JOSÉ LUÍS MENDONÇA
Viver sem sofrimento
Um dos maiores sofrimentos do Homem aqui na Terra é a escravatura. O grande filosofo grego Aristóteles defendeu, no seu tempo, a necessidade da escravatura
Nós estamos aqui na Terra, muitos ou poucos anos, para cumprir um único objectivo, do qual dependem todos os outros: viver a Vida sem sofrimento. Ora, para eu viver sem sofrer, para o leitor viver a sua Vida sem sofrimento, imbuído ou não de crenças religiosas ou de qualquer outra índole, tenho (ou temos todos) de permitir que o outro (ou os outros), próximos de nós, ou distantes, tenham a oportunidade de cumprir esse mesmo objectivo de viver sem sofrimento. Este é o princípio fundamental, natural, da vida em sociedade. É dele que parte o chamado Direito Natural que inspirou os Direitos do Homem, aspiração milenar que os dramaturgos gregos bem ilustraram na peça Antígona, de Sófocles (496-406 a. C.) e que conserva até hoje uma suprema actualidade. Vejamos a seguinte passagem ilustrativa: “CREONTE – (…) Mas tu diz-me, sem rodeios: sabias que te era vedado, por um édito, fazer o que fizeste? ANTÍGONA – Sim, sabia-o bem. Como poderia ignorá-lo, se toda a gente o sabe? CREONTE – E, apesar disso, atreveste-te a passar por cima da lei? ANTÍGONA – Não foi Zeus que ditou esse decreto; nem Dice, companheira
dos deuses subterrâneos, estabeleceu tais leis para os homens. E não creio que os teus decretos tenham tanto poder que permitam a alguém saltar por cima das leis, não escritas, mas imutáveis, dos deuses; a sua vigência não é, nem de hoje, nem de ontem, mas de sempre, e ninguém sabe como e quando apareceram…
” Aqui está plasmada a maior problemática do Direito, que entranha na questão da Justiça. Porque é uma lei injusta decretada? Até onde vai o discernimento do legislador quanto ao reconhecimento de que essa lei vai prejudicar, coarctar, directa ou indirectamente o objectivo primordial de alguém viver plenamente a sua Vida? Um dos maiores sofrimentos do Homem aqui na Terra é a escravatura. O grande filosofo grego Aristóteles defendeu, no seu tempo, a necessidade da escravatura. O filósofo alemão Frederico Hegel disse que a escravatura, localizada no tempo era uma necessidade do progresso histórico da humanidade. Até mesmo o homem que moveu a nação americana à liberdade, Thomas Jefferson, manteve os escravos negros e deixou em testamento 260 escravos aos seus descendentes. O filósofo inglês John Locke foi considerado “o último grande filósofo que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua”. Ao mesmo tempo que dizia que todos os homens são iguais, Locke defendia a escravidão negra, pois, aparentemente, ele só considerava como humanos os homens livres. Ele próprio investiu no tráfico de escravos negros. Edgar Morin constata que “embora todos os homens provenham da mesma espécie Homo Sapiens, esse traço comum da natureza continua a ser negado ao homem pelo próprio homem”. Tanto Aristóteles, quanto Hegel, Jefferson e Locke acordavam de manhã e tinham a sua taça ou a sua chávena de leite ou café posta à mesa. Escreviam os seus documentos bem instalados a uma mesa. Nunca tiveram de limpar retretes, nunca plantaram, colheram ou carregaram sacos de algodão às costas, jamais carregaram pedregulhos ou linhas de caminhode-ferro aos ombros, nunca sofreram pancada de castigo, nunca sentiram o horror do medo, da perseguição e da prisão. Um homem que vive nestas circunstâncias, JAMAIS condena a escravatura. Alguma vez ouvistes um escravo ou um servo dizer que a escravatura era uma condição normal do progresso da Humanidade? Aqui está, numa ilustração muito simples, a verdade sobre a perpetuação da exploração do homem sobre o homem e da criação de leis que limitam o direito de viver a Vida aqui na Terra. Fazemse certas leis que saltam por cima das leis, não escritas, mas
imutáveis, que afirmam, inconsciente e naturalmente, o reconhecimento da natureza e da dignidade humana. O não reconhecimento da nossa dignidade como seres humanos iguais em direitos perpetua o sofrimento humano (trabalho forçado, trabalho infantil, comércio de sexo, desemprego, fome, doenças, pobreza e crime organizado) que impede as pessoas de viver com dignidade a Vida na Terra.