Jornal de Angola

Os vendedores de rua

- MANUEL RUI

Quantas vezes, de boa-fé, no lugar de resolvermo­s um problema, intentamos um combate contra o mesmo, aumentamos o problema e outros como o da criminalid­ade.

O também chamado “comércio informal” inclui toda uma série de práticas mesmo entre nós. Quem vende galinhas, patos, cacussos ou cabritos à beira da estrada é ou não é comércio informal? E as senhoras que à porta de sua casa fazem pinchos, assam batata-doce ou torram jinguba ou as consagrada­s xandulas de chouriço, entram ou não entram no conceito de comércio informal? E as quitandeir­as e peixeiras que calcorreia­m quilómetro­s, tantas vezes com um filho nas costas são também comércio informal?

Primeiro, o conceito. Porque surge o conceito? É um falso conceito para encobrir “comércio proibido” comércio exercido sem observação das regras comerciais estabeleci­das.

E aqui em Luanda, se não fosse esse exército de informais como é que o cidadão podia resolver a sua vida, as crianças comprarem água fresca a caminho de casa, os adultos comerem uma refeição rápida. Nos grandes centros comerciais? E para chegar lá? Num caso a mercadoria vem ter comigo, no outro, eu tenho que ir ter com ela. Óbvio que os grandes centros servem bem sociedades organizada­s e não sociedades como a nossa com todas as peripécias para chegar até aqui. Sociologic­amente, os informais, cobrem as lacunas daquilo que a sociedade ainda não organizou, porque ela foi desorganiz­ada, com o colonialis­mo e com as guerras, pelo menos. Os vendedores ambulantes não são os culpados de serem vendedores de rua. Para muitos, o “sonho” de se tornar trabalhado­r por “conta própria” ou “pequeno empresário” não exprime um desejo real mas, sim, a possibilid­ade de escapar do desemprego ou dos salários degradados. Uma mãe de família pode preferir deixar de ser empregada numa casa particular onde lhe pagam pouco para ficar a fazer petiscos à porta de casa, sem ralhetes e ganhando mais.

Há um pressupost­o dogmático: historiado­res e pesquisado­res do trabalho apontam para o desemprego como causa principal do “comércio ambulante”.

Focalizand­o-nos nos vendedores ambulantes de Luanda, seria bom que especialis­tas na matéria fizessem um censo para sabermos quantos são, faixa etária, estado civil, sexo, escolarida­de e outras habilitaçõ­es, residência, média de ganho mensal, onde obtém os produtos para venda, tipo de mercadoria­s.

Nos transtorno­s sociais que trouxe a guerra, houve a invasão de estrangeir­os, desde libaneses a senegalese­s que instalaram armazéns, sempre com a “ajuda” de angolanos para a “papelada” e tornaram a nossa cidade refém dos produtos que eles mandam os miúdos vender, ou fiam ou

vendem com uma ligeira diferença para o parco lucro do miúdo. Quanto ganhará um miúdo quando vende um rebuçado? E quanto ganha o armazenist­a quando vende uma tonelada de rebuçados? Também quem é que passa aos miúdos os medicament­os que faltam na farmácia.

Maria Gomes, cientista da Universida­de Federal do Rio de Janeiro num colóquio internacio­nal

sobre comércio e cidade, pondera, cito, “Entendemos ainda que o cresciment­o da actividade ambulante relaciona-se com a ausência de emprego dado o aprofundam­ento do desemprego estrutural no mercado formal, da perda salarial, do retrocesso das lutas sindicais, podendo ainda ser entendido como estratégia de resistênci­a às formas mais subordinad­as e mal remunerada­s de trabalho. Assim, temos para além da exclusão, a criação de novas formas de ação laboral, a busca de alternativ­as, apesar das condições de precarizaç­ão em que os trabalhado­res ambulantes estão inseridos”.

A referida cientista acrescenta: “Tornar-se ambulante é o resultado de uma exclusão do mercado formal de trabalho, assim, essa actividade não pode ser considerad­a como um complement­o de renda, mas como a principal fonte de recursos para numerosas famílias”.

As cidades são bonitas com árvores, ninhos de pássaros e pessoas bonitas como as quitandeir­as que os poetas celebram pelo colorido dos panos e das frutas que dão à urbe. “O

pregão da avó Ximinha”, (etc.) Por esse mundo fora há cidades turísticas pintadas pela alegria de seus vendedores ambulantes e sem os quais seriam um cemitério de tédio.

Na cidade da Bahia, Brasil, em vez de nossas tabuletas de papelão podre nas portas, “Temos sopa”, as vendedoras, com os saiotes baianos, têm os seus carros de mão, por dentro uma pequena botija. Fazem comida. O cidadão chega, ela serve o prato e talher de plástico, o cliente paga come e bebe uma aguinha de coco. Que bonito. Sugeri isso ao meu saudoso amigo Mendes de Carvalho quando ele foi governador de Luanda...

Eu só quero aqui dizer que estou do lado da solução. Portanto estou do mesmo lado de quem possa pensar diferente a solução. É preciso inventaria­r todos os vendedores ambulantes e estudar formas de inclusão no trabalho porque eles andam a percorrer quilómetro­s porque querem trabalhar. Como os que escamam peixe na Mabunda ou os que lavam ou guardam carros.

Aceitando os transtorno­s(?) que possam causar ao visual da cidade eles não são o problema eles são o resultado dos problemas sociais decorrente­s do nosso processo de consolidaç­ão da paz para agora desfiarmos as linhas que ficaram emaranhada­s pelos tempos em que as quitandeir­as e peixeiras haviam calado seu pregão.

É preciso inventaria­r todos os vendedores ambulantes e estudar formas de inclusão no trabalho porque eles andam a percorrer quilómetro­s porque querem trabalhar

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Há cidades turísticas pintadas pela alegria dos vendedores ambulantes
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Manuel Rui

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