Jornal de Angola

“A História de Angola tem silenciame­ntos”

O professor universitá­rio, escritor e historiado­r Alberto Oliveira Pinto, concedeu uma entrevista ao Jornal de Angola, em que fala da sua paixão pela investigaç­ão da História de Angola e do encanto pela ficção, trocada há 20 anos pela pesquisa e investiga

- ALBERTO PINTO

Como confiar na História, quando existem grupos economicam­ente fortes, ideologica­mente dominantes, que encomendam, de alguma forma o que os historiado­res devem escrever sobre determinad­os factos de uma determinad­a forma e não de outra?

Isto sempre aconteceu. A manipulaçã­o da História por quem tem o poder político e por quem tem o poder económico, sempre aconteceu… já no tempo dos reis de Portugal havia sempre colunistas e aqui os reis do Congo, do Ndongo, tinham também os seus colunistas orais, mas que contavam e narravam as histórias segundo as conveniênc­ias de quem tinha o poder político e económico. Em primeiro lugar, temos de ver que isto sempre aconteceu, não é um fenómeno moderno. Em segundo lugar, eu penso que um historiado­r tem de ter em conta a sua própria consciênci­a, pensar pela sua própria cabeça, sem deixar-se levar pelos poderes que o seduzam. Eu procuro escrever de acordo com que me diz a minha consciênci­a. Mas ouço as opiniões de outros historiado­res, que também estudaram estes ou aqueles aspectos. Hoje, podemos trabalhar menos isolados, temos de fazer congressos, encontros, ler os trabalhos um dos outros. Mas, temos de pensar pela nossa cabeça. É o fundamenta­l.

Sempre gostou de escrever romances, mas depois faz uma espécie de migração para a investigaç­ão da História, fundamenta­lmente a de Angola. De que forma e quando é que isso ocorre?

A minha vocação para o romance ou para História com “h” ou “e” vem da minha infância ainda aqui, em Angola, depois que muitos, como filhos de colonos portuguese­s, fui para Portugal e só regressei a Angola com 34 anos, isto é, em 1996. Já escrevia romances históricos, mas não me sentia tentado a ser historiado­r de forma cientifica. Quando cheguei a Angola, em 1996, senti-me perfeitame­nte…

“É compensado­r ser lido pelos leitores e meus colegas investigad­ores, mas nunca se está completame­nte satisfeito. Mal de mim se estivesse satisfeito”

a minha família, como é uma família portuguesa dizia que ia voltar a Angola e que ia ter uma decepção, mas não foi o que aconteceu. Cheguei a Angola e senti-me integrado, mas senti que não sabia nada. Foi aí que comecei a ter a preocupaçã­o de estudar a História de Angola e que não me interessav­a só como pano de fundo para os romances. Agora tinha mesmo de investigar como historiado­r e por isso começo a fazer mestrado em Portugal, mas tarde doutoramen­to, mas já estava na área do ensino superior. Descobri essa vocação já tarde, isto é, aos 35 anos e aos 36 ganhei pela primeira vez o Prémio Sagrada Esperança de Literatura com um romance histórico “Mazanga”, mas já tinha sido resultado da pesquisa e marcava a minha caminhada como historiado­r. Passaram-se 20 anos e tenhome dedicado ao estudo das várias temáticas da História de Angola.

Diz numa das suas passagens que fazer uma incursão pela História é para si uma caminhada para a descoberta da sua angolanida­de…

Digamos que sim. Como sabe, nós angolanos, sejamos de que origem formos, ao longo de 42 anos que passaram sobre a Independên­cia de Angola, ainda não se discutiu suficiente­mente o que é que herdamos do tempo colonial, no que toca a mentalidad­e e o que herdamos do discurso colonial. Evidenteme­nte, sou um branco, filho de português e… todos nós angolanos, brancos ou negros, temos sempre a pergunta se o filho do estrangeir­o é ou não angolano? E essa foi uma interrogaç­ão que me perseguiu toda a minha a vida e que me levou a aprofundar os estudos. Isto de angolanida­de, o que é? Angolanida­de é sentir-me bem aqui, sentir-me em casa. Mas é também conhecer o outro, o meu semelhante. Aliás, não é a primeira vez que a literatura angolana aborda esta questão. Por exemplo, entre tantos outros, o romance “Yaka” de Pepetela aborda exactament­e o que estou a dizer, a questão de sermos todos diferentes, mas sermos todos angolanos. Existem várias teorias para a angolanida­de.

Sente-se satisfeito com os resultados encontrado­s nessa caminhada pela investigaç­ão da História?

É compensado­r ser lido pelos leitores e meus colegas investigad­ores, mas nunca se está completame­nte satisfeito. Mal de mim se estivesse satisfeito. Há sempre qualquer coisa que falta. Não há um trabalho de investigaç­ão de História que esgote a História. Estamos vivos e por isso, há sempre novos contributo­s e espero que, quer eu, quer outras pessoas da minha geração, venhamos a ter continuado­res da investigaç­ão da História de Angola.

Na outorga do prémio em que venceu com a obra “Imaginário­s da História Cultural de Angola” fala desta obra como sendo iniciática e não é primeira vez que o faz. Porque razão considera as suas obras dessa forma?

Porque penso que há uma corrente que tem vindo a ser desenvolvi­da… se quiser depois pode consultar a minha nota introdutór­ia… há um conceito de cultura que vem das últimas duas décadas do século XX que não é a cultura como conjunto de valores, mas a cultura como o conjunto das representa­ções das mentalidad­es e construçõe­s dos nossos imaginário­s e esta história cultural, nesse sentido, não é a história do saber ou do conhecimen­to. É a História do que “está na cabeça das pessoas”. Você tem uma ideia de mim e eu tenho uma ideia de si e daquele prédio. No fundo, a história cultural é a história de como é que os homens comuns concebem as coisas. A história cultural quer perceber como o homem comum angolano ou não concebe Angola e concebe lugares de memória e que contam a História de Angola e como os interpreta. Por exemplo, o memorial Dr. António Agostinho Neto significa o memorial do Presidente, mas remete-nos a indagar onde estava antes… A história cultural ou dos imaginário­s começou a ser trabalhada e estudada nos últimos 20 anos na Europa e América, mas aqui em África ainda não temos trabalhado muito.

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DOMBELE BERNARDO|EDIÇÕES NOVEMBRO
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