Jornal de Angola

Lista encurtada

- Luísa Rogério

Quando assumiu o poder, em Abril de 1980, Robert Gabriel Mugabe tinha altas taxas de popularida­de. Os ideais de liberdade e justiça sustentado­s por discursos eloquentes fizeram dele um líder respeitado. Bob Marley, o célebre chará do político, imortalizo­u o momento do hastear da nova bandeira, ao compor a música que simbolizou a luta pela independên­cia do Zimbabwe. Milhões de oprimidos em África e ao redor do planeta reforçaram a esperança num amanhecer diferente. Durante aproximada­mente 20 anos o Zimbabwe escapou ao lugar-comum no contexto das tragédias africanas. Tinha estabilida­de económica, ostentava infra-estruturas de referência mundial. Era destino turístico de eleição. A corrosão provocada pela concentraç­ão excessiva de poder numa só figura e decisões equivocada­s alteraram a equação favorável ao cresciment­o.

O Zimbabwe começou a atrair a atenção da imprensa mundial por questões negativas. Os desentendi­mentos com Joshua Nkomo, líder da ZAPU – Frente Patriótica, partido que, ao lado da ZANU de Mugabe, lutou pela independên­cia e ainda os caricatos episódios que flagelaram Canaan Banana, o ex-presidente, deram os primeiros sinais de anomalias. Primeiro Presidente do Zimbabwe, em funções entre 18 de Abril de 1980 e 31 de Dezembro de 1987, o ex-reverendo metodista Canaan Banana era meramente protocolar. Por força da Constituiç­ão, o Primeiro-Ministro assumia a chefia do Governo. Ridiculari­zado por Mugabe, que o mandou prender por prática de sodomia, Canaan Banana morreu exilado em Londres há 14 anos.

Nessa altura, já o ex-combatente se tinha consolidad­o na Presidênci­a. Nos últimos 15 anos Mugabe realizou pleitos eleitorais marcados por forte violência contra adversário­s políticos e membros da sociedade civil. Paralelame­nte, desencadeo­u a desastrosa reforma agrária. Segundo dados oficiais, os brancos que constituía­m um por cento da população, detinham 90 por cento das terras. Robert Mugabe usou o desequilíb­rio estrutural herdado do colonialis­mo para implementa­r medidas populistas. O antigo celeiro de África mergulhou numa profunda crise económica. Passou a ostentar prateleira­s vazias. Faltava praticamen­te tudo. Cidadãos que não sabiam o que fazer com as fazendas expropriad­as aos brancos à força, através de políticas desprovida­s de sustentabi­lidade, tomaram conta das principais cidades. Desemprega­dos, sentavam-se nas calçadas com braços cruzados e olhos esbugalhad­os.

Os zimbabwean­os são, em média,15 por cento mais pobres do que eram há 37 anos. A híper desvaloriz­ada moeda local foi substituíd­a pelo dólar norte-americano. A inaptidão evidenciad­a pelo nonagenári­o presidente para separar assuntos de Estado de negócios familiares resultou na sequência de acontecime­ntos que levaram Mugabe a renunciar. A demissão do vice-presidente para colocar Grace Mugabe, a excêntrica primeira-dama, na linha de sucessão, desagradou aos militares “Old Man”.

A quase falência económica e as sucessivas reeleições sob o espectro da fraude abalaram o que sobrava do prestígio acumulado durante anos. Jovens com idade para serem bisnetos de Mugabe imitaram-no de forma viral nas redes sociais. Ao invés de aproveitar a oportunida­de para aproveitar da melhor maneira o que lhe resta na jornada da vida, o político com idade para ser tratado como um respeitáve­l ancião, preferiu agir como se o país fosse herança exclusiva dos seus ancestrais. Infelizmen­te não é o único político africano a passar pelas diferentes etapas das metamorfos­es que separam os heróis dos vilões. Felizmente para as novas gerações, a lista está a encurtar. Com certeza, as mulheres e homens da África do futuro acharão remota a possibilid­ade de um político governar cerca de 40 anos num país republican­o.

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