Meio cheio… ou meio vazio
Um mestrando de jornalismo bem podia fazer uma recolha da nossa imprensa desde a independência e produzir uma tese académica sobre o apagão que, por não se ver, é o tempo bom para um pirilampo se vai dar alumiando formiga... Estava a ler que em 2013 “Angola: Barragem de Capanda já funciona a 100%”.
São tantas as justificações quando acontece o apagão que cria descrédito. Certo que a maior parte das vezes nem se avisa. Lembro-me de um pássaro que atrapalhou a luz. Ainda faz tempo, dizia-se que era da falta de água, não chovia, as barragens estavam com a água a um nível baixo. Aliás. Meio mundo anda a queixar-se da seca, em Portugal, por exemplo, tem uma cidade abastecida com cisternas, nada de mangueiradas nos jardins e nos carros e banho racionado. Voltando aos apagões, recordo os de Cuba que não tem rios, a distribuição de energia é planificada e, pela rádio, eu sabia a que horas haveria apagão na minha rua.
Falando na situação mundial das alterações de clima causadas pelas descargas do carbono e não só, Angola possui uma rede hidrográfica nacional invejável e o segundo pulmão do mundo, o Mayombe, a seguir à Amazónia no Brasil. E aqui não há cataclismos, nem de água nem de vento. E temos sol e vento para dar luz… já sem falar no petróleo à luz do qual estudei até ao meu quinto ano do liceu. Faz uns anos, fui daqui ao Huambo para ir ver a barragem do Gove antes de escrever o meu romance a “Casa do Rio”. Parecia o mar. As obras estavam paradas e estrangeiros do pacote negocial estavam numa boa divertindo-se em barcos de recreio e pescando (não sei se constava do caderno de encargos).
Angola tem barragens que chegam para não faltar a luz como não falta na Namíbia... que aproveita a água da chuva (quando chove é uma festa). Em Cabo Verde nunca me faltou água nem luz e quem lhes dera um dos nossos rios mais pequenos...
Quando chove as barragens estão bem para gerarem energia. Agora fomos contemplados com um “desastre” numa barragem por causa da água da chuva e no Gove, por falta de chuva.
No sério. A Barragem de Laúca foi inaugurada. Eu próprio saudei esse empreendimento e os técnicos angolanos que nele se empenharam. Todos ficámos contentes.
Eu já visitei uma casa de máquinas de uma barragem. Por sinal, debaixo de chuva torrencial que não entrava ali porque a casa havia sido construída segundo os cânones da respectiva engenharia. Quando li “chuva intensa... uma infiltração na casa das máquinas”. Uma coisa é infiltração de água
Quando chove as barragens estão bem para gerarem energia. Agora fomos contemplados com um “desastre” numa barragem por causa da água da chuva e no Gove, por falta de chuva
na má impermeabilização de um edifício, outra coisa é a entrada de água da chuva por deficiências na casa das máquinas. É que a função da casa das máquinas é abrigar os equipamentos electromecânicos.
Foi a chuva ou erro do empreiteiro. Seria bom verificar-se o caderno de encargos, na parte relativa à casa das máquinas para ver as indemnizações previstas para esta situação. É que no nosso país manda-se asfaltar estradas, os empreiteiros não cumprem o saneamento básico que inclui as valas de escoamento da água da chuva, a estrada daqui para o Huambo desapareceu, ficaram só buracos, o dinheiro foi e ninguém responde por isso. Não conheço um caso. Mais, o que dá é o negócio de geradores para poluir a cidade e demandar as bombas que atendem para vasilhas de abastecer os geradores. Tem umas que só com acréscimo e o buzinanço dos carros que estão na fila esperando que o da frente encha jerricans! O nosso drama é querermos chuva para as barragens e termos medo da chuva para não se “infiltrar”... Transcrevo do jornal: “A infiltração ocorreu na sequência de uma chuva intensa, com um caudal de 22 milímetros (das 16h00 de domingo às 06h00 de segunda-feira), que rompeu pontos vulneráveis daquele ponto da barragem (ainda em construção) e afectou as unidades geradoras da central”. Quer dizer: havia pontos vulneráveis. E “ainda em construção”, quer dizer que houve inauguração antes de a barragem estar acabada, será?
Fico na dúvida, pelo que li, se a barragem quando foi inaugurada já estava concluída. É que houve logo apagões antes deste da chuva. A chuva não se “infiltra” numa casa das máquinas bem-feita. Já viram as chuvas pesadas na América Latina, semanas seguidas e não se infiltram nas casas das máquinas das barragens?
A natureza foi pródiga para Angola. Deu tudo. E sem terramotos ou furacões. Não merece que os erros humanos lhe sejam transferidos. Também quando chovia no Huambo e não havia água nas torneiras era por causa da chuva?
Agora, tem aqui uma questão moral porque não é jurídica pois as reclamações não são atendidas por imposição. Falta a luz. Mesmo que falte um mês, o cidadão é obrigado a pagar... sempre o mesmo. A empresa estatal não pode fazer isto. É uma ilegalidade. No antigamente vinham cobrar a casa pela leitura do contador, quem quisesse pagava logo ao funcionário. Agora o funcionário só atira papel para o quintal a dizer que o pagamento está atrasado, tem dois dias para pagar e se não cumprir paga a multa. À luz do direito de associação vigente deveria constituir-se uma ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS JUNTO DE SERVIÇOS PÚBLICOS.