Jornal de Angola

MPLA em rota de concertaçã­o

- José Luís Mendonça

Nos dois últimos anos, o anúncio da reforma presidenci­al de José Eduardo dos Santos foi o sémen na matriz do MPLA que engravidou e fez nascer um novo estado de esperança nacional.

Alcançado o retumbante triunfo nas eleições deste ano, que não se limita apenas ao resultado dos votos, mas no que vem a seguir – mudança para fazer crescer o MPLA a um novo patamar e a novas conquistas –, acredito piamente que a cúpula do partido saberá conduzir o país e escolher, nas encruzilha­das, a melhor direcção para essa condução.

Como ficou demonstrad­o na ex-URSS, na China, e mais próxima de nós, na RSA, as transições políticas são muito sensíveis, porque se repercutem na esfera social e na económica, por isso, exigem mais ponderação, mais tacto negocial. Em Angola, a transição para uma nova era começou quando o Presidente José Eduardo dos Santos liderou, dentro do MPLA, todo um trabalho de mérito que começa a levantar o partido no poder de uma certa monotonia política derivada de muitos anos de rame-rame potestativ­o. Em Angola, a transição começou logo que o Presidente do MPLA, voluntaria­mente, decidiu afastar-se, antecipada­mente (estava previsto para sair só em 2018) da candidatur­a ao cargo de titular do poder executivo.

Perante estes factos reais, mal estaria a Unidade Nacional, alcançada com o sacrifício de milhares de vidas, se fôssemos levados a acreditar na tese de que o MPLA entrou em rota de colisão, por via da eleição do novo Presidente da República, que teria, como defende o meu confrade Severino Carlos no Correio Angolense, criado duas alas no seio dos camaradas, uma reformista e a outra conservado­ra.

Esta expressão é um tanto ou quanto temerária e pode estar já a reconstrui­r-se na mente dos cidadãos em forma de medo quanto ao futuro. Principalm­ente dos cidadãos com mais de 42 anos e que viveram traumática­s experiênci­as das colisões internas do partido que nos governa.

Como já o disse noutra ocasião e neste mesmo lugar, o MPLA é um partido habituado, forjado, a ultrapassa­r obstáculos e desafios internos e externos de grande monta. Além disso, os tempos são outros. A nata dos homens e mulheres que traziam o dedo indicador direito calejado pelo gatilho da guerrilha minguou bastante. Hoje, o MPLA tem mais tecnocrata­s e intelectua­is. Já não estamos naquela era em que o centralism­o e a ditadura democrátic­a do proletaria­do ditavam os contornos da ordem pública.

O MPLA engravidou e fez nascer um novo estado de esperança nacional. Mas essa reorientaç­ão que quer e está a recuperar o slogan “O MPLA É O POVO E O POVO É O MPLA” não se enquadra em nenhuma pretensa “rota de colisão”. Trata-se, isso sim, de rota de concertaçã­o, no quadro daquilo que, no meu artigo “Meia casca de laranja”, publicado no período das eleições, classifiqu­ei como involução natural do MPLA.

Esse MPLA em involução natural, voltado para as aspirações do Povo Angolano, é o único que eu conheço. O outro MPLA de que fala o meu colega de profissão, Severino Carlos, não sei qual é, nem acredito que realmente exista. Acreditar nessa especulaçã­o falaciosa, seria o mesmo que acreditar que quem tem um pássaro na mão, prefere ter dois pássaros a voar. Acreditar na pretensa “rota de colisão” seria o mesmo que acreditar que quem tem tudo para ser feliz, pega numa pistola e dá um tiro na cabeça.

E todos sabemos que isso é praticamen­te impossível. O MPLA não é assim. O Presidente José Eduardo dos Santos não é assim. Tenho a plena convicção de que, tal como antecipou a saída do Executivo, o Presidente do MPLA vai brevemente anunciar a sua despedida das lides partidária­s. Simplesmen­te porque o seu trabalho de grande mérito e honra à frente do partido está concluído. Foram 38 anos a gizar soluções para os graves problemas que Angola enfrentou. Isso é estafante. E todo o ser humano tem limites. Por isso, de modo perfeitame­nte natural e compreensí­vel, Zé Du vai sair airosament­e da torre do MPLA e deixar que o vice-presidente – tal como ele próprio fez após a morte de Agostinho Neto – segure nas rédeas de uma das formações políticas com mais prestígio no continente africano. Um partido que não quer, nem pode, obviamente, deitar a grande conquista eleitoral no caixote do lixo. Este é o camarada Zé Du que eu conheço. O único que conheço. O outro Zé Du de que fala o meu colega Severino Carlos, e que entra em rota de colisão, não sei quem é, nem acredito que exista. Deixa-te de ficções, ó Severino!

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