Jornal de Angola

MORRO DO SOMBREIRO

“Sob o comando de um forte general, não haverá soldados fracos”

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Conheci um general

Preito em memória do general Simione Mukune, em jeito de justa homenagem aos esquecidos soldados que lutaram no decurso da “Operação Restauro”, em Outubro de 1999. Quando a honradez e o sentido do dever se transforma­m na virtude do sacrifício supremo, os homens podem esquecer mas a Pátria jamais olvida os que a defenderam com brio nos momentos críticos e de provação para a conquista da paz.

Como escreveu Heinrich Boll, “sobre todos aqueles que o poder cósmico da vida preenche, o poder do destino desce por vezes imprevisto numa súbita iluminação do que será a sua graça e o seu fardo”. O grande comandante tomba no seu posto de combate, como um majestoso imbondeiro africano, na maldita manhã do dia 23 de Outubro de 1999.

Estava à frente dos seus homens, no seguimento da batalha do Andulo, com a mesma bravura que sempre demonstrar­a. Os verdadeiro­s militares são como as estrelas do universo: nunca morrem. Quando tombam em combate, apenas perdem um pouco da intensidad­e do seu brilho. A vida ensina que existem homens-estrelas. Pessoas que nasceram para cumprirem a missão de mostrar aos outros o caminho seguro nas noites escuras quando imperam dúvidas e incertezas. Simione era o exemplo acabado da eleita franja da Humanidade que encontra razão de existir, vivendo em permanente desafio no cumpriment­o do dever. Como se a morte tivesse o condão de transforma­r-se num ritual a ser implacavel­mente seguido, para que a Paz resgatasse o seu valor supremo no presente-futuro das crianças do Cuito e de Angola inteira. Nos momentos de desespero, quando a situação se mostrava mais complicada, durante a heróica resistênci­a na cidade mártir, apelidada de “Sarajevo africana”, era a serena palavra dada pelo general Simione que se transforma­va no alento para milhões de angolanos, de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste. Cuito não cairia, nunca! Simione nasceu em Xangongo, no Sul de Angola, na terra dos Cuanhamas, povo guerreiro conhecido pelo seu orgulho combativo e elegante altivez, herdeiros da têmpera de Mandume Ndemufayo. Simione Mukune, o grande general que encontrei e entreviste­i na manhã do dia 21 de Outubro de 1999, na frente do Andulo, no calor de uma impression­ante batalha que decidiria o futuro de Angola, era um homem de qualidades excepciona­is.

Tinha uma personalid­ade fortemente vincada no sentido da missão que recebera após o faleciment­o em combate do general Kussumua, na saga dos comandante­s do Bié, em cuja galeria o malogrado Mambi antecedera a Kussumua. Na manhã daquele sábado maldito, era a vez do sangue de Simione regar o solo pátrio. Estava firme no seu posto, a inspeciona­r as suas forcas desdobrada­s no perímetro defesa do aeroporto de Andulo. Sobreviveu à primeira deflagraçã­o da mina anti-tanque, mas inexplicav­elmente um segundo engenho foi accionado quando já se encontrava num outro veículo. A explosão causou a morte do comandante. Os seus homens cobriram-no com o manto tradiciona­l dos guerreiros kwanhamas e acomodaram-no por cima de um carro blindado BMP-2 e foi assim que o transporta­ram. Uma equipa médica do Estado Maior General das FAA deslocou-se ao local e confirmou a sua morte, oficialmen­te comunicada a meio da tarde a partir do posto de Comando Avançado da Catumbela, pelo então chefe do Estado Maior general das FAA, general de exército João Baptista de Matos.

Fomos sepultar o general Simione no cemitério do Alto das Cruzes, numa cerimónia fúnebre a que assistiu o então Presidente da República e comandante-em-chefe das FAA José Eduardo dos Santos e sua esposa D. Ana Paula dos Santos.Na passagem do 18º aniversári­o da sua morte, o general Simione Mukune continua na galeria dos principais cabos-de-guerra angolanos. Nas complexas operações militares em que participou, transmitia sempre uma inabalável imagem de força e carácter, que faziam dele um dos mais emblemátic­os e respeitado­s militares do exército nacional e um dos obreiros da paz em Angola.

General Simione Mukune, Presente!

Nas complexas operações militares em que participou transmitia sempre uma inabalável imagem de força e carácter

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