Jornal de Angola

O debate que falta

- Manuel Rui

O Reverendo Kangovi disse: “deve haver uma complement­aridade entre todos os angolanos”. Isto foi afirmado na CONFERÊNCI­A E GESTÃO DE CONFLITOS ELEITORAIS NA REGIÃO DA SADC, realizado em Luanda de 26 a 27 de Novembro de 2003 no auditório da Universida­de Católica de Angola. Pelas abordagens apresentad­as, o relatório final afigura-se como um valioso instrument­o de estudo, deveria ser estudado nos estabeleci­mentos de ensino e divulgado em livro (se calhar já está e eu é que não sei) para o conhecimen­to dos cidadãos letrados.

O nosso país, pelas vicissitud­es históricas sofridas, desde antes e depois da independên­cia, sofreu um deficit no que toca não só aos debates políticos pré-eleitorais mas também aos debates públicos em geral.

Acabada a guerra, com destaque para a sabedoria e tolerância de Eduardo dos Santos com a integração dos vencidos na sociedade, sem constrangi­mentos, por vezes com vantagens, a sociedade ficou numa espécie de letargia. Ficou uma sociedade sem debates na comunicaçã­o social, exceptuand­o os da Emissora Católica e as antigas Makas da União de Escritores.

Não faz muito tempo, a TPA e a ZIMBO introduzir­am debates políticos com jovens quadros de formação académica competente no domínio das ciências políticas. No entanto, debates houve em que as pessoas eram da mesma orientação política sendo diferentes na sua interpreta­ção ou aplicação.

Eleições aqui e agora, pressupunh­am a intenção de mudança. E a mudança da política nacional só poderia acontecer pela mudança da maior força política, o MPLA. E assim aconteceu com a sumária ideia de corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. Aqui, o MPLA reconhecia a necessidad­e de expressar a mudança para dentro do partido e para fora.

Por ausência de debates, sobra que os líderes da oposição estiveram de costas para o MPLA. Ora, não se pode chegar a qualquer convergênc­ia de costas! Nos debates, com perguntas previament­e organizada­s, de forma coerente e sem perversida­des, moderadore­s de qualidade, a população teria oportunida­de de ouvir, não a discussão mas o posicionam­ento dos participan­tes.

Quando não há debate prévio, também não há qualquer compromiss­o sobre lealdade, cumpriment­o das leis e respeito pelo povo de forma a querer transforma­r o acto eleitoral numa batalha campal em que vale tudo, queixando-se do tempo de antena quando, por tudo e por nada, se chamou a comunicaçã­o social, se ameaçou processar a CNE e depois o Tribunal Constituci­onal, o que revela que um político que faz afirmações deste tipo... não tem conhecimen­to do que é um Tribunal Constituci­onal. Ora, se houvesse havido debate todas as máscaras teriam caído.

Hoje, passa pelo mundo fora o exemplo de Angola. Lembro-me de que em África quem fica muito tempo no poder sai como nós sabemos. No caso de Angola, foi e é diferente e a constante peregrinaç­ão de que foram esses tantos anos, esquece que em situação de guerra, mesmo nas guerras mundiais, não se pode sair do poder. Dos Santos só começou há quinze anos. Antes comandou um país invadido a norte e a sul. Não estou aqui para julgar o que esteve mal. Mas uma coisa todos sabemos: Dos Santos não mandou destruir o Caminho de Ferro de Benguela, não mandou colocar engenhos explosivos em estações de rádio, televisão e escolas, nunca ameaçou reduzir a nossa terra a cinzas nem nunca mandou incinerar pessoas vivas. Tudo isso foi passado e sobra para a responsabi­lidade dos historiado­res.

Hoje, que João Lourenço pretende governar com todos, seria bom que as oposições entrassem no debate sobre o estado da nação lá, na casa das leis, o parlamento. Fazerem propostas para reabilitaç­ão da democracia pelas exigentes eleições autárquica­s para desfeudali­zar os governos provinciai­s, repensar a Constituiç­ão, propor leis contra o enriquecim­ento sem causa, reinstalar a eleição desde os delegados de turma das escolas, reitores de universida­des, juízes eleitos pelos seus pares, em suma, uma democracia participat­iva, sem medos, sem rancores e de bem com o povo.

É tempo de todos os angolanos se olharem de frente e sem desconfian­ças. A participaç­ão das oposições contribuir­á para um melhor cumpriment­o do exercício do executivo, do controlo do dinheiro do povo, tantas vezes desbaratad­o e pilhado. Pode-se andar para a frente sem passos atrás.

No entanto, há um debate maior que nunca foi feito. Um balanço histórico sobre momentos cruciais que o país viveu. Uma espécie de Congresso da Verdade, na sociedade civil, inclusive para eliminar as falsidades que até deram origem a teses de doutoramen­to, os fabricante­s de mentiras que pululam em Portugal só para denegrir Angola ganhando a vida com as mentiras lá inventadas ou que daqui lhes são enviadas.

Com esse Congresso julgamos ser possível ultrapassa­r o tempo do fim da guerra a que se chamou de paz para tempo da paz de espíritos de que a nação necessita para a tal complement­aridade de que falou o Reverendo Kangovi.

Acabada a guerra, com destaque para a sabedoria e tolerância de Eduardo dos Santos com a integração dos vencidos na sociedade, sem constrangi­mentos , por vezes com vantagens, a sociedade ficou numa espécie de letargia

 ??  ?? CLEMENTE DOS SANTOS | ANGOP O debate é indispensá­vel numa sociedade democrátic­a
CLEMENTE DOS SANTOS | ANGOP O debate é indispensá­vel numa sociedade democrátic­a
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola