Jornal de Angola

Acabara de dar de mamar ao miúdo

- Osvaldo Gonçalves

Acabara de dar de mamar ao miúdo. (O leitor, que é um indivíduo atento, estará de boca aberta. Feche essa matraca! Além de calar,não pense! Acabara de dar de mamar ao miúdo porque a mãe tinha outros afazeres e havia que lhe dar o biberão, ora essa!...)

Pois, eu acabara de dar de mamar ao miúdo... (lá está você a rir-se outra vez. Assim, não acabo de escrever a crónica. Cale-se, se faz favor! Preciso de silêncio para escrever.)

Acabara de dar de mamar ao miúdo. O miúdo já era grandinho, aliás, nascera com bom peso e com uns coisos bem grandes no sítio. (Agora, o miúdo está grande e quer dar uma de rebelde. Já o ameacei com uma carga de porrada.

Ameacei, porque dar mesmo é outra conversa. Além do mais, o puto saiu aos seus, isto é, a mim, que no meu tempo também fui o que fui. Mas um ameaço faz parte. É próprio do pai ameaçar. As mães não ameaçam, batem! Os pais são como os cães que ladram: nunca mordem!

Pois, acabara de dar de mamar ao miúdo e estava chateado, à espera que ele arrotasse. Os bebés têm de arrotar depois de mamar. Há que os manter numa certa posição, mais ou menos direito, dar-lhes umas palmadinha­s ao de leve nas costas e cantar umas cantigas idiotas, mais à base do lá-lálá, para agilizar a digestão.

E no lá-lá-lá espera-se pelo arroto do bebé, o que é uma coisa chata, um momento sui

generis, porque se fica à espera de algo que, normalment­e, as pessoas não gostam de ouvir.

Ouvir, sim. O arroto ouvese, de facto. Faz hrrrouaaaa! ou algo parecido e as pessoas à volta ficam todas escandaliz­adas, como se nunca tivessem arrotado no raio da vida. Imaginem se nos peidássemo­s! Para a sociedade púdica em que vivemos, um arroto é o purgatório, um peido, o inferno!

E nessa de esperar pelo arroto do miúdo, algo aconteceu. Foi há muitos anos, tantos que já não sei ao certo o que foi. Talvez tenha sido a queda do Xá Reza Palhevi ou a consagraçã­o do Papa Paulo VI, um headline da CNN a dar conta do atentado ao World Trade Center de Nova Iorque ou o ataque a Bagdad.

Bem, acabara de dar de mamar ao miúdo, o que não é normal um pai angolano fazer (dar de mamar é mais para as mães, mas eu sou um pai moderno, democrata, metido à freedom fighter), mas eu tinha dado de mamar ao miúdo e estou pouco me lixando se isso de dar de mamar ao miúdo é coisa que faça espécie a essa cambada de machos castrados que não fazem sem deixam fazer, ou seja, que não têm como dar de mamar aos putos.

Eu acabara de dar de mamar ao miúdo e esperava que ele arrotasse. Estava fulo porque o miúdo guloso tinha mamado dois biberões e não havia meio de arrotar. Não se ouvia aquele hrrrouaaaa! ou algo parecido que é sinónimo de satisfação.

Ainda por cima, acontecera algo que não sei bem o que foi. Dera de mamar ao miúdo e não sabia sequer que isso era mais importante do que estar para aqui a escrever repetidame­nte que dera de mamar ao miúdo só para preencher o espaço da crónica.

Os bebés têm de arrotar depois de mamar. Há que os manter numa certa posição, mais ou menos direito, dar-lhes umas palmadinha­s ao de leve nas costas e cantar umas cantigas idiotas, mais à base do lá-lá-lá

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