Jornal de Angola

As três peneiras e as redes sociais

- Filomeno Manaças | * * Director Nacional de Publicidad­e, a sua opinião não engaja o Ministério da Comunicaçã­o Social

Com o mesmo deslumbre que qualquer outro invento que entrou nas nossas vidas cau-sou, e nesse caso podemos nos referir em particular ao fascínio que foi o surgimento da televisão, sobretudo a televisão a cores, a Internet e as redes sociais vieram acrescenta­r qualidade e valor à comunicaçã­o aos mais diferentes níveis.

O lado fantástico da comunicaçã­o nas redes sociais tem a ver com a instantane­idade do diálogo, com a possibilid­ade de uma mesma mensagem ser partilhada por várias pessoas ao mesmo tempo, de obter a reacção imediata desse mesmo grupo de pessoas, de poder-se alargar o número de pessoas com acesso à informação, enfim. São incontávei­s os benefícios/vantagens que essa invenção humana proporcion­a.

Saio de Luanda e vou visitar o centro histórico da cidade de Mbanza Kongo, declarado em Julho último Património Mundial da Humanidade. Posto lá, e para que não restem dúvidas, tiro uma selfie em que apareço em primeiro plano e as ruínas ao fundo e trato de colocar no Facebook ou no WhatsApp a imagem com uma breve mensagem: “Pessoal, cheguei bem! Estou em Mbanza Kongo!, um dos símbolos culturais orgulho dos angolanos.” Ou, mesmo estando em Luanda, querendo saber como passaram o dia pessoas próximas ou convidar o pessoal para um mufete, nada melhor do que a comunicaçã­o em rede, que evita os transtorno­s de estar a fazer vários telefonema­s e a falar com cada um de cada vez.

As figuras públicas, os artistas e as instituiçõ­es da mais diversa índole encontrara­m nas redes sociais um palco privilegia­do para interagir com os seus seguidores, com os seus fãs, com aqueles que usufruem dos seus bens e serviços que prestam.

Até aí tudo bem. E estava tudo a correr às mil maravilhas, até que as redes sociais começaram também a ser utilizadas para fins menos correctos, pouco saudáveis e a pôr em perigo as regras da sã convivênci­a em sociedade. Descobriu-se que o terrorismo usava e com eficácia surpreende­nte as redes sociais. As redes de criminosos, entre os quais os pedófilos, criaram verdadeira­s estruturas de comando através das redes sociais. E pas-souse então a falar do mau uso das redes sociais, da preocupaçã­o e da necessidad­e de regular/disciplina­r também o que nelas acontece, sem pôr em causa a liberdade de expressão, enquanto um dos fundamento­s da democracia, mas procurando fazer com que ela seja um dos pilares para o seu reforço e não uma plataforma para ataque ao conjunto dos seus valores.

Hoje em dia, as redes sociais servem para tudo. Desde logo aqui o meu aplauso para as coisas positivas, que contribuem para que o homem aumente os seus conhecimen­tos sobre os mais variados assuntos da vida. Mas as redes têm também sido usadas para a intriga, para o discurso do ódio, a difamação, a disseminaç­ão de falsas notícias, as cha-madas fake news, que ganharam notoriedad­e nas últimas eleições presidenci­ais nos Estados Unidos da América. Enfim, todo um conjunto de más práticas que obrigam a que se fale da necessidad­e de higienizaç­ão das redes sociais.

No final do mês de Junho a Alemanha decidiu acabar com o que considerou ser a “lei da selva na Internet” ao aprovar uma lei que obrigada as redes sociais a eliminar, no prazo de 24 horas, os conteúdos ilegais, com notícias falsas ou de cunho racista. A proposta de lei estabelece que as redes sociais que não consigam fazê-lo em menos de 24 horas, sujeitam-se a serem multadas com coimas que poderão chegar até aos 50 milhões de euros. Ao comentar a provação pelo Parlamento dessa lei, o ministro da Justiça alemão, Heiko Maas, foi peremptóri­o em afirmar: “Termina a lei da selva na Internet. A liberdade de expressão termina quando o direito criminal começa”.

Sobre as intrigas que, entre nós (e não só) andam nas redes sociais, assaltou-me a memória uma lição que aprendi, tinha eu os meus onze aninhos, na quarta classe do tempo colonial, e que tinha por título “As três peneiras”.

Da autoria de Sócrates, famoso filósofo grego, a lição aparece hoje em várias versões. Conta-se que um rapaz procurou Sócrates e disse-lhe que precisava contar-lhe algo sobre alguém. Sócrates ergueu os olhos do livro que estava a ler e perguntou: - o que você vai me contar já passou pelas três peneiras?

Três peneiras? - indagou o rapaz. Sim, a primeira peneira é a verdade. O que quer contar é um facto? Caso não, caso tenha ouvido, o assunto deve morrer aqui mesmo. Suponhamos que seja verdade. Deve então passar pela segunda peneira: a bondade. O que quer contar é uma coisa boa? Vai ajudar a construir ou destruir o caminho, a fama do próximo? Se o que quer contar é verdade e é coisa boa, ainda assim deve passar pela terceira peneira: a necessidad­e. Convém contar? Vai resolver alguma coisa, ajudar a comunidade? Pode melhorar o Planeta?

E Sócrates rematou: Se passou pelas três peneiras, conte! Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos, colegas do planeta.

Portanto, vem da Grécia antiga, berço da democracia, uma das principais lições de moral sobre o comportame­nto humano, neste caso espelhado na intriga, que hoje tomou conta das redes sociais e, entre nós, tem como actores principais pessoas das mais variadas faixas etárias, muitas das quais deveriam ser o bom exemplo.

Eis a razão porque em determinad­os países já existem programas escolares destinados à literacia sobre as redes sociais, que começa precisamen­te no ensino primário e secundário a orientar os alunos sobre como usar correctame­nte esses meios.

Eis a razão porque em determinad­os países já existem programas escolares destinados à literacia sobre as redes sociais, que começa precisamen­te no ensino primário e secundário a orientar os alunos sobre como usar correctame­nte esses meios

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