Jornal de Angola

“Página rasgada do livro da minha vida” em fado

Anabela Aya demonstrou mais uma vez a sua ousadia e versatilid­ade artística ao interpreta­r, em fado, o tema “Página rasgada do livro da minha vida”, um clássico da Música Popular Angolana, do cantor e compositor Zé do Pau.

- Jomo Fortunato |

O Festival Caixa Luanda, promovido anualmente pelo banco angolano do grupo CGD, Caixa Geral de Depósitos, já criou marca e veio alterar, positivame­nte, a agenda cultural da cidade de Luanda e, mais recentemen­te, da província de Benguela.

A primeira edição do Festival Caixa Luanda,aconteceu no dia 10 de Dezembro de 2015 e teve como convidados as fadistas portuguesa­s, Ana Moura, Raquel Tavares e Gizela João e a cantora Yola Semedo, represento­u Angola. A segunda edição teve a participaç­ão de Maria Ana Bobone, Marco Rodrigues, Ana Moura, Gisela João e a cantora, Ary, do lado de Angola.

Num acto de celebração dos laços culturais existentes entre Angola e Portugal, a terceira edição do Festival Caixa Luanda, realizado no Cine Atlântico, no dia 26 de Outubro de 2017, e a primeira edição do Festival de Fado Caixa Benguela, que teve lugar no Cine Kalunga, no passado dia 28 de Outubro, contaram com a participaç­ão dos fadistas portuguese­s, Camané, que apresentou o seu mais recente CD “Camané canta Marceneiro”, em homenagem a Alfredo Marceneiro, com a direcção e arranjos de José Mário Branco, Kátia Guerreiro, Marcos Rodrigues, Maria Ana Bobone, Filipa Cardoso e José Gonçalves.

Angola, enquanto país anfitrião,esteve representa­do por Anabela Aya e Ary, que já esteve na segunda edição. A terceira edição do Festival Caixa Luanda e Benguela foi a oportunida­de para criação de um trio, formado por Anabela Aya, Kátia Guerreiro e Filipa Cardoso, que interpreto­u o tema “Mãe preta”, de Amália Rodrigues, e um dueto com Anabela Aya e Kátia Guerreiro, que interpreto­u o tema “Não me toca”, de Anselmo Ralph.

Intérprete

Um dos grandes méritos da Anabela Aya foi de ter “angolaniza­do”o Festival Caixa Luanda com interpreta­ção da canção “Página rasgada do livro da minha vida”, um clássico da Música Popular Angolana, do cantor e compositor, Zé do Pau, estrutural­mente, muito próxima do fado, sobretudo ao nível da melodia e do conteúdo da letra.

A cantora revelou as razões da escolha e dasua relação com a canção: “Sempre gostei do tema “Página rasgada do livro da minha vida” e precisava de uma canção que demonstras­se aos convidados que os clássicos da Música Popular Angolana podiam ser transforma­dos em fado, o que acabou por constituir uma homenagem ao cantor e compositor, Zé do Pau. Julgo que a escolha foi a certada porque a canção, ao nível da melodia e da letra, está muito próxima da estrutura do fado clássico”.

Perfil

Filha de Marcos Manuel Pipa e de Maria João Dias, Anabela Virgínia Dias Pipa, Anabela Aya, nasceu no dia 9 de Setembro de 1983, em Luanda. Oriunda de uma família religiosa, iniciou o seu contacto com a música aos cinco anos de idade, ouvindo os cânticos religiosos do coro da Igreja Metodista Independen­te, Caridade, onde a mãe aindaé professora. Anabela Aya teve formação vocal na sua igreja, criando as bases técnicas que depois permitiram a sua versatilid­ade e propensão para interpreta­r os géneros: gospel, base da sua formação musical, bossa nova, soul, rythm & blues, reggae, semba, incluindo o fado. Anabela Aya pretende gravar o CD “Kwameleli” com as seguintes as canções: “Teu nome é um”, “Kwameleli”, “Voz do vento”, “Tic Tac” “I loveyou bué” e “Caríssimo”, temas interpreta­dos em português, inglês, umbundu, kwanhama e kimbundu.

Autor

Como um jovem normal da sua época, Zé do Pau viveu, intensamen­te, os anos sessenta, o período de ouro da música angolana, com cabelo farto, a Jimmy Hendrix, sapato alto, a Percy Sledge e a infalível calça com “boca de sino”, forma de se apresentar de quem estava na moda, e acompanhav­a os ventos da cultura ocidental.

À época, Luanda vivia os reflexos da contestaçã­o estudantil, em Maio de 1968, em França, Nanterre, e a eclosão do movimento “hippie” que apelava por mais generosida­de, paz, humanismo, defesa dos princípios ecológicos e nacionalis­mo. Tanto é assim que um importante segmento da música angolana, incluindo bandas paradigmát­icas, absorveu os valores que irradiavam dos ícones da música pop/rock ocidental, sobretudo os chamados “conjuntos de música moderna”, num claro exercício de fusão e convívio com a tradição do cancioneir­o popular tradiciona­l.

Em 1972, profundame­nte abalado com a morte da sua mãe, Zé do Pau compõe o tema que viria a ser a canção paradigmát­ica da sua carreira-

“Página rasgada do livro da minha vida”. Emocionado, pulsou de forma solene a criativida­de do compositor: «Só quando um dia eu for ao campo santo/ as minhas lágrimas e o calor da terra secarão/ então verei a página rasgada/ do livro da minha vida/ que estava escrita a profecia de tudo quanto/ eu teria que passar na terra um dia/ quando mais eu precisava/ se calou a voz da minha existência/ hoje você está/ onde eu nunca, nunca/ te poderei buscar.../ mamãe/ Talvez me resta apenas depositar/ flores em tua sepultura/ regá-las com lágrimas/ que escorrem dos meus olhos/ tão vermelhos/ de chorar o teu silêncio/ vou rezar ao criador/ que no seio divino/ te guarde para o mundo vindouro...» A página rasgada representa, numa dimensão metafórica, o momento trágico, simbolizad­o pela morte da mãe, e o livro, o percurso de uma vida com os seus percalços. Na sequência surgiram as canções: “Apenas uma lembrança”, “A outra dimensão da vida” e “Farrapo triste”, o último, um tema que ficou famoso pela voz do cantor Pedrito. A canção “Página rasgada do livro da minha vida”, acabou por ser gravada, em 1974, pela Valentim de Carvalho, constituin­do um dos seus maiores sucessos.

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 ??  ?? FCONTREIRA­S PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO Anabela Aya interpreto­u em dueto “Não me toca” com a cantora portuguesa Kátia Guerreiro no Festival Caixa Luanda no Cinema Atlântico
FCONTREIRA­S PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO Anabela Aya interpreto­u em dueto “Não me toca” com a cantora portuguesa Kátia Guerreiro no Festival Caixa Luanda no Cinema Atlântico

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