Cimeira discute África
Mais de 80 Chefes de Estado e de Governo africanos e europeus participam hoje e amanhã em Abidjan, Costa do Marfim, na quinta Cimeira entre a União Africana e União Europeia
O Presidente da República, João Lourenço, está desde ontem em Abidjan, Costa do Marfim, onde se junta a 80 outros estadistas africanos e europeus para discutir hoje e amanhã assuntos que se prendem com o desenvolvimento da cooperação entre os dois continentes. À chegada ao aeroporto Félix Houphouët-Boigny, o estadista angolano foi recebido pelo seu homólogo costa-marfinense, Alassane Ouattara. Nesta sua terceira deslocação ao estrangeiro desde que foi investido a 26 de Setembro no cargo de Presidente da República, João Lourenço faz-se acompanhar da Primeira Dama, Ana Dias Lourenço, e alguns ministros. Segundo o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, à margem da Cimeira o Presidente da República vai desenvolver uma intensa actividade política e diplomática.
Abidjan, capital económica da Costa do Marfim, acolhe hoje e amanhã a quinta Cimeira União Africana União Europeia, numa altura em que, no lado europeu, a migração ilegal, com milhares de refugiados africanos a tentarem entrar na Europa através do mediterrâneo, é a grande preocupação, ao passo que, no lado africano, é o maior equilíbrio na balança comercial e mais investimentos para o continente.
“Investir na Juventude para um futuro sustentável” é o lema da reunião presidida por Alpha Condé, líder em exercício da União Africana, e Donald Tusk, da União Europeia. A cimeira acontece pela primeira vez na África subsaariana, com cerca de 80 Chefes de Estado e de Governo, entre os quais o Presidente angolano, João Lourenço.
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, também participa. Todos os países da União Africana e da União Europeia confirmaram a presença no encontro.
Sobre as expectativas dos africanos sobre a Cimeira de Abidjan, Augusto Báfua Báfua, especialista em relações internacionais, afirmou ao Jornal de Angola que o encontro “é uma oportunidade soberana de os africanos e europeus abordarem os assuntos de frente”.
Báfua Báfua diz que a ingerência europeia nos assuntos africanos, intervenções militares e a fuga dos já muitos escassos cérebros africanos são temas que devem ser abordados na Cimeira de Abidjan.
É a altura, acrescenta, de a Europa ser parte da solução africana e não parte do problema, e de deixar de interferir no processo de integração regional africano, assim como África não interfere no processo de integração europeu.
Augusto Báfua Báfua espera que as antigas colónias francófonas, anglófonas e lusófonas “estejam totalmente empenhados numa África Integrada politica e economicamente” e pede às potências ocidentais para deixarem os africanos “encontrarem soluções para os seus problemas sem o paternalismo europeu”.
O analista político Leonardo Vieira diz que África tem dificuldades na gestão do seu capital humano e que grande parte deste não é qualificado. Quando o é e está em África, não raro é subaproveitado. Por essa razão, afirma que África tem muito a cooperar e a aprender com a Europa neste domínio.
Leonardo Vieira lembra que verifica-se em África uma fuga de cérebros em direcção à Europa, fenómeno que, pensa, deve ser abordado na Cimeira de Abidjan. Lamenta que haja mais vantagens à Europa no relacionamento entre as partes, mas refere que, com vontade política por parte dos governantes africanos, o quadro pode ser revertido.
África, refere, precisa se reinventar e reforçar as relações entre os países do continente, e só depois partir para uma cooperação em bloco com a União Europeia.
Quanto, a Angola, defende que deve aproveitar ao máximo o conhecimento que a Europa possui.
Sectores como saúde, educação, agricultura, indústria transformadora, energia e águas devem ser tidos como prioritários. Angola, conclui, tem a oportunidade de mostrar que só precisa de parcerias certas para alcançar o desenvolvimento e prosperidade que tanto almeja.
O economista e mestre em Finanças Rui Malaquias diz que foi apenas em 2015 que a balança comercial entre África e Europa deixou de ser vantajosa para África.
“A situação se mantém até hoje, pois segundo o Organismo Oficial de Estatística Europeu (Eurostat), as exportações europeias para África excedem as importações em 21,6 mil milhões de euros”, refere.
