A grande ruptura, segundo Fukuyama
Perante a actual crise económica mundial e de valores sociais, o Prof. Adriano Moreira, ao referir-se à actual política neo-liberal, utilizou em 2003 o termo “teologia de mercado”: “Talvez um dos triunfos mais dignos de nota da teologia de mercado tenha sido a criação do ‘mercado infantil’, que tem ao seu serviço a demagogia publicitária dos meios de comunicação de massa e se transforma numa pressão sistémica sobre a geração de pais responsáveis pela integração social e pela transmissão de valores, de regra ultrapassados na autoridade pela força do mercado.”
Também o economista José Manuel Zenha Rela defendeu que o “o papel do Estado em todos os aspectos relacionados com a vida económica terá de ser tanto maior, quanto menor for o nível de desenvolvimento do País.” Sendo a competitividade o factor determinante da globalização e sendo esta determinada pelos níveis de produtividade alcançados, resta aos países em desenvolvimento, que não tenham coragem política para definirem e executarem estratégias de desenvolvimento no âmbito de um crescimento auto-sustentado, o seguinte: “Aqueles que o puderem fazer viverão das participações das grandes multinacionais em troca da exploração dos seus recursos naturais, geralmente não renováveis. Os outros terão que recorrer à assistência internacional e ao endividamento, uma e outra (solução) funcionando em termos de modas. Ajuda-se um país, dá-se-lhe algum crédito, promovem-se mesmo alguns investimentos privados, porque está na moda fazê-lo. Passa a moda, encontra-se outro objecto e a ajuda desaparece, os créditos cessam, o investimento cai. E assim se anda delapidando recursos em missões de bons ofícios e no pagamento de consultores que, cobrando novos honorários, continuamente repetem as mesmas soluções.”
Como reforço desta sua firme convicção, Zenha Rela cita Alvin Toffer, quando em 1998, num fórum sobre administração de empresas em Buenos Aires, afirmou perante cerca de 4 mil pessoas o seguinte: “Os países da América Latina não devem seguir às cegas as receitas estúpidas do FMI, nem abraçar a integração e o mercado livre como se fosse uma religião. (…) Acredito muito firmemente no mercado livre, mas acredito nele como instrumento, não como uma teologia.”
Para Zenha Rela o que anteriormente foi dito por Alvin Toffler, em relação à América Latina, torna-se absolutamente válido para os países africanos onde as receitas do FMI são por vezes aceites numa base fundamentalista, “até porque, na generalidade dos casos, esta visão fundamentalista tem, como contraponto, um desconhecimento absoluto do país real e dos problemas da generalidade da sua população.”
Também o sociólogo Hermano Carmo nos fala de Alvin Toffer (1928-2016), conhecido pelas obras “Choque do Futuro” (1970), “A terceira vaga” (1980), “Os Novos Poderes” (1991) e a “Revolução da Riqueza” (2006). Toffer, em 1980, dividiu a história humana em três vagas: a primeira, iniciada há cerca de 10 mil anos, possibilitou a sedentarização humana em torno de uma civilização agrícola e que correspondeu à Revolução Agrária. A segunda emergiu há cerca de 300 anos e iniciou-se antes da primeira vaga se ter espalhado por todo o planeta e deu origem à Revolução Industrial. A terceira começou na segunda metade do século XX, após o final da II Guerra Mundial, baseada no conhecimento e no desenvolvimento da informação.
A aceleração do metabolismo social e económico da sociedade contemporânea apresenta vantagens e desvantagens. Se por um lado cria oportunidades de crescimento económico e de desenvolvimento social, por outro lado semeia ameaças de insustentabilidade pela anomalia social provocada. Neste contexto, Francis Fukuyama, no seu livro editado em 2000, “A grande ruptura: a natureza humana e a reconstituição da ordem social”, afirma que os grandes problemas sociais são sobretudo observados em três domínios: no “crescimento da delinquência”, na “degradação da família nuclear” e no “declinar da confiança”.
Mundialmente conhecido pelo seu livro “O fim da História e o último Homem”, editado em 1989, Fukuyama refere-se à actual conjuntura de maior insegurança motivada pela redução do controle informal pelas instituições sociais (bairro, família, escola), pelo aumento do crime violento contra a propriedade e de colarinho branco e pelo aumento de comportamentos sociais desviantes.
Um segundo segmento diz respeito à quebra de taxas de fertilidade, redução de casamentos, aumento de taxas de coabitação informal, aumento de divórcios, aumento de filhos fora do casamento, o que implica na redução dos laços familiares inter-conjugais, inter-geracionais e inter-nucleares.
Um terceiro segmento situa-se na redução da confiança pública (instituições políticas, religiosas, económicas e sociais), redução da confiança privada (em geral, na vizinhança e no circulo de amigos), redução da confiança em si (assunção de comportamentos “border line”) e o aumento de envolvimento em grupos informais.
Os países da América Latina não devem seguir às cegas as receitas estúpidas do FMI, nem abraçar a integração e o mercado livre como se fosse uma religião.(…)