Os Irmãos Metralhas
Os angolanos da minha faixa etária, ou melhor os que viveram nos anos sessenta até finais de oitenta, mais ou menos, e que tinham o hábito de leitura, ou seja, gostavam de ler, devem estar recordados daquelas revistas de histórias aos quadradinhos com personagens que se tornaram populares e muito conhecidas naquela época.
Estou a falar dos pequenos livros de origem brasileira, em que despontavam protagonistas em desenhos animados como o Tio Patinhas, Pato Donald, Gastão, Cascão, Pateta e outros. Cada um deles tinha as suas particularidades próprias e traziam ao conhecimento da vasta gama de leitores cenas de partir o coco a rir.
O Tio Patinhas, por exemplo, era avarento e detentor de uma vasta fortuna em moedas de ouro que até tomava banho com o próprio dinheiro e ficava doente quando perdesse uma moeda que fosse. O Gastão também tinha um carácter semelhante ao do Tio Patinhas e era muito sortudo. Era propenso a apanhar dinheiro ou objectos de valor na rua. o Cascão, por sua vez, era inimigo da água. Não gostava de tomar banho e tinha problemas de linguagem ao ponto de trocar o “r” pelo “l”.
O Pateta, como o próprio nome diz, quase que dispensa comentários. Era motivo de chacota de todos os outros, até dos três patinhos que eram os sobrinhos do Pato Donald. Os enormes sapatos que o Pateta trazia sempre calçados, eram também motivo de rizadas.
Mas outra atracção da miudagem amante de leitura naquela época era outra colecção de histórias aos quadradinhos que tinha como protagonistas três irmãos: Os Metralhas, que passavam a vida a realizar acções nefastas à sociedade. O seu principal “modus operandi” era assaltar bancos, joalharias, centros comerciais e outros locais estratégicos, com o fim único de roubar ou furtar o que não lhes pertencia.
Mas, o mais engraçado nessas cenas é que eles eram sempre apanhados e levados para a cadeia, de onde não permaneciam muito tempo porque engendravam sempre artimanhas e formas para fugir da prisão e, acto contínuo, realizavam outro assalto, cujo desfecho acabaria por ser também mal sucedido. Então, esses três irmãos viviam o ciclo vicioso entre assaltos e cadeia, tornando-se em eternos bandidos. Eles não podiam viver sem cometer crimes. Era da sua natureza, estava no sangue. De tanto ler esta revista, veio-me à ideia apelidar de “Irmãos Metralhas” a três sobrinhos meus, filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Não por serem bandidos, ou ladrões, mas pelas suas traquinices. Estavam eles na faixa dos cinco, quatro e três anos de idade e, principalmente o mais velho, apanhava muito da mãe.
De tanto apanhar, ele sentia prazer de mostrar as pequenas escoreações resultantes dos açoites que apanhava, à tia, irmã mais velha do pai, sempre que fosse visitá-los.
Os putos foram crescendo e hoje, em fase adulta, os papéis inverteram-se: o mais velho, que era o mais traquino e assanhado, tornou-se calmo e o mais novo é que está a dar “dor de cabeça” aos pais.
Passou essa fase e agora o pseudónimo de “Irmãos Metralhas” passou para os meus netos, também por conta das traquinices que aprontavam e ainda aprontam. Antes, era um rapaz e uma menina. Depois, juntou-se a eles a terceira menina, que também gosta de desarrumar e mexer em coisas que não lhe dizem respeito.
No fundo, apesar das traquinices, acabam por trazer alegria e movimentam o local onde estiverem. E de revistas aos quadradinhos não é tudo: havia um outro livrinho que também era vendido nas livrarias e tabacarias de Luanda e de outras capitais de província, que tinham dois protagonistas principais, Terence Hill (Trinitá) e Bud Spencer (Bambino).
Dos dois só me lembro do nome de um deles, do mais “boelo”, que era o “Rabietas” e tinha um nariz enorme. Era tão parvo, que o outro tirava sempre vantagem sobre si.
Naqueles livrinhos, (os primeiros) os desenhos animados eram a cores e serviam de animação e eram motivo de felicidade para a garotada daquele tempo. E eram mais preferidos pelos rapazes. Já as meninas tinham como preferência as foto-novelas, com muitos romances à mistura; as revistas Maria, e de alta costura: as Burdas.
Como muitos de nós não tínhamos dinheiro para comprar os tais livros, recorríamos a empréstimos a outros colegas cujos pais, mais abastados, tinham possibilidade de adquiri-los. E a “coisa” funcionava assim, numa plena camaradagem e entendimento, harmonia e fraternidade entre nós. Não importando a cor da pele. Se negros, brancos ou mulatos.
Algumas delas também liam aqueles livros mais utilizados por rapazes. Eram as tais “Maria-rapaz”, que também faziam brincadeiras mais propensas aos meninos. Do tipo trepar em árvores para colher frutas, jogar a bola, entre outras traquinices. Algumas delas até lutavam com rapazes, quando fossem insultadas. Bons tempos em que éramos felizes e não sabíamos.