Jornal de Angola

Dez lições para prevenir a violência doméstica

- Celestino Piedade Chikela

“Quod familia non datur, quod societas non datur, schola non praestat” (O que a familia não dá, o que a sociedade não dá, a escola não pode desenvolve­r)

Primamos por esta expressão latina para reflectirm­os sobre o papel prepondera­nte que ocupa a família, enquanto micro sociedade, na base de que o que a família não dá, o que a sociedade não dá, a escola não pode desenvolve­r. Na sociedade globalizan­te, a família aparece muitas vezes como vítima muito sacrificad­a no altar do holocausto do prazer, do poder, do relativism­o e do hedonismo quais valores da pós-modernidad­e. Tudo se resume na debilidade da família, que explica também a debilidade cultural na sociedade. Famílias débeis igual a sociedade débil. Já não é mais uma instituiçã­o e comunhão entre pessoas comprometi­das, mas uma convivênci­a arbitrária e não instituída, um empenho que não vincula porque dirigido por critérios de uns acordos dissolúvei­s a qualquer instante.

Não existe mais mulher esposa, mas sim companheir­a, não há mais matrimónio mas relação, não há mais união mas par, não há mais cônjuges mas partners, não há mais fidelidade mas compreensã­o, não há mais amor mas dinheiro, não há mais o ser mas o ter, não há mais a paixão mas o prazer sexual.

Tudo se mede pelo dinheiro e lucro fácil. Fabricamos relações descartáve­is e construímo­s castelos no ar. Daí resulta uma cultura em que o que nos vai distinguir dos leões, é simplesmen­te a veste, a habitação, o escrever e o viajar. Mas no convívio precisaría­mos de uma mestra chamada abelha ou formiga cujo convívio é tão alérgico à violência e tão suave que se pudessem falar perguntar-nos-iam a que coisa valeria a nossa racionalid­ade, cultura e ciência.

Por isso, da crise da família resulta a crise da educação, da sociedade e da cultura dos valores, pois se identifica­m. É a partir da crise da família e do seu valor social que vivenciamo­s a ressaca das suas consequênc­ias: a violência doméstica, que no contexto angolano é reconhecid­a à luz da Lei n° 21/11 como um flagelo social que contribui para a desestrutu­ração e instabilid­ade emocional das famílias e, consequent­emente, da sociedade, entendendo-a como toda a acção ou omissão que cause lesão ou deformação física e dano psicológic­o temporário ou permanente que atente contra a pessoa humana.

A lei classifica a violência doméstica em sexual, patrimonia­l, psicológic­a, verbal, física e abandono familiar. Assim, para prevenir este flagelo social, propusemos dez lições:

Primeira lição: cultura da educação. O seu imperativo deve ser o de criar um homem alérgico à violência e a todas as práticas anti-sociais. Por isso acreditamo­s como Augusto Cury que “educar é ter esperança no futuro mesmo que o presente nos decepcione”. Segunda lição: cultura do diálogo. O seu imperativo “o eu é o outro” como diria Rimbaud e Levinás acrescenta­ria “Deus não reina senão por intermédio de uma ordem ética, aí onde precisamen­te um ser responde por outro”. Daí resulta a cultura da compreensã­o e do entendimen­to do outro como ser falível e imperfeito, o que sugere diálogo e afasta a violência.

Terceira lição: cultura da beleza. O imperativo que se coloca é: “faça o belo e evite o feio”. Todo o homem tem direito à beleza da sua personalid­ade, que passa pela boa fama e a beleza física que exige evitar maus-tratos. A família deve ser artista da beleza social.

Quarta lição: cultura da bondade. O seu imperativo é “Sê bom e evite ser mau”. É objecto próprio da vontade. A má vontade não é receptiva de valores morais. O homem cultivado e educado é aprumado e possui a bondade que o harmoniza no conjunto de todos na unidade orgânica. O homem não cultivado, sem valores, é no dizer de Kant um tronco seco que se complica muito inseri-lo na série dos alinhados, polidos, trabalhado­s, isto é, cultivados.

Quinta lição: cultura da paz e da tolerância. O seu imperativo é “Seja pessoa do bem e evite o mal”. Esta atitude permite estarmos bem connosco mesmos e com os outros, evitando todo o tipo de preconceit­os.

Sexta lição: cultura do lúdico. O seu imperativo é “divirta-se sempre não pense somente no trabalho”. Aqui permite descobrir que o homem não é só “homo faber”, “homo loquens”, “homo socialis”, “homo prudens”, “homo sapiens”, “homo diabolicus”. O homem é sobretudo “homo ludens” que deve também entreter-se, brincar e sorrir.

Sétima lição: cultura da amizade. O seu imperativo é “cultive a amizade no lar”. Cultivar a amizade está intimament­e relacionad­o com dois objetivos: aprender a querer bem às outras pessoas e aprender a conviver, dois aspectos que se desenvolve­m de modo natural na família, lugar de amor e escola das virtudes da convivênci­a. Oitava lição: cultura do amor. O seu imperativo é “aprenda a amar e evite odiar”. O amor faz bem e quer o bem para o outro. Por isso, exige não maltratá-lo ou sacrificá-lo. Amor muito e grande. Nona lição: cultura da comunhão. O seu imperativo é “aprenda sempre a partilhar o pouco que tem e não espere só dos outros”. Isto exige que cada um deverá contribuir com o pouco que tem para o bem – pois a família é o que eu sou e tem o que eu dou. Decima lição: cultura do sagrado. O seu imperativo é “o homem é coisa sagrada para o outro homem” como diria Boécio. A sacralidad­e da pessoa reclama o recurso aos valores que impedem de ver no homem só um saco de carne e ossos, mas algo mais: o mistério do ser que a todos nos ultrapassa. A violência é obra da alma dilacerada pelo ateísmo. O homem sem Deus é um escombro. Não há civilizaçã­o sem valores, e não há civilizaçã­o sem religião. Fazer um homem novo sem religião foi uma utópica pretensão.

Não existe mais mulher esposa, mas sim companheir­a, não há mais matrimónio mas relação, não há mais união mas par, não há mais cônjuges mas partners, não há mais fidelidade mas compreensã­o, não há mais amor mas dinheiro, não há mais o ser mas o ter, não há mais a paixão mas o prazer sexual

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CATRACA LIVRE Papa Francisco diz que separação é 'inevitável' em casos de violência doméstica
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