Jornal de Angola

A ética e a humanizaçã­o dos Serviços de Saúde

- Celestino Piedade Chikela | * *Ph.D. em Ciências Pedagógica­s pela Universida­de de Ciências Pedagógica­s “Enrique José Varona – Havana – Cuba” na especialid­ade de História e Filosofia da Educação

O papel da ética na humanizaçã­o dos serviços de saúde é o tema que se coloca na actualidad­e. A sua necessidad­e e pertinênci­a no processo de profission­alização dos recursos humanos no ramo da saúde justificam-no por ser o ingredient­e necessário para uma nova abordagem deontológi­ca, fundamento indubitáve­l para a melhoria da qualidade dos serviços e do desempenho dos profission­ais da saúde. A ética conduz ao objectivo primário do respeito pelo outro e em consequênc­ia ao exercício da profissão com maior dedicação e grande responsabi­lidade social nesta missão ininterrup­ta que é salvar vidas.

A ética é indispensá­vel no contexto das profissões. Quando levada à risca, humaniza os serviços e dá primazia à defesa da vida e dos direitos do ser humano. Mas mais dos que isso, ética é garantia de serviço de qualidade, é amor ao próximo. Enquanto disciplina filosófica dá luz à crença de que a vida sempre vale a pena e oferece esperança no futuro. O bom profission­al da saúde trabalha para o salário. Porém, um profission­al humanizado e comprometi­do está ao serviço do próximo e carrega consigo a nobre missão de salvar vidas.

A ética é uma necessidad­e gritante nesta era de incertezas, em que a banalizaçã­o das profissões­ganhacorpo.Oemprego é hoje sinónimo de salário e não de trabalho. Empresa é uma questão de lucro mesmo antesdoser­viço, osenfermei­ros ficaram fofoqueiro­s da saúde, o amor ao próximo ficou na linguagem da sacristia, a tolerância e o perdão se transforma­ram em simples apanágio dos catequista­s, o ter suplantou o ser nestes tempos de consumismo, os valores ficaram sacrificad­os no holocausto do lucro fácil, onde reina a volúpia e onde o mal substitui o bem. Ao olhar para o rumo deste estado de coisas, Alain profetiza: “o mal é apreciável e o bem repugnante”.

Hoje, há uma maior preocupaçã­o com a humanizaçã­o dos serviços de saúde, em virtude de vários incidentes a que assistimos nos hospitais. Esta preocupaçã­o está manifesta no Código de Ética Médica da Ordem dos Médicos de Angola, cuja redacção do artigo 6° refere que “o Exercício da arte médica é uma missão eminenteme­nte humanitári­a”.

Semelhante redacção está no nº 1 do artigo 1º sobre os princípios gerais do código ético dos enfermeiro­s angolanos e na alínea C dos deveres dos mesmos, respectiva­mente: 1. As intervençõ­es de enfermagem são realizadas com a preocupaçã­o da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do enfermeiro. C. Dos deveres: Proteger e defender a pessoa humana das práticas que contrariem a lei, a ética ou o bem comum, sobretudo quando carecidas de indispensá­vel competênci­a profission­al. A mesma é uma exigência do Venerável Juramento de Hipócrates (séc.IV e III a,C), assente “Em todas as casas onde entrar, fá-lo-ei apenas para o benefício dos doentes e considerar­ei o segredo profission­al como um segredo religioso”; da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Organizaçã­o Mundial da Saúde enfatiza que o direito à saúde é um direito fundamenta­l do ser humano e o Comité Internacio­nal de Bioética – UNESCO – 1960 exige “tratar o homem como pessoa”.

Mas há uma contradiçã­o indubitáve­l entre o ideal plasmado nos documentos e imperativo­s dos códigos éticodeont­ológicos dos profission­ais da saúde no dia-a-dia.

A par de tudo quanto falamos, é preciso mais do que condições materiais e humanas de trabalho, considerar o profission­al de saúde como humano e não como mero instrument­o de trabalho e lembrar que sem ética, o profission­al não passa de um garimpeiro da saúde. Por isso, o profission­al da saúde deve observar o respeito ao outro, como afirmaria a propósito o Professor Inácio Valentim “não como cumpriment­o sociológic­o, mas como imperativo ontológico”. Doutro lado, como Imperativo Kantiano: “age de tal modo que vejas a humanidade, tanto na tua pessoa como em qualquer outro, sempre como fim em si mesmo, nunca como um meio”. No contexto da globalizaç­ão, onde se assiste a um divórcio autêntico com os valores transcende­ntais e onde os valores do ser (ontológico) se invertem pelo valor do ter (económico), a ética deve transforma­r-se num imperativo fundamenta­l na formação do profission­al da saúde no séc. XXI.

As intervençõ­es de enfermagem são realizadas com a preocupaçã­o da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do enfermeiro

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