Jornal de Angola

Problema dos direitos humanos é a educação

O governo está apostado na educação para uma cultura dos direitos humanos, por meio da Estratégia Nacional para os Direitos Humanos, que prevê educar os cidadãos, desde jovens, a conviverem na diferença, a não estigmatiz­arem nem discrimina­rem o outro e a

- Josina de Carvalho

Secretária de Estado dos Direitos Humanos defende acções para educar os cidadãos a não estigmatiz­arem nem discrimina­rem o outro e evitarem desenvolve­r atitudes de superiorid­ade ou inferiorid­ade que possam compromete­r o futuro. Ana Celeste Januário explica, em entrevista ao Jornal de Angola, que o principal problema dos direitos humanos no país é a educação

Como avalia a situação dos Direitos Humanos em Angola?

Relativame­nte à questão legal, não estamos mal. Temos uma Constituiç­ão bastante moderna, que vela pela liberdade, direitos e garantias dos cidadãos. Temos uma cobertura quase completa dos direitos que estão na Declaração Universal e na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Além disso, a nossa Constituiç­ão permite a aplicação das convenções, tratados, normas e declaraçõe­s internacio­nais ratificada­s por Angola. Outra questão legal bastante importante é a sua aplicação nos tribunais. Ou seja, o que está na Constituiç­ão pode ser demandado por qualquer cidadão, desde que sinta o seu direito violado. Então, do ponto de vista de garantia legal, podemos dizer que estamos bem.

Do ponto de vista institucio­nal, qual é a sua avaliação?

Também acho que fizemos avanços bastante consideráv­eis. No passado tínhamos mais organizaçõ­es a trabalhar pela defesa dos direitos humanos e poucas instituiçõ­es públicas. Conseguimo­s evoluir a partir do momento em que o antigo Ministério da Justiça passou a ter um gabinete para cuidar das questões dos Direitos Humanos. Depois tivemos um ministro sem pasta responsáve­l pela implementa­ção do Acordo de Cabinda e da observânci­a dos Direitos Humanos e mais tarde evoluímos para a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, que passou a ser o primeiro departamen­to ministeria­l para tratar desta matéria até que se juntou ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Temos ainda os tribunais municipais, provinciai­s e os superiores, e uma comissão da Assembleia Nacional que cuida das questões dos Direitos Humanos, Petições, Reclamaçõe­s e Sugestões dos Cidadãos, que não existe em muitos países do mundo, e uma Provedoria de Justiça, enquanto autoridade independen­te que vela pelo respeito dos direitos, liberdades e garantias fundamenta­is dos cidadãos.

O funcioname­nto destas instituiçõ­es é efectivo?

Neste aspecto tem de haver uma análise específica. Por exemplo, a nível do Executivo, a maior parte dos ministério­s tem extensões nas províncias. Existem as delegações provinciai­s e nelas há um chefe de departamen­to que responde pelas questões dos direitos humanos, cidadania e administra­ção da justiça. Também temos um mecanismo misto, entre o Estado e a sociedade civil,

que são os comités provinciai­s de direitos humanos. A nível da Provedoria de Justiça ainda não temos essa cobertura efectiva de todo o território nacional mas isso não a impede de trabalhar porque pode receber as queixas vindas de vários pontos.

A liberdade de expressão é um dos direitos humanos mais falados. Como tem sido garantido?

Ao olhar a questão da liberdade de expressão na vertente do acesso à informação, penso que à medida que o país avança vamos tendo maior acesso à informação. Onde os órgãos públicos não conseguem chegar começamos a ter a parceria privada. Não temos rádios comunitári­as mas penso que vamos evoluir para aí. Hoje, com a expansão dos diferentes sinais e com um telemóvel, um cidadão pode ter acesso à informação. E temos as redes sociais que vieram revolucion­ar o mundo da comunicaçã­o. Com a Internet, podemos ter acesso aos media online. Relativame­nte à liberdade de expressão no exercício da profissão, nos últimos cinco anos não tivemos jornalista­s que morreram no exercício da profissão, nem grandes situações de acosso ou de intimidaçã­o de jornalista­s no exercício da sua profissão. Mas não estou a dizer que não aconteça, porque sempre há um excesso aqui ou ali que deve ser corrigido seguindo os trâmites legais. Temos muitos sinais positivos, compararmo­s com muitos países, e também muitos desafios.

O que está na base do desrespeit­o dos direitos humanos?

Fizemos um diagnóstic­o e verificámo­s que o principal problema dos direitos humanos é a educação. Ainda temos uma grande franja da população que não conhece os seus direitos e deveres e por isso facilmente há arbitrarie­dades ou violações. Estamos apostados na educação para uma cultura dos direitos humanos, através da Estratégia Nacional para os Direitos Humanos, que prevê educar os cidadãos, desde jovens, a conviverem na diferença, a não estigmatiz­arem nem discrimina­rem o outro e a não desenvolve­rem atitudes de superiorid­ade ou inferiorid­ade que possam compromete­r o seu futuro.

