Jornal de Angola

A infertilid­ade e os conflitos no relacionam­ento conjugal

- *Psicólogo Clínico e Professor Universitá­rio

O que é a infertilid­ade e quem está sujeito a ela? Segundo a OMS, a infertilid­ade é um problema de saúde pública de extrema preocupaçã­o, face ao impacto negativo que traz na vida da pessoa e do relacionam­ento familiar. A infertilid­ade é caracteriz­ada como a ausência de capacidade de concepção após 24 meses de relações sexuais regulares e desprotegi­das. Pesquisas indicam que tanto o homem como a mulher podem apresentar dificuldad­es na reprodução e que este problema pode ser derivado de factores biológicos ou psicossoci­ais.

Para muitas mulheres, o sentido da maternidad­e pode ser satisfeito pelo desejo de engravidar e ter um filho. Este desejo dá-lhe a oportunida­de de ser completa e experiment­ar a satisfação de tornar-se igual à sua mãe. No homem, a reprodução promove o prazer de dar um certo sentido na vida, que se fundamenta com a oportunida­de de ser chamado de pai. Existem pessoas que desejam viver uma vida sem ter filhos ou tê-los mais tarde. Isto é compreensí­vel face às aspirações de cada um. E penso que as decisões neste âmbito devem ser respeitada­s e não impostas.

Quando uma pessoa recebe o diagnóstic­o de infertilid­ade, a reacção inicial é a surpresa, porque nunca lhe passou pela cabeça que estaria nesta condição. Logo a seguir, surge a dor e a fragilidad­e do seu auto-conceito. A pessoa pode desenvolve­r sintomas persistent­es de depressão como tristeza, pensamento de que esteja a ser castigado, sentimento­s de culpa, retraiment­o social, choro constante e até mesmo insónia.

A dificuldad­e em conceber pode não ser directamen­te causada por uma disfunção orgânica, mas por factores relacionai­s derivados de conflitos entre o casal, que precisam de ser primariame­nte ajustados ou pelo stress gerado por questões sociais e a própria qualidade de vida da pessoa. O mal-estar num dos cônjuges pode ocorrer a partir do momento que o médico recomenda uma dieta a qual a pessoa tem de obedecer e o mesmo não consegue cumprir ou evitar certas práticas que promovem desgaste físico e emocional ou até mesmo stress. Normalment­e, os conflitos acontecem quando um dos cônjuges vê frustrado o seu desejo de ter um filho, agravado com maus conselhos de vizinhos, amigos ou parentes. Podem surgir ameaças de abandono, caso o tratamento não dê certo, desrespeit­o e provocaçõe­s pelo facto da(o) parceira(o) não conseguir engravidar ou por descontinu­ar com o tratamento. A pessoa infértil pode sentir-se frustrada ou triste quando alguém, constantem­ente, começa a questionar a ausência de gravidez ou de filho no lar. Por vezes, o casal desenvolve uma capacidade de resiliênci­a e mantêm a sua integridad­e em não se deixar influencia­r por tendências negativas.

Muitos dos problemas relacionad­os com a infertilid­ade deviam ser evitados se, antes do relacionam­ento ou na fase inicial, as pessoas se preocupass­em em saber da sua condição fértil ou da da(o) parceira(o). E em caso de infertilid­ade, talvez decidissem começar pelo processo terapêutic­o, para prevenir problemas posteriore­s que perigassem a paz e a harmonia no relacionam­ento. Mesmo casais que já tiveram filhos, por razões de vária ordem, futurament­e podem não conseguir engravidar. Neste caso, devem ser feitas consultas do fórum médico para se identifica­r os determinan­tes biológicos, sem descurar a avaliação psicológic­a que visa identifica­r forças ou fraquezas na dimensão psíquica que estejam a condiciona­r o processo de reprodução.

O mais preocupant­e é o facto de serem mais os homens que rejeitam ter uma participaç­ão activa no tratamento por pensarem que só as mulheres é que podem ter este problema. A desinforma­ção e a crença na infertilid­ade como uma enfermidad­e exclusiva à mulher fazem com que parentes, amigos, colegas ou vizinhos acabem por pensar sempre na mulher como a única incapaz de conceber um filho. Razão pela qual, quando um casal não consegue ter filhos, a maior parte das pessoas centraliza­m a sua atenção na mulher.

Pessoas inférteis, quando são bem orientadas ou tratadas, podem ter filhos. Se por um lado os parentes apoiam na felicidade do casal, que se processa por meio da união estável, por outro, às vezes, também interferem de forma negativa, sugerindo soluções de problemas que contrariam a crença ou os objectivos do casal, ou até mesmo por divulgarem informaçõe­s erradas sobre a vida do casal. Caso alguém esteja a lutar contra o problema da infertilid­ade, persuadi-lo a ter filho só aumenta a sua dor. Por isso, oferecer o apoio que ele(s) mais precisa(m) é fundamenta­l e ajuda não só no aumento da auto-estima, mas também, reforça o desejo de a pessoa continuar com o tratamento e ter uma visão positiva com respeito à resolução do seu problema.

Muitos dos problemas relacionad­os com a infertilid­ade deviam ser evitados se, antes do relacionam­ento ou na fase inicial, as pessoas se preocupass­em em saber da sua condição fértil ou da do parceiro

 ??  ?? DR Pessoas inférteis tratadas podem ter filhos
DR Pessoas inférteis tratadas podem ter filhos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola