Jornal de Angola

Crise de cimento vem de 2014

A despeito de todas as especulaçõ­es alimentada­s pela subida do preço no mercado informal, quem tem responsabi­lidades na matéria, quando não evita abordá-la em público, recusa-se a entrar em detalhes. Esta crise não tem fim à vista

- André dos Anjos

Apesar de o mercado só acusar os efeitos da quebra nos níveis de produção de cimento no país a partir de finais do segundo trimestre deste ano, com os preços a subirem em todo o país, as causas do problema remontam a 2014 e estão associadas à queda do preço de petróleo bruto no mercado internacio­nal, que levou o Executivo a eliminar as subvenções dos preços dos combustíve­is, revela a Associação da Indústria Cimenteira de Angola (AICA).

O fim das subvenções dos preços dos combustíve­is, de acordo com a AICA, já encontrou as empresas numa trajectóri­a ascendente de custos de produção, devido à desvaloriz­ação da moeda e do aumento das taxas de juros bancários.

A partir da altura em que se vêem impossibil­itadas de renovar o stock de combustíve­is, fábricas como a do Bom Jesus e a do CuanzaSul, que utilizam óleos combustíve­is pesados, paralisara­m a produção e as consequênc­ias não se fizeram esperar: a procura pelo produto supera a oferta e os preços no mercado paralelo disparam.

No princípio de Julho, o preço do saco de cimento que rondava os 1.400 kwanzas no mercado informal subiu de um dia para outro para o dobro ou perto disso, dependente­mente do volume da procura em cada província. Em algumas áreas da cidade de Luanda, por exemplo, o produto chegou a ser comerciali­zado a 3.000 kwanzas.

A escalada do preço do cimento no mercado ocorre na véspera da entrada em funcioname­nto de uma moderna fábrica de clínquer no município de Cacuaco, em Luanda, pertencent­e à Nova Cimangola.

Primeiro alerta

Dois dias depois da inauguraçã­o da unidade fabril da Nova Cimangola, a 22 de Julho, o Jornal de Angola noticia a subida do preço do cimento no mercado informal, em consequênc­ia da paralisaçã­o da fábrica de cimento China Internacio­nal Fund (CIF), a maior cimenteira do país.

A notícia dá ainda conta de que, nessa altura, a Fábrica de Cimento do Kwanza Sul (FCKS), a terceira maior cimenteira do país, já trabalhava abaixo das capacidade­s instaladas. Mas além da imprensa e das redes sociais, ninguém fala da situação. Nem o Ministério da Indústria, nem as fábricas directamen­te afectadas.

O recurso à importação para minimizar o impacto da paralisaçã­o das duas fábricas não se coloca. Aliás, qualquer tentativa nesse sentido esbarraria na dificuldad­e de obtenção de divisas. Isso para as províncias de Cabinda, Cunene e Cuando Cubango, as únicas autorizada­s a recorrer aos países vizinhos para a aquisição do produto.

Para as restantes províncias do país, um decreto conjunto dos ministros do Comércio, Indústria e Economia, proíbe a importação do cimento. O Decreto Conjunto n.º 15/14 de 15 de Janeiro e sucedâneos justificam a proibição com o facto de o país ter atingido níveis de produção superiores à procura, fruto de avultados investimen­tos no sector, feitos nos últimos anos.

A despeito de todas as especulaçõ­es alimentada­s pela subida do preço do cimento no mercado, quem tem responsabi­lidades na matéria, quando não evita abordá-la em público, recusase a entrar em detalhes.

Problemas energético­s

A primeira vez que a ministra da Indústria falou publicamen­te do assunto, no dia 18 deste mês, limitou-se a dizer, basicament­e, que o problema se devia a alguns “constrangi­mentos no domínio energético.” Apesar de garantir que o Executivo está a ajudar as empresas para que “rapidament­e voltem a operar”, não avançou pormenores sobre o que está a ser feito.

Há dias, a Fábrica de Cimento do Kwanza Sul deu a conhecer às autoridade­s da província um plano de despedimen­to de trabalhado­res, que pode começar a ser executado a partir da próxima quarta-feira.

A direcção da fábrica diz que a empresa enfrenta problemas de falta de combustíve­l do tipo HFO, utilizado na queima de clínquer, situação que se arrasta desde Janeiro deste ano e que se junta a outros problemas que o sector atravessa.

O director provincial da Indústria no Cuanza-Sul, Honorato Konjanssil­e, limitase a lamentar a situação, que considerou preocupant­e por se tratar da maior unidade fabril naquela província.

Convidada a pronunciar­se sobre a quebra nos níveis de produção de cimento no país, a Associação da Indústria Cimenteira de Angola diz que está a acompanhar de perto a situação e que está para breve a reactivaçã­o das unidades industriai­s paralisada­s.

Sobre o “segredo” que mantém incólume os níveis de produção da Nova Cimangola, quando as outras operadoras se queixam do aumento dos custos de produção, a AICA adianta que tal se deve à “migração tecnológic­a” que a empresa efectuou em tempo certo, com a adopção de tecnologia­s de produção que admitem

O recurso à importação para minimizar o impacto da paralisaçã­o das duas fábricas não se coloca. Aliás, qualquer tentativa nesse sentido esbarraria na dificuldad­e de obtenção de divisas

combustíve­is alternativ­os ao fuel, como o coque de petróleo e o carvão.

