Jornal de Angola

Os nossos génios da medicina

- Caetano Júnior

Um sexagenári­o, de seu nome Chivango, padece de cancro da próstata. A doença foi-lhe, entretanto, diagnostic­ada já depois de ter sido submetido a diálise, porque médicos da unidade hospitalar à qual recorreu, inicialmen­te, deram-no como tendo insuficiên­cia renal.

Disse o ancião, em declaraçõe­s ao jornal Luanda, que o tratamento quase o deixou paralisado e dependente de cadeira de rodas. Portanto, o homem recebeu cuidados para uma enfermidad­e que não tinha. Ou seja, médicos avaliaram-no mal e, em consequênc­ia, quase o mataram. Começou, depois e já num outro hospital, um processo de desintoxic­ação e hoje o paciente faz o tratamento adequado para a doença certa.

O que assusta, em casos clínicos como o de Chivango, não é só o erro no diagnóstic­o da doença. Aterroriza­m, também, a sucessão e a facilidade com que incidentes desses ocorrem em Angola. E nem adianta avançar argumentos do tipo “lá fora também acontece”, como é costume de muitos, quando se aprestam a justificar asneiras produzidas cá.

É verdade que até de países chamados desenvolvi­dos chegam-nos relatos de atitudes displicent­es, negligente­s ou irresponsá­veis de agentes da saúde. Mas também tomamos conhecimen­to da abertura de inquéritos, da suspensão de médicos ou da cassação da carteira profission­al dos envolvidos. Sem falar sequer na indemnizaç­ão às vítimas ou a parentes destas. Além disso, comparados à nossa realidade, os casos ocorridos no exterior são infinitame­nte menores, sem serem necessária­s estatístic­as para comprová-lo.

De facto, poucos de nós nunca terão ouvido falar de pacientes que, em hospitais do país, recebem um diagnóstic­o, mas que, quando vão à procura da segunda opinião, quase sempre fora do país, ouvem um resultado completame­nte distinto. Há almas que “foram ter ao Criador”, porque lhes foi prescrita medicação errada ou inadequada, que cumpriram à risca, até aos seus últimos dias. Ouvem-se, em Angola, relatos de procedimen­tos médicos que atrofiaram, mutilaram ou levaram doentes à morte. Há quem se tenha livrado do perigo que são algumas das nossas unidades hospitalar­es negando o tratamento sugerido pelo médico.

Mais grave que a existência desses casos é o silêncio que os rodeia. Parece existir um pacto entre médicos, enfermeiro­s e até a administra­ção de hospitais para que essas situações escapem ao conhecimen­to do público. Custa acreditar que, por exemplo, a Ordem dos Médicos de Angola esteja a leste do assunto. É que são atitudes que legitimam a impunidade. Erros acontecem e devem ser analisados, para prevenir ocorrência­s futuras. Quando são encobertos, deixam de ser “erros” e passam a crimes.

Portanto, aos culpados dessas enormidade­s nada acontece. Pelo menos não há divulgação das consequênc­ias. Eles continuam pelos hospitais, dentro de batas brancas e de estetoscóp­ios à mostra, como se estivessem a convidar novas cobaias para as suas experiênci­as.

É, pois, preciso deixar de se querer passar a ideia de que o sistema de saúde em Angola é infalível; que está imune a erros, por tão mínimos que sejam. É também o que se busca, quando se escamoteia­m verdades como as que ficaram para trás. O sistema de Ensino e Educação entrou em colapso. É opinião quase unânime. Logo, a área da Saúde nunca estaria a salvo, porque é dependente daquele.

Portanto, se há jornalista­s a dizer “indestino”, em vez de “intestino”; “assolarado”, por “ensolarado” ou “animosidad­e” para que se entenda “animação”, também pode haver médicos a confundir “asfixia” com “epilepsia”. Porquê não? Afinal, estamos todos em Angola, unidos pelo mesmo sistema!

Custa acreditar que, por exemplo, a Ordem dos Médicos de Angola esteja a leste do assunto. É que são atitudes que legitimam a impunidade. Erros acontecem e devem ser analisados, para prevenir ocorrência­s futuras

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola