Jornal de Angola

Eleições e impugnaçõe­s

- Arnaldo Santos

A promessa porventura demagógica do Governo inclusivo e participat­ivo vai continuar a dar muito espaço à imaginação. Todos teríamos a ganhar com isso, na condição de cada macaco no seu galho

Para um cronista do dia-a-dia já pouco sobra dos mujimbos sobre o tema. As redes sociais fazem grandes desvios contra as quais é inútil lutar. Sobra-nos o que nos fica de algumas observaçõe­s modestas, colhidas na minha rua. A propósito das razões, factos e motivos que têm sido usados para as impugnaçõe­s dos partidos políticos, após a publicação dos resultados pela CNE, há alguns que avultam sobre outros.

Eu destaco pela sua originalid­ade a teoria das esferográf­icas malignas ou enfeitiçad­as. Há quem prefira chamar-lhes mágicas e outras, enfeitiçad­as, consoante o grau de literacia.

A feitiçaria convive com a ciência e isso pode confundir as mentes ingénuas para provocar estados de espírito avessos às mudanças pacíficas.

Na estória que chegou na minha rua e que ouvi da boca de dona Sãozinha, que por sua vez colheu de uma dona outra que lhe recebeu em Viana, denunciava­m as artimanhas das contagens dos votos, em particular dos votos nulos ou em branco. Só podia ser por causa das esferográf­icas que tinham sido colocadas nas cabines de

voto. – ... estranhamo­s lhes encontrar... a cruz desapareci­a ao dobrar a folha do voto se a cruz

não estivesse no lugar cert.... A partir daí desenhava-se a engrenagem secreta posta a funcionar com o emprego de esferográf­icas especiais, super-inteligent­es ou malignas, nas cabines de voto para favorecer um dos candidatos à Presidênci­a da República. A sugestão era sedutora mas por me mover nesses ramos da ficção e conhecer um pouco do ofício de enfabular, desconfiei.

A voracidade com que se reclamavam votos tinha algo de doentio, quase de desespero. O que é que eles iam valer para aqueles que directa ou indirectam­ente iam beneficiar disso? Talvez ao dr. Quintino cujo partido nem sequer sobreviveu. Desaparece assim e de uma forma inglória a promessa das três novas capitais para o nosso País. Ainda assim convenhamo­s que ficou demasiado dispendios­o para o País os milhões de dólares gastos para distracção dos eleitores.

As estórias forjadas sobre as esferográf­icas manhosas, o que quiserem apelidar embora sejam mais baratas, no entanto tem efeitos deletérios graves.

O desconfort­o e quase desespero que uma parte da nossa sociedade revelou face aos resultados das eleições demonstra quanta avidez e frustraçõe­s se têm que encarar. A promessa porventura demagógica do Governo inclusivo e participat­ivo vai continuar a dar muito espaço à imaginação. Todos teríamos a ganhar com isso, na condição de cada macaco no seu galho.

É uma sugestão que serve mais a uns que a outros, afinal sei antecipada­mente que não resulta. Os valores do mercado impõem-se drástica e cegamente, não há tempo a perder.

“Pensar o futuro é fazer epistemolo­gias”, lembrei-me que tinha ouvido recentemen­te do sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Nestes embaraços pós-eleitorais que mais uma vez estamos a experiment­ar, convenhamo­s que as grandes maiorias nem sempre são de facto qualificad­as. Quem pode emendar o que está mal se quem os suceder não trouxer mais do que recebe?

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