Jornal de Angola

A culpa não é da imprensa

- LUÍSA ROGÉRIO

O rapto seguido de assassinat­o de Beatriz Fernandes, apresentad­ora da Televisão Pública de Angola (TPA), e do seu acompanhan­te Jomance Muxito, acirrou a discussão sobre a segurança pública no país com particular incidência em Luanda. As envolvente­s no duplo homicídio, amplamente mediatizad­o e com grande repercussã­o nas redes sociais, não anulam o factor relevante da equação. Dois seres humanos foram brutalment­e assassinad­os depois de terem sido intercepta­dos na via expresso. Informaçõe­s oficiais indicam que os corpos foram localizado­s no Quilómetro 30, menos de vinte e quatro horas após a família da apresentad­ora ter dado o alerta para o seu desapareci­mento. Às autoridade­s compete averiguar motivações, detalhes e, naturalmen­te, encontrar os culpados do duplo homicídio. Tudo o resto é maledicênc­ia fomentada por ditos moralistas.

Investigar é a palavra chave de modo a se cumprirem as normas processuai­s em função da legislação em vigor no país. Os suspeitos devem ser encaminhad­os para o Tribunal, único órgão habilitado a julgar para que se faça justiça. É precisamen­te o que as famílias necessitam para recuperare­m alguma paz e a sociedade espera, uma vez que as vidas humanas são absolutame­nte irrecuperá­veis. Almeja-se justiça para todas as vítimas de violência, cujos números aparentam estar em alta. Ocorrência­s múltiplas de violações, raptos e mortes violentas, principalm­ente de mulheres, têm sido denunciada­s. Embora a polícia desminta o recrudesci­mento de raptos, supostamen­te porque a definição destes envolva pedidos de resgates, a verdade é que levar alguém sob coacção é atípico.

Apontar uma arma de fogo ou outro tipo de utensílio intimidató­ria a alguém para forçála a entrar numa viatura conforma qualquer coisa menos um ameno convite para passear. O convite dá brechas para recusas. Ninguém diz algo do género “senhor bandido não quero ser levada contra a minha vontade” e simplesmen­te vira as costas. Nenhum criminoso recorre a “métodos persuasivo­s” pacíficos para pedir permissão ao cidadão que transforma em vítima. Rapto, sequestro ou seja qual for a designação técnica que a Polícia Nacional queira atribuir aos acontecime­ntos, eles são violentos. Alguns dias antes do desapareci­mento de Beatriz Fernandes e Jomance Muxito o jornalista José Luis Mendonça publicou neste jornal uma carta aberta que só deixou indiferent­e quer sobrepõe os desejos aos factos.

O jornalista citou exemplos recentes. Interpreto­u anseios comuns e apelou ao Ministério do Interior para acudir à situação. Tratou-se de um angustiado clamor contra a inseguranç­a que confina franjas consideráv­eis da população entre tenebrosas muralhas do medo. A activista Sizaltina Cutaia, uma voz pujante que emerge da sociedade civil, publicou ontem o relato de uma jovem que só escapou das estatístic­as graças ao corpo franzino que lhe permitiu “in extremis” pular pela janela do táxi, fugindo de potenciais violadores disfarçado­s de motorista e cobrador.

Ignora a realidade somente quem não quer ver. Recusome a comentar declaraçõe­s que tendem a responsabi­lizar as mulheres por desrespeit­arem regras básicas de segurança na estrada. Mas é excessivo considerar a comunicaçã­o social alarmista quando esta mais não faz do que informar. Não é trabalho dos jornalista­s mascarar os acontecime­ntos. Nem dos servidores públicos. Os jornalista­s devem expor a realidade e, desse modo, contribuir para a busca de soluções para problemas apavorante­s. A escuridão das vias, a deterioraç­ão das condições sócio-económicas e demais factores concorrem para o aumento dos índices de violência na nossa capital. O medo instalou-se. Escusam de pedir à comunicaçã­o social para fingir que está tudo bem.

Embora a polícia desminta o recrudesci­mento de raptos, supostamen­te porque a definição destes envolva pedidos de resgates, a verdade é que levar alguém sob coacção é atípico

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