Os 500 dias de agitação política na RDC
A situação política e se quisermos eleitoral para viabilizar a tão esperada primeira transição política da história da República Democrática do Congo (RDC), além de desafiadora para os “players” locais, está a ser cada vez mais enigmática. O silêncio tumular em que se remete o Palais de la Nation, palácio presidencial, associado ao incumprimento de uma das metas saídas do acordo que viabilizou a extensão do poder de Kabila além de Dezembro de 2016 para a realização de eleições um ano depois, baralha muito as cartas na RDC.
Outro factor que contribui para a agitação política é a posição avançada pela Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI), no dia 10 de Outubro, segundo a qual precisa de mais de 500 dias, depois do registo eleitoral, para realizar o escrutínio. Tais números apontam para o ano de 2019 como a fase em que as condições estariam criadas para a realização das eleições, um cenário que ninguém, excepto a chamada maioria presidencial (grupo de partidos que apoiam o Presidente Joseph), quer ouvir falar.
As reacções ao pronunciamento não podiam ser diferentes na medida em que, contra todas as expectativas, a declaração do presidente da CENI, Corneille Nangaa, violam gravemente o acordo chegado a 31 de Dezembro de 2016.
Naquela altura, por força do fim dos dois mandatos constitucionalmente previstos do Presidente Joseph Kabila, os actores políticos acordaram a sua extensão para a realização das eleições até finais do ano que agora termina.
Ninguém esperava que o segundo adiamento se estendesse até 2019, facto que devia levar a advertências da União Africana e exigências das organizações sub-regionais no sentido das autoridades congolesas assumirem as suas responsabilidades. Afinal, apesar de interno, os problemas de instabilidade política e militar na RDC rapidamente deixam de o ser e basta que para o efeito olhemos para as consequências humanitárias que países como Angola e sofrem com a vaga de refugiados. Além de países e instituições fora de África, era urgente que países vizinhos e organizações sub-regionais não se mantivessem reservados ante ao evoluir da situação com graves contornos ao nível da paz e estabilidade regional. As autoridades congolesas, com essas jogadas, nesta altura precisam de ouvir dos seus principais parceiros não apenas o que gostariam.
A visita da embaixadora dos Estados Unidos no Conselho de Segurança, Nikki Haley, à RDC, onde defendeu a realização de eleições gerais em 2018, serviu para isso. Diz-se que houve um “tête-à-tête” de duas horas entre o Presidente Kabila e a diplomata americana, da qual nada transpirou para a imprensa, mas que esta última à comunicação social avançou que as autoridades congolesas devem realizar as eleições no próximo ano sob pena de perderem o apoio dos Estados Unidos e da comunidade internacional.
Os ingredientes para agitar a RDC parecem claramente lançados, numa altura em que o tempo, desde ao fim do segundo e último mandato constitucionalmente previsto do Presidente Kabila, não parecem jogar a favor do mesmo.
Alargar o prazo para a esperada transição para o ano de 2019, independentemente da complexidade das tarefas eleitorais num país como a RDC, pode não acolher o apoio e a simpatia da maioria dos actores políticos e da região.
Numa tentativa para isentar o poder, a Jeune Afrique, o presidente da comissão das Relações Exteriores do Senado da RDC, Jean-Claude Mokeni, explicou que a competência de realizar eleições é da CENI (comissão nacional eleitoral independente) e não da Presidência da República. Aquele membro de primeira linha do Partido do Povo Para a Reconstrução (PPRD), no poder, disse que de acordo com a “linguagem eleitoral” realizar eleições em 2018 não pressupõe efectivar o escrutínio neste ano porque há todo um conjunto de acções que antecedem a realização das eleições.
Os 500 dias avançados pela CENI, sem uma devida calendarização, podem resvalar o país para um período de agitação política. Félix Tshisekedi, líder do chamado “Rassemblement”, plataforma que agrega dezenas de partidos políticos da oposição, acredita na possibilidade de realização das eleições o mais tardar até Junho de 2018.
Em todo o caso, a oposição parece agora “municiada” para pressionar o poder político no sentido de acelerar o esperado processo de transição política que a RDC nunca conheceu desde 1960. E quando a União Africana e as organizações sub-regionais, SADC, CIRGL, CEEAC e porque não países vizinhos influentes, dos quais se espera um pronunciamento que salvaguarde a precária paz e estabilidade interna da RDC, preferem encarar tudo como um problema interno, aumenta o estado de ebulição.