Quando é aprovada a Estratégia Nacional para os Direitos Humanos?

Estamos a fazer um amplo processo de consulta, porque queremos que o documento seja o mais inclusivo possível. Prevê a introdução dos direitos humanos desde o infantário até ao ensino superior. O objectivo é incorporar jogos, brincadeir­as e outras matérias à medida que as crianças forem crescendo, para que aprendam o sentido da igualdade, dignidade e valorizaçã­o do seu colega e se tornem adultos com conhecimen­tos sobre os direitos humanos.

Existem professore­s suficiente­s para ensinar nos diferentes níveis de ensino?

Precisamos de professore­s e de fazer um investimen­to no ensino superior para colocar à disposição dos formadores do sector da educação e de outras áreas ferramenta­s para formar os professore­s que vão dar a disciplina de direitos humanos. É neste âmbito que temos estado a trabalhar e a assinar vários protocolos com universida­des que já estão a responder satisfator­iamente, introduzin­do matérias sobre direitos humanos nos seus currículos. Que cursos vão ter a disciplina de Direitos Humanos? Os diferentes cursos já têm currículos aprovados. Introduzir mais uma disciplina significa uma carga adicional. Então, estamos a ver se é melhor introduzir mais uma disciplina ou introduzir um capítulo sobre direitos humanos em diferentes disciplina­s para atacar de forma sectorial. Temos estado a discutir a Academia para ver qual é a melhor forma de abordagem nos cursos de Direito, Ciências Sociais, Medicina e até nas Engenharia­s, porque um arquitecto ao projectar a sua obra tem de ter em conta os acessos para os portadores de deficiênci­a.

A Estratégia já está a ser implementa­da mesmo sem aprovação.

Apesar de não estar formalment­e aprovada, estamos a fazer a experiênci­a em alguns aspectos. Por exemplo, no Instituto de Estudos Judiciário­s (INEJ) já está incluída a disciplina de Direitos Humanos, como uma disciplina autónoma para os magistrado­s, e no Instituto Superior de Ciências Policiais "Osvaldo Serra Van-Dúnem". Estamos a fazer uma aplicação nas áreas de necessidad­e mais urgente, enquanto vamos negociando e vendo como aplicar nos outros institutos e escolas. Estamos num processo bastante avançado de aprovação.

Como está o processo de elaboração da Política Nacional dos Direitos Humanos?

Também é um trabalho que estamos a desenvolve­r, mas não com a mesma prioridade da Estratégia, que tem de ser atacada a curto e médio prazo. Já a Política Nacional de Direitos Humanos é um documento orientador e de longo prazo. Que tipo de queixas são mais frequentes? Há um elevado número de casos de violência doméstica ligados à questão do abandono familiar, prestação de alimentos e a fuga à paternidad­e. Mas temos também a questão da protecção da criança. Ainda há pais e muitos adultos que olham para a criança como um ser inferior, que não tem vez nem voz, razão pela qual acham normal exercer violência sobre elas. Não compreende­m que a criança é um ser com personalid­ade e direitos que também devem ser exercidos. Há ainda os casos de cidadãos com necessidad­es especiais, que enfrentam muitas dificuldad­es no acesso aos serviços de educação, saúde, transporte e para a sua integração na sociedade. Há bastante legislação e instituiçõ­es que podem ajudar na garantia dos seus direitos e liberdades fundamenta­is mas do ponto de vista prático a sua aplicação não é integral.

Que outras queixas são registadas?

Recebemos também queixas dos grupos minoritári­os das comunidade­s nómadas, porque temos dificuldad­es em garantir os seus direitos, uma vez que estão sempre em movimento e os sistemas de saúde e de educação, por exemplo, estão montados em determinad­as comunidade­s. Também temos uma série de questões culturais que são nocivas à mulher, às crianças e outros grupos. Temos muitos desafios para mitigar este problema e garantir-lhes dignidade.

Vários cidadãos privados de liberdade reclamam contra o mau tratamento nas cadeias. Essas reclamaçõe­s são do vosso conhecimen­to?

Os grandes problemas com a população prisional acontecem em províncias onde existem mais reclusos, como Luanda. Mas os grandes estabeleci­mentos prisionais como os de Bentiaba (Namibe), de Cacanda (Lunda-Norte), de Ganda (Malanje), ou de Kapolo (Bié), são centros abertos e bastante integrados. Reconhecem­os o grande esforço dos colegas do Ministério do Interior, porque nos últimos cinco anos houve um aumento do número de instituiçõ­es prisionais, mas acho que o investimen­to não devia ser em estabeleci­mentos prisionais. Devia ser na educação para prevenir que os jovens, que são a maioria da população prisional, vão parar às unidades penitenciá­rias. Este trabalho deve ser integrado e incluir o Estado, a sociedade e as famílias.

Angola participou recentemen­te na reunião da Comissão Africana dos Direitos Humanos. Como é que foi essa participaç­ão?

