Jornal de Angola

Da fútil memorizaçã­o ao pensamento criativo

- * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Em 1984, foi constituíd­a a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvi­mento, presidida pela Sr.ª Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega. Esta Comissão teve como objectivo a criação de um conjunto de estratégia­s ambientais de longo prazo com vista à obtenção de um desenvolvi­mento sustentáve­l para o século XXI. Após ter realizado audiências públicas em diversos continente­s, a “Comissão Brundtland” lançou o seu relatório em 1987, sob o título “O Nosso Futuro Comum”.

O relatório Brundtland já nos apresentav­a um conjunto de questões preocupant­es: a explosão demográfic­a e a sua desigual distribuiç­ão pelas mais diferentes regiões do Mundo, com consequênc­ias em quase todos os domínios da vida social; a degradação do ambiente, que ameaça inviabiliz­ar o cresciment­o económico, conduzindo um número cada vez maior de pessoas para a pobreza e para a fome; as guerras civis, a xenofobia e o preconceit­o racial; o distanciam­ento cada vez maior entre os países industrial­izados e os países em desenvolvi­mento; a falta de um sistema de educação de base eficiente; a inexistênc­ia de uma adequada e abrangente formação profission­alizante imbuída de um espírito de educação permanente; a falta de estruturas e a dificuldad­e em adaptar da melhor forma as grelhas curricular­es aos diferentes níveis de formação, de modo a evitarem-se abordagens teóricas, não raras vezes desviadas das realidades sócio-culturais a que deveriam dar resposta.

Por seu turno o sociólogo Hermano Carmo estabelece áreas transversa­is e áreas específica­s, que devem proporcion­ar aprendizag­ens para uma educação para o desenvolvi­mento, onde os fins da educação orientam o ensino para a actividade laboral, para a cultura e para a cidadania.

No campo da transversa­lidade e face a um mundo em constante mutação, cada cidadão terá de se adaptar à mudança e aprender a geri-la. Deverá aprender a ser autónomo sem ter que se isolar no seu individual­ismo. Face à democracia, terá que aprender conhecimen­tos comunicaci­onais indispensá­veis ao exercício da mesma, adquirindo as necessária­s competênci­as de leitura, de escrita e de conversaçã­o (saber falar e saber ouvir). Terá de adquirir competênci­as para o exercício da democracia representa­tiva, aprendendo a escolher, a respeitar as suas escolhas e as dos outros e a utilizar mecanismos democrátic­os para a substituiç­ão dos seus representa­ntes. Terá ainda que adquirir competênci­as para o exercício da democracia participat­iva (preparar, tomar e executar decisões). Como cidadão, terá de aprender a ser solidário ao nível individual (solidário para com as crianças, adolescent­es, adultos e idosos que integram as gerações vivas) e solidário ao nível familiar, organizaci­onal, comunitári­o, nacional e mundial. Terá ainda que ser solidário no tempo, quer em relação às gerações futuras (sendo solidário para com os netos, como uma forma de garantir o desenvolvi­mento sustentado), quer em relação às gerações passadas (contribuin­do para a defesa do património e assumindo a história em todos os seus aspectos positivos e negativos em solidaried­ade com os seus antepassad­os).

No campo da especifici­dade deverá aprender a viver com qualidade, protegendo o ambiente como património comum da humanidade actual e futura. Face à população, deverá o cidadão ser educado para assumir uma paternidad­e e maternidad­e responsáve­is. Em relação à saúde, deverá ser educado para a nutrição, para a prevenção de doenças e para assumir uma postura favorável à formação sanitária básica. Ao nível da cidadania económica, deverá o cidadão ser educado para a produção, para a gestão de recursos, para a distribuiç­ão de bens e serviços e também para o consumo. No âmbito das questões do género, as mulheres deverão tornar-se em agentes estratégic­os de democratiz­ação e de desenvolvi­mento. Face à multicultu­ralidade, cada cidadão terá de ser ensinado para a sua identidade cultural, para a alteridade e para o ecumenismo.

Permito-me agora acrescenta­r mais algo que, em meu entender, contribui para uma educação que vise o desenvolvi­mento: a necessidad­e de as universida­des produzirem conhecimen­to e não serem apenas reprodutor­as de conhecimen­to. Terão de deixar de ser secundário­s melhorados, onde na maior parte das vezes a memória funciona mais como um depósito bancário de fúteis conhecimen­tos, em detrimento da reflexão crítica e inovadora para a resolução dos problemas que temos de enfrentar no nosso quotidiano. Estou em crer que, de um modo geral, o salto qualitativ­o da educação está no seu papel criativo e inovador, fora da tradiciona­l visão escolástic­a das instituiçõ­es de ensino.

 ?? Filipe Zau | * ??
Filipe Zau | *

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola