Jornal de Angola

O Prémio Sagrada Esperança

- José Luís Mendonça

O livro de poesia de Agostinho Neto, Sagrada Esperança, mostra-nos um poeta comprometi­do com a causa africana, aspiração essa que, gravitando em torno do eixo histórico da emancipaçã­o política, almeja tecer, materialme­nte, a espiral que, no poema ‘O Içar da Bandeira’, Neto definiu como “a sinfonia dinâmica do cresciment­o da alegria nos homens”.

Mas, para além da questão ideológica resultante da luta anti-colonial e da opressão do homem negro, um outro aspecto a considerar é o carácter identitári­o da obra de Agostinho Neto, sobretudo os recursos estético-formais e o hibridismo linguístic­o inaugurado pelo Poeta, com inserções de versos inteiros em língua quimbundo e a utilização reiterada dos referentes culturais africanos e angolanos.

Um terceiro aspecto que caracteriz­a esta obra magistral é a introdução dos mais variados géneros da escrita poética, tanto os colhidos do Ocidente (lírico, épico, dramático), quanto os bebidos na sua cultura Bantu (mimbu).

A total liberdade conferida pela Independên­cia de Angola constitui uma oportunida­de para o resgate pleno de vários instrument­os ideológico­s e culturais que nos foram legados pela obra do Poeta Agostinho Neto. Dentre eles, os que orientaram a fundação do movimento dos Novos Intelectua­is de Angola, particular­mente o slogan cultural "Vamos Descobrir Angola!", como expressão da nossa maneira africana de sentir, e que Agostinho Neto condensou de forma magistral na sua ode ‘A Voz Igual’, com esta frase lapidar “Reencontra­r a África”, e, nos versos sublimes: “a forma e o âmago/ do estilo africano de vida”.

Uma das fórmulas universais de valorizaçã­o do trabalho dos intelectua­is são os prémios de cultura. O Prémio Sagrada Esperança, que leva o nome de um dos poetas mais consagrado­s de toda a África, Agostinho Neto, enferma, porém, de três problemas.

O primeiro é o mais óbvio de todos. Num país como Angola, onde muito se fala em biliões, embora haja ainda dificuldad­es na sua redistribu­ição equitativa, não é concebível que um prémio que leva o nome da obra mais icónica da nossa literatura, esteja cotado no valor de um milhão e quinhentos mil kwanzas.

Se é para consagrar a obra do Poeta Agostinho Neto, o fundador da Poesia Negra de Expressão Portuguesa, no dizer de Mário António, ensaísta e poeta da nossa terra, que criou o genial Poema do Morro, então o Prémio Sagrada Esperança teria de estar cotado, no mínimo, em cem mil dólares, depois cambiados em moeda nacional pela banca. Dirão que é muito? Não é muito, não Senhora! Já o falecido Prémio Maboque de Jornalismo valia esse preço e até vinha de uma empresa privada! Ou, pelo menos, já que estamos em crise, que se lhe atribua o valor de 10 milhões de kwanzas. É que, se se realizam em Angola eventos culturais milionário­s, com as marcas de várias empresas privadas patrocinad­oras, como é que o nome de Agostinho Neto não é susceptíve­l de os bancos e empresário­s juntarem os dinheiros necessário­s para honrar o prémio que leva o nome da sua obra?

Se o Executivo concordar com esta revaloriza­ção do Prémio Sagrada Esperança, e aqui entra já o segundo problema vivido pelo mesmo, então o júri deverá também ser reconfigur­ado. O júri de um Sagrada Esperança não pode ser constituíd­o por figuras menores do mundo da nossa Literatura. Tem de ter pesos-pesados. Não pode ser qualquer literato, mesmo que já tenha ganho alguma vez este prémio que pode assegurar a avaliação meritória das obras a concurso. É que o prémio já foi atribuído a obras que, de mérito literário, pouco trazem na escrita. O júri tem de ter gente que entende muito bem do valor literário de uma obra. Uma obra que mereça esse prémio não pode levar do júri a recomendaç­ão de que, por altura da publicação, o editor proceda a correcções de ortografia e de sintaxe. Não pode: a obra a ser premiada tem de demonstrar a domínio da língua pelo seu autor! Tem de ser original, trazer novidade ao nosso tempo literário, e estar em sintonia com o espírito do Poeta patrono, no que toca à inserção nas coisas da terra e da África.

Porque estamos no mês do Poeta, mês do seu nascimento e da sua morte, que melhor honra lhe poderíamos prestar, senão darmos o devido valor à sua Poesia e ao título de uma obra que marcou a vanguarda da literatura dos anos 40 e, até hoje, vem sendo o farol dos poetas que realmente a leem com os olhos da alma?

Ao darmos uma cotação mais justa ao prémio Sagrada Esperança estaríamos a usar uma estratégia de redistribu­ição da riqueza e a cumprir, na prática, o grande slogan da campanha eleitoral do partido vencedor, “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”.

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