Mais um mau exemplo
África voltou a ter sobre si concentradas as atenções do mundo inteiro. Infelizmente, mais uma vez, não pelas melhores razões. O que está a suceder no Zimbabwe, onde se assiste ainda a uma tentativa de golpe de Estado militar para depor um presidente que está a 100 dias de terminar o seu mandato, não é coisa de que nos possamos orgulhar.
Independentemente de se gostar, ou não, de Robert Mugabe, a verdade é que ele está legitimado nas funções que ocupa depois de em 2012 a Constituição zimbabweana ter sido sufragada por quase 80 por cento da sua população.
Assim sendo, poderá perguntar-se a razão pela qual os militares decidiram avançar contra a residência de Mugabe, onde lhe decretaram prisão domiciliária, prenderam três dos seus principais ministros e conselheiros e insistem em que ele deve deixar imediatamente o poder.
A resposta é simples e prende-se com a decisão e a intenção efectiva de interferirem, os militares, na gestão interna do principal partido zimbabweano, a ZANU-PF, vencedor das últimas eleições com mais de 60 por cento dos votos e principal favorito a um novo triunfo no pleito aprazado para o próximo ano.
E a urgência para este golpe de Estado (é disso que se trata embora os militares lhe queiram dar um outro nome) é que tudo tem que ser feito antes de meados de Dezembro, altura em que se realiza a conferência anual da ZANU-PF e na qual será preenchida a vaga de uma das vice-presidências do partido e que Robert Mugabe provocou com a demissão de Emmerson Mnangagwa.
Com 94 anos de idade quando se realizarem as próximas eleições no país e com a outra vice-presidência decorativamente entregue a um político de uma etnia minoritária no Zimbabwe, todos apostam dobrado contra singelo que o futuro presidente do país será mesmo o vicepresidente que conseguir ser eleito no conclave partidário de Dezembro próximo.
Robert Mugabe, nunca o escondeu, gostava de ter como sucessor a sua própria esposa, Grace Mugabe, mas os militares têm uma outra opção. Eles querem o próprio Emmerson Mnangagwa intempestivamente afastado do poder como vítima de uma nova maquinação política urdida pela truculenta primeira-dama. Aliás, Grace Mugabe já há três anos havia conseguido criar com sucesso uma intriga palaciana afastando do seu caminho uma outra concorrente, Joyce Mujuro, viúva de um antigo chefe das forças armadas do Zimbabwe que viria a aparecer morto na sua quinta. Um caso que na altura levantou muitas suspeitas, algumas veladas acusações contra o próprio presidente que nunca viriam a ser esclarecidas, sobretudo depois que Mugabe catapultou a viúva para trabalhar ao seu lado.
Portanto, depois da decisão de Mugabe em afastar o seu vice-presidente, o caminho estava escancarado para que Grace Mugabe conseguisse facilmente a nomeação e consequente posicionamento na “pole-position” para a próxima corrida eleitoral. É aqui, precisamente, que entram os militares e a sua evidente intenção de participar no jogo político. Para isso nada melhor que enfraquecer o poder político de Robert Mugabe obrigando-o a uma de duas opções: abdicar imediatamente do poder, de modo voluntário para que o golpe possa ter aceitação internacional e ser apresentado como uma mera decisão pessoal do presidente, ou retirar-lhe espaço de manobra para impedir que concretize o seu plano de promover a sua própria sucessão na pessoa da sua esposa.
Tanto num caso como no outro, emerge sempre a figura de Emmerson Mnangagwa como o grande beneficiário das manobras políticas que os militares desencadearam.
E aqui o que se pergunta é se os militares têm legitimidade constitucional para se meterem nas coisas dos políticos. Obviamente que não. O lugar dos militares é outro e a sua intervenção pública terá que estar sempre subordinada ao poder político. Não o contrário, como está actualmente a suceder no Zimbabwe. Por muito que se possa não gostar de Robert Mugabe, até pelos muitos anos que já tem no poder, acumulados à custa de legitimadas sucessivas alterações constitucionais, a verdade é aquilo a que se assiste no Zimbabwe é a golpe de Estado, um novo mau exemplo que África dá ao mundo.
A decisão de Mugabe em afastar o seu vice-presidente, o caminho estava escancarado para que Grace Mugabe conseguisse facilmente a nomeação no posicionamento na “pole-position”