Os vendedores de rua
Quantas vezes, de boa-fé, no lugar de resolvermos um problema, intentamos um combate contra o mesmo, aumentamos o problema e outros como o da criminalidade.
O também chamado “comércio informal” inclui toda uma série de práticas mesmo entre nós. Quem vende galinhas, patos, cacussos ou cabritos à beira da estrada é ou não é comércio informal? E as senhoras que à porta de sua casa fazem pinchos, assam batata-doce ou torram jinguba ou as consagradas xandulas de chouriço, entram ou não entram no conceito de comércio informal? E as quitandeiras e peixeiras que calcorreiam quilómetros, tantas vezes com um filho nas costas são também comércio informal?
Primeiro, o conceito. Porque surge o conceito? É um falso conceito para encobrir “comércio proibido” comércio exercido sem observação das regras comerciais estabelecidas.
E aqui em Luanda, se não fosse esse exército de informais como é que o cidadão podia resolver a sua vida, as crianças comprarem água fresca a caminho de casa, os adultos comerem uma refeição rápida. Nos grandes centros comerciais? E para chegar lá? Num caso a mercadoria vem ter comigo, no outro, eu tenho que ir ter com ela. Óbvio que os grandes centros servem bem sociedades organizadas e não sociedades como a nossa com todas as peripécias para chegar até aqui. Sociologicamente, os informais, cobrem as lacunas daquilo que a sociedade ainda não organizou, porque ela foi desorganizada, com o colonialismo e com as guerras, pelo menos. Os vendedores ambulantes não são os culpados de serem vendedores de rua. Para muitos, o “sonho” de se tornar trabalhador por “conta própria” ou “pequeno empresário” não exprime um desejo real mas, sim, a possibilidade de escapar do desemprego ou dos salários degradados. Uma mãe de família pode preferir deixar de ser empregada numa casa particular onde lhe pagam pouco para ficar a fazer petiscos à porta de casa, sem ralhetes e ganhando mais.
Há um pressuposto dogmático: historiadores e pesquisadores do trabalho apontam para o desemprego como causa principal do “comércio ambulante”.
Focalizando-nos nos vendedores ambulantes de Luanda, seria bom que especialistas na matéria fizessem um censo para sabermos quantos são, faixa etária, estado civil, sexo, escolaridade e outras habilitações, residência, média de ganho mensal, onde obtém os produtos para venda, tipo de mercadorias.
Nos transtornos sociais que trouxe a guerra, houve a invasão de estrangeiros, desde libaneses a senegaleses que instalaram armazéns, sempre com a “ajuda” de angolanos para a “papelada” e tornaram a nossa cidade refém dos produtos que eles mandam os miúdos vender, ou fiam ou
vendem com uma ligeira diferença para o parco lucro do miúdo. Quanto ganhará um miúdo quando vende um rebuçado? E quanto ganha o armazenista quando vende uma tonelada de rebuçados? Também quem é que passa aos miúdos os medicamentos que faltam na farmácia.
Maria Gomes, cientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro num colóquio internacional
sobre comércio e cidade, pondera, cito, “Entendemos ainda que o crescimento da actividade ambulante relaciona-se com a ausência de emprego dado o aprofundamento do desemprego estrutural no mercado formal, da perda salarial, do retrocesso das lutas sindicais, podendo ainda ser entendido como estratégia de resistência às formas mais subordinadas e mal remuneradas de trabalho. Assim, temos para além da exclusão, a criação de novas formas de ação laboral, a busca de alternativas, apesar das condições de precarização em que os trabalhadores ambulantes estão inseridos”.
A referida cientista acrescenta: “Tornar-se ambulante é o resultado de uma exclusão do mercado formal de trabalho, assim, essa actividade não pode ser considerada como um complemento de renda, mas como a principal fonte de recursos para numerosas famílias”.
As cidades são bonitas com árvores, ninhos de pássaros e pessoas bonitas como as quitandeiras que os poetas celebram pelo colorido dos panos e das frutas que dão à urbe. “O
pregão da avó Ximinha”, (etc.) Por esse mundo fora há cidades turísticas pintadas pela alegria de seus vendedores ambulantes e sem os quais seriam um cemitério de tédio.
Na cidade da Bahia, Brasil, em vez de nossas tabuletas de papelão podre nas portas, “Temos sopa”, as vendedoras, com os saiotes baianos, têm os seus carros de mão, por dentro uma pequena botija. Fazem comida. O cidadão chega, ela serve o prato e talher de plástico, o cliente paga come e bebe uma aguinha de coco. Que bonito. Sugeri isso ao meu saudoso amigo Mendes de Carvalho quando ele foi governador de Luanda...
Eu só quero aqui dizer que estou do lado da solução. Portanto estou do mesmo lado de quem possa pensar diferente a solução. É preciso inventariar todos os vendedores ambulantes e estudar formas de inclusão no trabalho porque eles andam a percorrer quilómetros porque querem trabalhar. Como os que escamam peixe na Mabunda ou os que lavam ou guardam carros.
Aceitando os transtornos(?) que possam causar ao visual da cidade eles não são o problema eles são o resultado dos problemas sociais decorrentes do nosso processo de consolidação da paz para agora desfiarmos as linhas que ficaram emaranhadas pelos tempos em que as quitandeiras e peixeiras haviam calado seu pregão.
É preciso inventariar todos os vendedores ambulantes e estudar formas de inclusão no trabalho porque eles andam a percorrer quilómetros porque querem trabalhar