua ode ‘A Voz Igual’, com esta frase lapidar “Reencontrar a África”, e, nos versos sublimes: “a forma e o âmago/ do estilo africano de vida”.
Uma das fórmulas universais de valorização do trabalho dos intelectuais são os prémios de cultura. O Prémio Sagrada Esperança, que leva o nome de um dos poetas mais consagrados de toda a África, Agostinho Neto, enferma, porém, de três problemas.
O primeiro é o mais óbvio de todos. Num país como Angola, onde muito se fala em biliões, embora haja ainda dificuldades na sua redistribuição equitativa, não é concebível que um prémio que leva o nome da obra mais icónica da nossa literatura, esteja cotado no valor de um milhão e quinhentos mil kwanzas.
Se é para consagrar a obra do Poeta Agostinho Neto, o fundador da Poesia Negra de Expressão Portuguesa, no dizer de Mário António, ensaísta e poeta da nossa terra, que criou o genial Poema do Morro, então o Prémio Sagrada Esperança teria de estar cotado, no mínimo, em cem mil dólares, depois cambiados em moeda nacional pela banca. Dirão que é muito? Não é muito, não Senhora! Já o falecido Prémio Maboque de Jornalismo valia esse preço e até vinha de uma empresa privada! Ou, pelo menos, já que estamos em crise, que se lhe atribua o valor de 10 milhões de kwanzas. É que, se se realizam em Angola eventos culturais milionários, com as marcas de várias empresas privadas patrocinadoras, como é que o nome de Agostinho Neto não é susceptível de os bancos e empresários juntarem os dinheiros necessários para honrar o prémio que leva o nome da sua obra?
Se o Executivo concordar com esta revalorização do Prémio Sagrada Esperança, e aqui entra já o segundo problema vivido pelo mesmo, então o júri deverá também ser reconfigurado. O júri de um Sagrada Esperança não pode ser constituído por figuras menores do mundo da nossa Literatura. Tem de ter pesos-pesados. Não pode ser qualquer literato, mesmo que já tenha ganho alguma vez este prémio que pode assegurar a avaliação meritória das obras a concurso. É que o prémio já foi atribuído a obras que, de mérito literário, pouco trazem na escrita. O júri tem de ter gente que entende muito bem do valor literário de uma obra. Uma obra que mereça esse prémio não pode levar do júri a recomendação de que, por altura da publicação, o editor proceda a correcções de ortografia e de sintaxe. Não pode: a obra a ser premiada tem de demonstrar a domínio da língua pelo seu autor! Tem de ser original, trazer novidade ao nosso tempo literário, e estar em sintonia com o espírito do Poeta patrono, no que toca à inserção nas coisas da terra e da África.
Porque estamos no mês do Poeta, mês do seu nascimento e da sua morte, que melhor honra lhe poderíamos prestar, senão darmos o devido valor à sua Poesia e ao título de uma obra que marcou a vanguarda da literatura dos anos 40 e, até hoje, vem sendo o farol dos poetas que realmente a leem com os olhos da alma?
Ao darmos uma cotação mais justa ao prémio Sagrada Esperança estaríamos a usar uma estratégia de redistribuição da riqueza e a cumprir, na prática, o grande slogan da campanha eleitoral do partido vencedor, “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”.