A encruzilhada das eleições e a defesa da paz na RDC
Com uma superfície que é praticamente o tamanho da Europa - é o segundo maior de África, com 2.344.858 km2 e o quarto mais populoso do continente, depois da Nigéria, Etiópia e Egipto (tem perto de 80 milhões de habitantes)-, a República Democrática do Congo vai certamente ocupar os espaços principais dos noticiários africanos tendo em conta a encruzilhada política em que acaba de mergulhar com o anúncio, pela Comissão Eleitoral Independente do país, da impossibilidade de realização das eleições presidenciais previstas para Dezembro deste ano.
Não é a primeira vez que as eleições presidenciais são adiadas (elas já estiveram previstas para Dezembro de 2016), facto que faz aumentar a pressão sobre o Presidente Joseph Kabila, cujo mandato terminou a 20 de Dezembro do ano passado, para que se comprometa, de uma forma mais vincada, com a realização de eleições, através da publicação de um calendário e a adopção de um orçamento de modo a retirar o país da crise política em que se encontra faz algum tempo.
Em Novembro do ano passado uma missão do Conselho de Segurança, co-chefiada pelo embaixador angolano nas Nações Unidas, Ismael Martins, e pelo representante adjunto da França nesse organismo, Alexis Lameck, após encontro com todas as partes em Kinshasa, chegava à conclusão sobre a necessidade de a RDC avançar para eleições livres, transparentes e credíveis, respeitando a Constituição e outros instrumentos jurídicos.
Ponto assente, e esta foi uma das exigências dos partidos da oposição, acolhida pelo acordo assinado a 18 de Outubro com o Governo, acordo entretanto ao qual não aderiram todas as formações, é que o Presidente Joseph Kabila não poderá recandidatar-se. Face ao clima de tensão, em 31 de Dezembro de 2016 um novo acordo entre o Governo e a oposição conferia mais substância ao entendimento político e fixava o compromisso de realização das eleições até Dezembro de 2017.
“A solução não é pela violência, nem pela rua. É pelo diálogo interno. Tem de haver flexibilidade. Não existem duas opções. A única que temos passa por se trabalhar em conjunto para encontrar soluções consensuais”, disse na altura o embaixador angolano.
Ao que parece, as 31 formações políticas que integram a Aliança de Maioria Presidencial, e que é a base de apoio político de Joseph Kabila, não terá acautelado suficientemente os seus interesses. O arrastar de pés, que a missão da ONU já havia identificado na “tentativa de fuga ao cumprimento da Constituição”, pode pois ser entendido como um expediente para forçar novas negociações com a oposição, que não se vão limitar ao estabelecimento de um calendário para as eleições.
São múltiplos os interesses em jogo, num país com mais de 250 grupos étnicos e 700 línguas e dialectos, o que, se por um lado é uma mostra da sua diversidade e riqueza cultural, por outro representa um mosaico extremamente complexo. As insurreições de carácter étnico que ao longo dos tempos têm vindo a ser registadas são o reflexo dessa complexidade, que vêm no recurso à violência uma forma de afirmarem a relação de poder, quer em relação a outros grupos quer em relação ao próprio poder central.
O fortalecimento/desenvolvimento dos poderes locais, o reforço da democracia nas instituições locais, é apontada como uma das saídas que pode, com o tempo, contribuir
para a erosão da autoridade dos chefes tribais que recorrem à violência para se imporem no xadrez político.
Queimado o prazo para as eleições e com tarefas essenciais por realizar - como a não conclusão do registo eleitoral em todo o país, a permanência de focos de instabilidade em algumas regiões, que se têm traduzido em ataques de milícias armadas contra as populações civis, das quais têm resultado milhares de refugiados que procuram acolhimento nos Estados vizinhos -, outra solução não é de prever senão uma intervenção conjugada da comunidade internacional no sentido de encaminhar a situação na República Democrática do Congo para uma saída que preserve a estabilidade e contribua para reforçar a paz.
Com efeito, as Nações Unidas, que têm nos últimos tempos estado a pressionar para que a RDC realize eleições, devem trabalhar com a Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e com a Comunidade dos Estados da África Central (CEAC) no sentido de se estabelecer um roteiro de acções políticas que deverão viabilizar uma solução duradoura que coloque Kinshasa em linha, quer com os interesses internos quer com o da preservação da estabilidade nas áreas limítrofes dos nove países com os quais partilha fronteiras terrestres.
“A solução não é pela violência, nem pela rua. É pelo diálogo interno. Tem de haver flexibilidade. Não existem duas opções. A única que temos passa por se trabalhar em conjunto para encontrar soluções consensuais”, disse na altura o embaixador angolano