Rasto de cinzas e desolação após a reconquista de Hawija
Desde a sua reconquista ao Estado Islâmico, na última quinta-feira, a cidade de Hauija está sob o controlo do Governo do Iraque. Os 70 mil moradores que ali permaneceram depois da retomada evitam sair de casa
Desde a sua reconquista na quinta-feira, a cidade de Hawija está sob o controlo militar do Governo iraquiano. Os 70 mil moradores que ali permaneceram depois da retomada evitam sair de casa. Sobre as ruínas das lojas do mercado principal, reduzido a escombros pela explosão de um carro-bomba, flutua a bandeira do Iraque e das organizações e combatentes aliados ao Governo, substituindo as dos radicais.
Uma das faces de um outdoor apela à jihad, enquanto a outra ameaça de morte os fumadores. A cidade iraquiana de Hawija ainda mostra sinais dos três anos que esteve sob o controlo militar dos radicais islâmicos.
O Estado Islâmico (EI) ateou fogo a tudo que pôde antes de fugir da ofensiva do governo iraquiano na cidade, localizada no Norte da província de Kirkuk, rica em petróleo.
Um fumo negro e denso sai de poços de petróleo incendiados no local. Assim se vão “os milhões de dólares que deveriam ser destinados aos iraquianos”, lamentam moradores das redondezas.
Nesta região, a Norte de Bagdade, conhecida pelo cultivo de cereais e, principalmente, pelas suas melancias, os extremistas islâmicos também incendiaram os campos.
Nas estradas que levam a Hawija, último centro urbano nas mãos dos jihadistas no Iraque, alguns moradores imploram por comida às colunas militares que por aqui passam.
Todos famintos
“Há quatro anos que não vemos chá ou açúcar”, diz Um Imed, com lágrimas nos olhos, enquanto aperta o longo vestido preto coberto pela poeira levantada pela passagem dos veículos.
“Os nossos filhos morrem de fome e andam descalços. Apenas as famílias do Estado Islâmico estão alimentadas, porque o EI obrigava-nos a dar-lhes mais de um quarto das nossas colheitas.”
Dentro da cidade, não há mais do que desolação. “Quando o EI tomou a localidade, fizeram uso do hospital. Mas à medida que as forças iraquianas se aproximavam, quiseram incendiar tudo, para que ninguém pudesse beneficiar desta infra-estrutura”, contou à AFP Mohamed Khalil, portavoz da Hashed al-Shaabi, força paramilitar dominada por xiitas que tomou o controlo do hospital.
Parte do local resistiu às chamas. O hospital fica em frente à câmara municipal, desactivada e onde ninguém se atreve a aventurar-se, com medo de que tenham sido instaladas minas.
No interior do hospital, nos consultórios e áreas de descanso das enfermeiras, receitas, folhetos e documentos administrativos narram a vida sob o domínio do Estado Islâmico. Em documentos com o título “Estado Islâmico, Província de Kirkuk”, líderes jihadistas pedem aos funcionários que atendam com urgência “ao irmão Adel, soldado das forças especiais”.
Desde a sua reconquista, na última quinta-feira, a cidade está sob um novo controlo militar. Os 70 mil moradores sunitas que ali permaneceram depois da retomada evitam sair de casa.
“Estamos à espera”
Sobre as ruínas das lojas do mercado principal, reduzido a escombros pela explosão de um carro-bomba, o Hashed al-Shaabi fincou as suas bandeiras, substituindo as dos jihadistas.
A maioria é de cor preta e exibe o retrato do imã Hussein, neto do profeta Maomé e figura reverenciada pelos muçulmanos xiitas. Os combatentes do Hashed al-Shaabi tiveram um papel importante na retomada de muitas cidades conquistadas pelo Estado Islâmico durante uma ofensiva relâmpago em 2014, que o levou a controlar um terço do país.
Juntamente com o Exército e a polícia, estes combatentes participaram nas operações de reconquista de Hawija, cidade localizada a 230 quilómetros de Bagdade e que, sob o regime do ditador Saddam Hussein, derrubado em 2003, já era conhecida por abrigar grupos sunitas radicais.
Após a invasão norteamericana em 2003, era apelidada de“Kandahar do Iraque”, em referência ao reduto talibã situado no Afeganistão.
Como lembram os folhetos espalhados pelo hospital e um pouco mais distante, no chamado “Tribunal do Estado Islâmico”, a jihad não é uma novidade na cidade. Alguns trechos retomam discursos de Abu al-Zarqawi, emir da Al-Qaeda no Iraque que lutou contra a presença norte-americana no país no começo dos anos 2000.
“Deixem o Estado Islâmico voltar”, proclama, desafiador, Udai Salman, de 35 anos, que deixou mulher e filha na cidade xiita de Najaf para se unir ao Hashed no combate aos jihadistas. “Estamos aqui, e estamos à espera deles”, afirma ele.
Nas estradas que levam a Hawija, último centro urbano nas mãos dos jihadistas no Iraque, alguns moradores imploram por comida às colunas militares.