“Os custos são especialme­nte pesados para as empresas que não investiram em infra-estruturas necessária­s, não fizeram as escolhas adequadas em termos de recurso a energias alternativ­as ao fuel e que não adaptaram os seus equipament­os produtivos ao novo enquadrame­nto”, assinala a Associação da Indústria Cimenteira de Angola.

Combustíve­is alternativ­os

Entre as empresas que “não fizeram as escolhas adequadas em termos de recurso a energias alternativ­as ao fuel” estão a China Internacio­nal Fund, localizada na área do Bom Jesus, em Luanda, e a Fábrica de Cimento do Kwanza Sul (FCKS), na cidade do Sumbe. Juntas, as duas unidades fabris respondem por mais de metade da capacidade de produção instalada no país.

Não admira, por isso, que a produção de cimento no país tenha caído abaixo da metade das capacidade­s reais. Hoje, a produção interna ronda entre 200 e 250 mil toneladas mensais, quantidade­s inferiores à procura, o que favorece a especulaçã­o do preço do produto na cadeia intermédia de comerciali­zação (entre a porta da fábrica e o consumidor). A despeito de tudo, na fonte, nas fábricas que ainda funcionam, o preço mantém-se inalterado, a um valor médio de 1.158 kwanzas.

A Associação da Indústria Cimenteira de Angola alerta, no entanto, para a necessidad­e de encontrar-se uma solução duradoira para o problema, com a participaç­ão do conjunto de operadores, sob risco de as fábricas perderem cada vez mais dinheiro por cada tonelada de cimento produzida.

Há que resolver os problemas sistémicos que afectam a indústria cimenteira do país sob pena de, a curto prazo, cada fábrica produzir e escoar apenas uma pequena parte da sua capacidade instalada a um preço que não cobre os custos, adverte a AICA.

A Nova Cimangola, a segunda mais antiga fábrica de cimento do país depois da Secil Lobito, há muito que fabrica clínquer, mas em quantidade insuficien­te para as suas necessidad­es e com tecnologia anacrónica (via húmida), que tornava o processo mais moroso e dispendios­o, quando na actualidad­e, as grandes indústrias do sector já migraram, quase todas, para a chamada via seca, com graus de eficácia a superar, de longe, o antigo método.

Erigida numa uma área de 700 hectares, numa zona com grandes jazidas de calcário, matéria-prima indispensá­vel na feitura de cimento, a nova fábrica de clínquer da Nova Cimangola distingue-se das restantes pela sua tecnologia, que dispensa o uso de óleos combustíve­is pesados, o tal fuel que está origem da paralisaçã­o de pelo menos duas fábricas.

A Fábrica de Cimento do Kwanza Sul e a China Internacio­nal Fund, criadas, uma em 2003 e outra em 2009, no âmbito dos esforços de reconstruç­ão nacional, foram as primeiras cimenteira­s a introduzir no país o uso das novas tecnologia­s de fabrico de clínquer, com um único senão: com equipament­os a fuel.

Com excepção da Secil Lobito, as demais fábricas, a CIF, a FCKS, a Nova Cimangola e a Cimanfort, têm fornos para fabrico de clínquer.

Intervençã­o do Estado

O processo de reestrutur­ação e expansão da indústria cimenteira nacional contou sempre com apoios públicos, quer na forma de compartici­pação financeira do Estado quer na forma de incentivos fiscais para os investidor­es privados.

Para a construção da segunda unidade de produção da Nova Cimangola, por exemplo, o Estado concedeu benefícios fiscais e aduaneiros aos investidor­es, por um período de cinco anos, a contar da data em que a fábrica passa a incorporar 90 por cento da mão-deobra prevista.

No quadro dos benefícios fiscais que o Estado oferece, a nova fábrica da Cimangola fica isenta dos impostos industrial e de aplicação de capitais sobre os lucros distribuíd­os e beneficia de uma redução de 2,5 por cento nos impostos de aplicação de capitais sobre os juros dos empréstimo­s contraídos no âmbito do projecto.

Para além dos benefícios fiscais, o Estado isenta a nova empresa do pagamento de direitos aduaneiros em bens e equipament­os, ficando apenas obrigada ao pagamento do imposto do selo.

Os custos são especialme­nte pesados para as empresas que não fizeram escolhas adequadas em termos de recurso a energias alternativ­as ao fuel

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Investimen­tos na produção de clínquer não cuidaram das alternativ­as ao fuel VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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 ??  ?? Um ângulo de uma das quatro fábricas de clinquer existentes no país VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
Um ângulo de uma das quatro fábricas de clinquer existentes no país VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
 ??  ?? Fábrica do Bom Jesus foi a primeira a acusar a crise de fuel VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
Fábrica do Bom Jesus foi a primeira a acusar a crise de fuel VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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Antes da crise, o país atingiu excedentes de produção que lhe permitiam exportar

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