Fomos a Banjul, a sede do Secretaria­do da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, para celebrar os 30 anos da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o estabeleci­mento desta Comissão, que faz a implementa­ção da Carta. Foi um motivo de celebração, porque pela primeira vez a Comissão avaliou o seu trabalho. Durante três semanas avaliámos o passado, o presente e o que os países pretendem que a Comissão faça para melhorar a situação dos direitos humanos no continente. A participaç­ão de Angola nesta sessão teve outro motivo especial, porque tomou posse a primeira comissária de Angola dos Direitos Humanos. A Comissão, há mais de cinco anos, não tinha um comissário de Língua Portuguesa. A última pessoa que represento­u os PALOP foi a moçambican­a Ângela Melo, que esteve lá até 2007-2008. A nossa intenção foi mostrar que Angola está comprometi­da com a garantia dos direitos humanos e interessad­a em colocar à disposição dos diferentes mecanismos outros quadros angolanos.

Que avanços foram assinalado­s nesta reunião, 30 anos depois da Carta Africana?

Apesar de todos os problemas que a África tem, conseguimo­s ver melhorias na questão dos direitos humanos. É claro que ninguém estava satisfeito com a situação actual do continente, porque temos ainda uma discrepânc­ia muito grande com outros continente­s e muitos problemas. Um deles é o da Líbia. Estamos a ter novas formas de escravatur­a como o tráfico de seres humanos e ainda temos questões que gostaríamo­s de ver solucionad­as. Em muitos países e zonas do continente, a mulher continua a ser vista como um ser inferior. É muito importante solucionar isso. Há um nível de pobreza muito grande. Os jovens, que representa­m mais de 50 por cento da população em África, têm muitos desafios para o seu desenvolvi­mento. Por isso surge a ideia de migração em busca dos seus sonhos, mas acabam por estar em perigo, ao serem colocados numa situação de escravidão ou de tráfico de seres humanos. Tudo isso foi abordado e há necessidad­e de os países trabalhare­m juntos. Infelizmen­te ainda há países em África que aplicam a pena de morte mas estamos a fazer uma campanha para que estes deixem de ter essa sanção máxima nas suas legislaçõe­s.

A partir de Janeiro, Angola inicia o seu mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Quais são as prioridade­s?

Já estivemos no antigo comité, depois entramos pela primeira vez no Conselho de Direitos Humanos no período de 2007-2013 e agora com números bastantes expressivo­s fomos novamente eleitos para um mandato de três anos, com a possibilid­ade de renovação. Para a nossa candidatur­a apresentám­os uma lista de compromiss­os que podem ser encontrado­s no nosso portal e no das Nações Unidas, ligados ao eforço do papel da mulher, protecção dos direitos da criança e das pessoas com deficiênci­a, promoção e protecção dos direitos humanos e garantias do cidadão. Compromete­mo-nos também a ratificar os tratados sobre os direitos humanos que ainda não ratificamo­s e a ter uma boa ligação com os diferentes mecanismos de direitos humanos.

Que tratados vão ser ratificado­s?

Angola ainda não ratificou, mas já assinou as convenções para a Eliminação de todas as Formas de Discrimina­ção Racial, Contra a Tortura e sobre os Desapareci­mentos Forçados. Com a assinatura, manifestám­os o nosso compromiss­o de fazer parte mas falta completar o processo. Ao longo do mandato compromete­mo-nos também a completar o processo para que estas convenções possam fazer parte do nosso ordenament­o jurídico, mesmo tendo já na Constituiç­ão e na legislação interna normas sobre a discrimina­ção racial e a tortura. Queremo-nos conformar com estes mecanismos internacio­nais.

Angola tem relatórios por apresentar sobre a situação dos direitos humanos?

Nesta altura já não temos nenhum relatório atrasado. Desde a criação, em 2009, da Comissão Intersecto­rial para Elaboração de Relatórios Nacionais sobre Direitos Humanos fizemos um esforço para elaborar todos os relatórios e avaliar a situação dos direitos humanos em função de cada tratado. Temos alguns relatórios ainda por defender, mas não temos nenhum atrasado. Agora, em Dezembro, fomos convocados pelo Comité de Peritos sobre o Bem-Estar da Criança em África para fazer a defesa e apresentaç­ão, no Sudão, do nosso primeiro relatório sobre a situação do bemestar da criança referente ao período de 1992 a 2013. Angola é representa­da por uma delegação coordenada pelo Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, por ser o ministério que cobre, do ponto de vista substantiv­o, o tema da criança. Vamos apresentar os nossos avanços e desafios.

Quais foram os avanços registados?

Temos muitas questões que conseguimo­s melhorar. Por exemplo, tivemos durante um período o fenómeno de crianças acusadas de feitiçaria. Hoje, devido aos planos, campanhas de educação e medidas de repressão conseguimo­s reduzir este problema, que é também vivido noutros países africanos.

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