A Europa parte para a Cimeira de Abidjan com um superávit de 13,1 mil milhões de euros sobre África, segundo dados de Agosto de 2017. “É urgente que se inverta esta tendência. África precisa de exportar mais para a Europa. Também deve alterar o paradigma actual, pois exporta maioritariamente matérias-primas não transformadas, o que não traz vantagens para as suas economias, que desta forma deixam de criar os empregos em “casa” para criá-los na Europa”, adverte.
Rui Malaquias sublinha que é quase impossível África competir com a Europa em relação a produtos intensivos em capital e com forte utilização tecnológica.
“África deve aproveitar o mercado europeu naqueles produtos que não são produzidos na Europa”, sustenta.
Para tal, África deve ser mais competitiva que a América do Sul e parte da Ásia, e aproveitar a situação geopolítica actual (diferenças da Europa com a Rússia, China e Coreias do Norte e Sul) para criar condições boas para o continente, propõe.
África, reitera, enfrenta um grande desafio: mostrar aos europeus que é um bom destino para os seus investimentos. “Bom destino é aquele com estabilidade politica consolidada, e instituições fortes, para que os europeus se sintam seguros e deslocalizem as suas fábricas da Ásia para África”, explica.
África ideal para negócios
O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) considera que “África é o sítio para se estar” e “fazer negócios”, devido ao aumento da classe média e mercado de consumo de 1,4 mil milhões de dólares até 2020.
Em declarações à agência Lusa, Akinwumi Adesina lembra que no ano passado houve 32 países africanos que cresceram entre 3 e 5 por cento, e 12 que cresceram mais de 5 por cento, num
É quase impossível os africanos competirem com a europeus em sectores que a Europa tem mais valia. África deve dar prioridade aos produtos que não são produzidos na Europa
continente com 54 países. Até 2050, África vai ter a mesma população que têm hoje a Índia e a China e nos próximos três anos “a despesa de consumo das famílias vai chegar aos 1,4 mil milhões de dólares”, acrescentou.
Sobre a ideia, muitas vezes associada a África de um continente rico em potencial, mas com forte índice de corrupção, recorda que “a corrupção é um problema global, não de África”, e recorda que a mais recente crise financeira “veio de Wall Street”.
África está a liderar o mundo em termos de reformas regulatórias, acrescenta Akinwumi Adesina, que lamenta que as multinacionais abusem do seu poderio face a países menos experientes “porque às vezes têm mais advogados financeiros que o país inteiro com que estão a negociar”.
O banqueiro destaca a importância do Instrumento de Apoio Jurídico a África, uma possibilidade que os países têm no apoio à renegociação de mega contratos. “Queremos garantir que não desbaratam o futuro. É preciso equilibrar o terreno de jogo”, defendeu.
Agenda de Bruxelas
O Parlamento europeu definiu que a migração estará em destaque na agenda da Cimeira de Abidjan. A utilização de um fundo europeu de 3,4 mil milhões de euros para África, para alavancar o investimento privado, também consta da agenda europeia para o encontro.
A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, acredita que o plano de investimentos externos de Bruxelas, no qual se insere os 3,4 mil milhões de euros para África, pode alavancar investimentos privados na ordem dos 44 mil milhões de euros em cinco áreas prioritárias: energia sustentável e conectividade, micro, pequenas e médias empresas, agricultura sustentável, cidades sustentáveis e desenvolvimento digital.
O presidente do Parlamento Europeu, por sua vez, defende um “Plano Marshall” para África e a mobilização, pela Europa, de 40 mil milhões de euros para o período 2020-2026.
António Tajani pensa que com este valor e uma acção ainda mais forte do Banco Europeu de Investimento, “é sim possível mudar o destino de África”.
António Tajani acredita que com um plano Marshall para o continente africano, Bruxelas podia “fortalecer a boa governação e o Estado de direito, melhorar a luta contra a corrupção e ajudar a emancipação das mulheres em África.
África deve mostrar que é um bom destino para os investimentos europeus, com instituições fortes, para que os empresários europeus invistam mais no continente