Eleições e impugnações
A promessa porventura demagógica do Governo inclusivo e participativo vai continuar a dar muito espaço à imaginação. Todos teríamos a ganhar com isso, na condição de cada macaco no seu galho
Para um cronista do dia-a-dia já pouco sobra dos mujimbos sobre o tema. As redes sociais fazem grandes desvios contra as quais é inútil lutar. Sobra-nos o que nos fica de algumas observações modestas, colhidas na minha rua. A propósito das razões, factos e motivos que têm sido usados para as impugnações dos partidos políticos, após a publicação dos resultados pela CNE, há alguns que avultam sobre outros.
Eu destaco pela sua originalidade a teoria das esferográficas malignas ou enfeitiçadas. Há quem prefira chamar-lhes mágicas e outras, enfeitiçadas, consoante o grau de literacia.
A feitiçaria convive com a ciência e isso pode confundir as mentes ingénuas para provocar estados de espírito avessos às mudanças pacíficas.
Na estória que chegou na minha rua e que ouvi da boca de dona Sãozinha, que por sua vez colheu de uma dona outra que lhe recebeu em Viana, denunciavam as artimanhas das contagens dos votos, em particular dos votos nulos ou em branco. Só podia ser por causa das esferográficas que tinham sido colocadas nas cabines de
voto. – ... estranhamos lhes encontrar... a cruz desaparecia ao dobrar a folha do voto se a cruz
não estivesse no lugar cert.... A partir daí desenhava-se a engrenagem secreta posta a funcionar com o emprego de esferográficas especiais, super-inteligentes ou malignas, nas cabines de voto para favorecer um dos candidatos à Presidência da República. A sugestão era sedutora mas por me mover nesses ramos da ficção e conhecer um pouco do ofício de enfabular, desconfiei.
A voracidade com que se reclamavam votos tinha algo de doentio, quase de desespero. O que é que eles iam valer para aqueles que directa ou indirectamente iam beneficiar disso? Talvez ao dr. Quintino cujo partido nem sequer sobreviveu. Desaparece assim e de uma forma inglória a promessa das três novas capitais para o nosso País. Ainda assim convenhamos que ficou demasiado dispendioso para o País os milhões de dólares gastos para distracção dos eleitores.
As estórias forjadas sobre as esferográficas manhosas, o que quiserem apelidar embora sejam mais baratas, no entanto tem efeitos deletérios graves.
O desconforto e quase desespero que uma parte da nossa sociedade revelou face aos resultados das eleições demonstra quanta avidez e frustrações se têm que encarar. A promessa porventura demagógica do Governo inclusivo e participativo vai continuar a dar muito espaço à imaginação. Todos teríamos a ganhar com isso, na condição de cada macaco no seu galho.
É uma sugestão que serve mais a uns que a outros, afinal sei antecipadamente que não resulta. Os valores do mercado impõem-se drástica e cegamente, não há tempo a perder.
“Pensar o futuro é fazer epistemologias”, lembrei-me que tinha ouvido recentemente do sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Nestes embaraços pós-eleitorais que mais uma vez estamos a experimentar, convenhamos que as grandes maiorias nem sempre são de facto qualificadas. Quem pode emendar o que está mal se quem os suceder não trouxer mais do que recebe?