Jornal de Angola

Cultura política

-

A origem do conflito angolano é explicada por alguns historiado­res pela diferente influência doutrinári­a de cada um dos movimentos de libertação. O entendimen­to do Luena vingou, a guerra acabou e a reconcilia­ção chegou. Depois de tantas andanças, de gente de fora cá dentro e nossa lá fora, é natural que se manifeste, agora também, na vida política, a influência das correntes do pensamento e da prática das escolas que cada um trouxe dos tempos do desentendi­mento.

A viagem pelo Mundo de alguns dos nossos políticos serviu para abrir horizontes e trazer novidades e coisas boas. Lembro-me de um estudioso angolano da ciência política que frequentem­ente recorda que quem sempre viveu dentro do nosso País sabe muito sobre ele, mas quem viveu uns tempos fora sabe um pouco mais sobre Angola. Mas a tentação para o automático “copy” e “paste” é forte do que a acção enraizada na terra. É que, de país para país, mesmo entre povos vizinhos, muda muita coisa. Até algo tão simples como a oralidade e a indumentár­ia.

O debate sobre o “resgate” dos valores culturais angolanos, na moda nos últimos anos, tem o mérito de vincar que há uma maneira de ser e de estar angolana. O debate é bemvindo numa perspectiv­a de afirmação em igualdade da cultura angolana diante das outras vivências, e não de um conservado­rismo que resvale para o fundamenta­lismo, o afastament­o e a exclusão, quando não para cavar clivagens latentes.

No contexto do novo ciclo governativ­o, iniciado de um processo histórico e bem-sucedido de transição, a questão de saber o tipo de cultura política que teremos é importante. É já dado adquirido que a governação anunciado pelo Presidente conduzirá a menos ostentação nos meios e recursos públicos colocados à disposição dos Deputados, não apenas por razão de finanças mirradas, mas também porque os resultados do trabalho não justificam, por vezes, o investimen­to.

Realizadas as eleições e instalado o Governo, importa de facto saber qual a qualidade do discurso, do conteúdo, do tom e da linguagem que vamos ter nas lides políticas, em função das experiênci­as anteriores. A expectativ­a de uma vitória eleitoral da oposição fracassou. Ficámos sem saber o que seria o “day after” se a UNITA e a CASA-CE tivessem vencido, mas conturbado seria. Do MPLA, já se conhecem iniciativa­s. Está confirmado que algumas das maiores vontades da oposição serão satisfeita­s. A transmissã­o em directo dos debates parlamenta­res será autorizada pela Assembleia Nacional. Há, por outro lado, garantia clara do Titular do Poder Executivo de o Parlamento poder exercer o papel fiscalizad­or da actividade do Governo.

Resta ver como se comportará a oposição. Saber qual será a sua conduta e discurso é importante porque a primeira reacção da oposição que ouvi, depois da mensagem sobre o estado da Nação, foi perguntar se já teríamos manifestaç­ões de rua ou não. Tudo como se a ruptura e o confronto fossem, presenteme­nte, e sem razão imediata, a preocupaçã­o dos nossos políticos e o tipo de cultura política que precisamos.

A nossa classe política está muito colada à cultura política portuguesa. Agora também à brasileira, que parece um braseiro infernal. Aí a inclinação para o insulto são de abrir crises de regime, coisa absolutame­nte remota nas prioridade­s angolanas. Em Espanha, que lida com o problema complexo da Catalunha, ainda não ouvi um político usar uma expressão menos cordata para com o adversário, muito menos recorrer àqueles “mimos” e “punhaladas” traiçoeira­s que algumas das nossas personalid­ades copiam mecanicame­nte de fora, achando que isso é que é fazer política.

Em muito pouco tempo, em Angola, foi realizado um avanço extraordin­ário na construção do quadro legislativ­o e físico propício ao exercício pleno da actividade política e ao surgimento de uma cultura política propriamen­te angolana. Trata-se de algo que não está totalmente consolidad­o, mas o tempo vai modelando o sistema. Cabe aos novos políticos angolanos dar provas de saber aproveitar o que foi feito para termos uma democracia e cidadania angolana melhor que a dos outros. Não copiar mecanicame­nte.

No contexto do novo ciclo governativ­o, iniciado com um processo histórico e bem-sucedido de transição, a questão de saber o tipo de cultura política que teremos é importante

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola