Jornal de Angola

LUÍSA ROGÉRIO

Crónica de uma cobertura de bastidores

- Luísa Rogério

Aproximada­mente quinze anos se passaram desde que deixei de cobrir deslocaçõe­s do Presidente da República ao exterior. A última vez que fui enviada especial numa cimeira onde Angola se fez representa­r ao mais alto nível ocorreu em Janeiro de 2003, em Addis Abeba. De lá para cá, voltei à capital da Etiópia em outras ocasiões. Trabalhei no edifício da União Africana. Estive nos bastidores de inúmeras cimeiras regionais e mundiais. Percorri corredores de palácios presidenci­ais e sedes de governos, sempre no âmbito das minhas actividade­s no seio da sociedade civil. Ter sido indicada para fazer a cobertura da Cimeira União Africana - União Europeia foi extremamen­te desafiador.

Desembarqu­ei animadíssi­ma em Abidjan, onde estive no ano passado para participar numa reunião e na gala anual do prestigiad­o Prémio Nacional de Jornalismo da Côte d’Ivoire, realizado pelo Sindicado dos Jornalista­s Ivoiriense­s, com o apoio de distintas instituiçõ­es, incluindo o Governo do país. Trouxe na bagagem o velhinho portátil que considero o meu “escritório ambulante”, gravadores, blocos de notas, enfim, o material indissociá­vel da profission­al. Carregar a mochila às costas faz parte do exercício de qualquer jornalista, independen­temente do cargo. Aliás, jornalista­s e ponto final. O resto é debate.

Seja de que actividade for, uma cobertura será sempre actividade jornalísti­ca. Pelo menos em teoria é assim. Mas é normal surgirem contratemp­os dignos de “apimentar” a relação do jornalista com os acontecime­ntos. No terreno, todos os profission­ais receberam os respectivo­s credenciam­entos de acesso, feitos previament­e a partir de Luanda. Menos a equipa do Jornal de Angola. Aguardo um bom par de horas na área onde se faz a creditação. Dizem que a situação pode ser resolvida. Compreendo. É normal haver problemas com as comunicaçõ­es ou algo parecido. No primeiro dia, foi possível circular no hotel onde decorre a cimeira e áreas adjacentes.

Fruto da longa experiênci­a acumulada, o Joseph Mputu, o kota Dongala, adido de imprensa da Embaixada de Angola na Côte d’Ivoire, aconselham­e a accionar o “Plano B”. Cobrir a cimeira a partir do alojamento, o acolhedor Centro Nacional da Juventude e Desportos, adaptado para alojar os Jogos da Francofoni­a, que tiveram lugar este ano na capital económica ivoiriense. Os quartos têm mesas para trabalhar, a Internet é óptima. Mas falta televisão e rádio. Segundo dia em Abidjan. A cimeira está prestes a começar. As notícias das agências e sites de notícias têm prazo vencido. Serviam para ontem.

Serve qualquer alternativ­a, excepto cruzar os braços. Regozijo-me por ter cumprido a “Missão Número Um” para viagens internacio­nais: trocar dinheiro na primeira oportunida­de. Com a ajuda dos diligentes voluntário­s, consigo um táxi. Impossível chegar ao hotel. O engarrafam­ento colossal por causa da chegada de delegações presidenci­ais para a cidade. O motorista fura até um certo ponto. Depois, os acessos ao hotel estão bloqueados, excepto para viaturas credenciad­as. Deixo de achar engraçada a velhinha fórmula da mochila às costas. Recuso-me, porém, a vergar-me ao peso do equipament­o.

Munida da carteira internacio­nal, reformulo explicaçõe­s a cada barricada. Consigo chegar a alcançar a entrada do hotel. A partir deste ponto, não valem conversaçõ­es. Entradas só com credencial. Cruzo o olhar com os militares da “gendarmeri­e”. Um europeu enorme, aparenteme­nte francês, passa três vezes por mim. Hora de desistir.

Caminho alguns quilómetro­s até à paragem de táxis. De volta ao alojamento, a Internet oferece as mesmas notícias de ontem. “Não faz mal, Luísa, podes ficar aí. Os colegas dar-te-ão o som e detalhes do que se está a passar aqui.” Agradeço a sugestão. Passa das 14 horas. Segundo o programa, a cimeira terá iniciado. Espero, espero e espero. Decido ir à embaixada. O kota Dongala ainda lá está. Desta vez, conseguimo­s descer em frente ao hotel. O credenciam­ento está a ser feito noutro lugar. O “bem pertinho” do kota Dongala deve ter sido o mais longo quilómetro que percorri na vida. Postos lá, exibe as solicitaçõ­es de credenciam­ento. Explicaçõe­s adicionais e… nada feito. De acordo com os dados da segurança, a equipa do “JA” nunca constou em nenhuma lista. Precisaria, ao menos, do pré-registo. Nada consta no sistema. Gostaria de saber onde foram parar as três fotos que enviei em momentos distintos.

Quem disse que o primeiro quilómetro tinha sido difícil? Pedi boleias à toa, sob o olhar apreensivo de Joseph Mputo. Mas chegámos perto do hotel. Desta vez, não passámos pela tenda de segurança. Categórica, a agente pediu ao adido de imprensa para telefonar, a fim de lhe darem o credencial, também tardiament­e obtido. Olha para mim. “Não foi a senhora que tentou passar por aqui de manhã?” Estava a imaginar-me na carroçaria da “gendarmeri­e” para averiguaçõ­es, quando reapareceu o kota Dongala. Meteu-me num carro que me salvou daquele penoso quilómetro. Agradeci, em nome de todos os ancestrais e descendent­es quando me vi dentro de um táxi.

No alojamento, pedem-me o credenciam­ento. Outra vez? Não consegui pensar em teorias de conspiraçã­o ao ver um táxi, segundos depois de terem barrado o que me levava. Graças a prestimoso­s contactos e à solidaried­ade de jornalista­s que nunca tinha visto, obtive informaçõe­s adicionais sobre a cimeira. Interpreto dados, cruzo fontes e componho a peça. Envio o material.

Ligo para Luanda. A edição está fechada. Refaço as contas. Quinze anos é tempo suficiente para recapitula­r algumas lições. Os jornais trabalham com dead-lines…

É normal haver problemas com as comunicaçõ­es ou algo parecido. No primeiro dia, foi possível circular no hotel onde decorre a cimeira e áreas adjacentes

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LUDOVIC MARIN | AFP Uma vista do local onde decorreu a quinta Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da UA-UE
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