Israel retoma combate à poligamia
A poligamia, prevalecente no sector beduíno da população israelita, é ilegal em Israel, mas pouco era feito para acabar com esta prática, algo que aparentemente começa a mudar.
Em breve, um homem beduíno de 36 anos casado com duas mulheres será preso por ser polígamo, no primeiro caso há décadas e em cumprimento ao anúncio feito em 2015 pela ministra de Justiça, Ayelet Shaked, sobre a reactivação da lei anti-poligamia.
O homem, identificado pelo tribunal como A. e residente na área desértica de Neguev, no sul do país, casou-se com a sua primeira esposa em 2002 e em 2017 pediu ao pai de outra mulher permissão para se casar com ela. O pai aceitou sem informar a filha.
"A poligamia transformou-se em lei no Neguev", lamentou Insaf Abu Shareb, beduína, advogada e directora da Itaj, organização para a justiça social em Beersheva (Neguev).
Segundo o estudo "Redefinindo a poligamia entre os palestinianos beduínos de Israel", de Rawa Abu Rabia, também beduína e especialista em género, este fenómeno leva à submissão e à anulação de uma das partes: a mulher.
Embora a poligamia seja ilegal desde 1977 e penalizada com um máximo de cinco anos de prisão e multa, poucas acusações chegaram aos tribunais até à reactivação da lei e é possível contar os casos ocorridos (o último nos anos 90) de polígamos presos.
Abu Rabia considera que Israel não tem levado a sério a luta contra a poligamia porque a população mais afetada, a beduína, é pequena (cerca de 250 mil pessoas, 4 por cento da população) e pela rejeição de enfrentar esse sector árabe.
Nas primeiras décadas de existência de Israel, os judeus que chegavam do norte da África e do Iémen também praticavam a poligamia, mas a aplicação estrita da lei e o olhar social hostil acabou rapidamente com ela.
Hoje estima-se que 40 por cento das famílias beduínas do Neguev sejam polígamas, e Abu Rabia afirmou que esse número foi aumentando de modo ininterrupto, não só entre os beduínos, mas também entre os árabes do norte do país.
"A minha mãe é a primeira mulher do meu pai e não me lembro da minha infância com carinho. O meu pai não tratava a minha mãe bem e nós, os filhos da primeira, não éramos amigos dos filhos da segunda", recordou Mwafaq Z., um árabe-israelita descendente dos palestinianos que ficaram dentro de Israel após a criação em 1948.
Abu Shareb destacou que o fenómeno frequentemente está acompanhado de violência doméstica, estupros e pobreza. Na sua associação, Itaj, atende muitas beduínas vítimas de violência doméstica, na sua maioria casada com polígamos.
É o caso de Aisha, um dos poucos que chegou a ser discutido nos últimos anos. Esta beduína aceitou o casamento do seu marido com uma segunda mulher, depois que ele a convenceu de que não deixaria de cuidar dela, mas dois meses depois, começaram os maus-tratos e ela e os seus filhos foram expulsos de casa.
Abu Shareb denunciou que, cada vez mais, nas comunidades beduínas um homem casa-se, tem filhos e em um dado momento decide ter uma segunda esposa, deixando a primeira e os filhos para trás e sem meios de sustento.
A primeira esposa não se pode divorciar, por risco de sofrer ostracismo social, nem se casar de novo, e deve permanecer disponível caso o homem decida voltar para ela.
"No passado só os ricos podiam ter mais de uma mulher, mas hoje em dia é só um assunto de ego e de controle, para mostrar que são machos", explicou a advogada de 35 anos.
Embora praticada sobretudo nas áreas isoladas do Neguev, a poligamia também está presente na vida quotidiana israelita. O parlamentar beduíno Taleb Abu Arar, por exemplo, é bígamo.
Os especialistas indicam que a situação é extrema pelo isolamento geográfico e cultural dos beduínos do resto de Israel, já que as meninas frequentemente não vão ao colégio por ser misto.
"A educação e a aplicação da lei são as únicas soluções para esta situação, que torna as mulheres infelizes num país onde não deveria existir este fenômeno", sublinha a advogada Abu Shareb.
A educação e a aplicação da lei são as únicas soluções para esta situação, que torna as mulheres infelizes num país onde não deveria existir este fenómeno, sublinha a advogada Abu Shareb