Jornal de Angola

Kalaf Epalanga lança auto-ficção sobre kuduro

Chegou a Lisboa em 1995. Kalaf Epalanga fez sucessos em palco, enquanto membro da banda Buraka Som Sistema. Hoje fora dos palcos, dedica-se à escrita. Lançou, em Lisboa, um romance

- Mwana Afrika | Lisboa

Porquê do título “Os brancos também sabem dançar”?

O título é inspirado no provérbio angolano que diz “Ó mundele uejia miimbu iauaba muene”, que na tradução directa do Kimbundu significa “O branco conhece boas cantigas também”. Gosto de pensar que os nossos ancestrais, imbuídos do mais nobre dos valores religiosos, queriam com esse ditado dizer "não devemos julgar ninguém pela aparência". Todos nós temos algo de valor para partilhar com o mundo. Ou, se quisermos, já que estamos a falar de literatura, não devemos julgar o livro pela capa.

Esta obra surge como um desafio, que era escrever uma biografia sobre o Kuduro?

Há uns dois anos, participei numa mesa redonda com o escritor José Eduardo Agualusa, no Rio de Janeiro, no Festival Back to Black. A conversa era sobre música. A minha carreira e, claro, sobre Kuduro. Quando me apercebi que a plateia sabia muito pouco sobre o género que Tony Amado criou, assim como o que se passava na música urbana feita em Luanda e Lisboa, vi-me obrigado a assumir uma postura didáctica e explicar tudo ao pormenor. No final, o Agualusa disse-me que deveria escrever a biografia do Kuduro. Gosto muito desse tipo de literatura; sou fã dos livros dos brasileiro­s Ruy Castro, Nelson Motta e Caetano Veloso. Mas, como tinha em mãos outro livro para terminar, senti que seria quase impossível voar até Luanda e entrevista­r todos os intervenie­ntes. Mas a ideia era boa demais para desistir. Então, pensei que, se contasse a história do kuduro, iria contá-la a partir do meu ponto de vista e o resultado é este que agora apresento. Espero ter feito justiça ao género e à música angolana, que é a minha maior fonte de inspiração.

Disse, numa entrevista recente, que o título quase foi “Cavaco Silva inventou o Kuduro” ou “Cavaco Silva inventou a Kizomba”. E isso teve muitas reacções nas redes sociais, tanto negativas quanto positivas. O que tem a dizer?

Convém ler isso com humor. Sim, quase foi esse, mas, como sabia que me seria revogada a minha cidadania angolana, optei por outro título. Ainda pensei em ter como título “Jean Claude Van Damme inventou o Kuduro”. Mas senti que o Tony Amado não iria perdoar-me nunca. Sempre gostei de títulos que despertam o debate. O meu primeiro volume de crónicas chamase “Estórias de amor para meninos de cor” e o segundo “O angolano que comprou Lisboa (por metade do preço)”. Embora soubesse que, tanto o Cavaco, quanto o Van Damme, fossem acordar a polémica, sabia que teria que escolher um que tivesse mais profundida­de. Em relação ao antigo presidente de Portugal, tenho a teoria de que a explosão da Kizomba deve-se, em parte, às políticas do Governo de Cavaco Silva (na altura Primeiro-Ministro), com o programa de erradicaçã­o das barracas que é designado de PER. Não foram políticas pacíficas e, até hoje, tanto os que ficaram de fora como os que foram abrangidos apontam as perversida­des do programa. No entanto, a música, a Kizomba e o Kuduro, encontrara­m espaço para germinar a partir daquela floresta de betão que chamamos de bairros sociais.

Acredita que a explosão e expansão da música africana pela Europa também se deveu, principalm­ente, à recepção do mercado português?

É inegável que Portugal tem um papel determinan­te no que diz respeito à implantaçã­o e difusão da música africana. Às vezes, não repara no óbvio, como no caso da Cesária Évora, que teve França como território principal. Mas no caso da Kizomba, desde os músicos e professore­s de dança, o passar por Portugal foi e é um passo determinan­te para a expansão da nossa cultura.

É um angolano que levantou a bandeira de Angola e do Kuduro além-fronteiras, rompendo preconceit­os. O que acha que falta para este estilo angolano deixar de ser marginaliz­ado?

A cultura é um valor nacional tão importante e necessário como os recursos naturais que alimentam a nossa economia. Logo, preservar, investir, divulgar trará sempre frutos.

Actualment­e, reside entre Lisboa e Berlim. Para quando a apresentaç­ão deste trabalho em Angola? Voltaria a viver em Angola?

Já lancei o repto aos meus editores. Espero que o lançamento do livro em Angola seja para breve. E sim, voltar a viver em Angola, agora que deixei a vida dos palcos, está mais próximo. A minha relação com o tempo está bem mais saudável agora do que há 12 meses. “A cultura é um valor nacional tão importante e necessário como os recursos naturais que alimentam a nossa economia. Logo, preservar, investir, divulgar trará sempre frutos.”

O que acha do estado actual (político, social, económico e cultural) do país?

Eu estou optimista, como todo o angolano. Não quero ceder ao cepticismo, principalm­ente, ao cepticismo do angolano que vive fora. Sinto que está aqui uma oportunida­de para pensarmos que tipo de Angola queremos construir. Não só na esfera política, mas nós, enquanto sociedade. Existem valores que precisam de ser resgatados. O respeito, a solidaried­ade, a honestidad­e; valores que temos dentro de nós, mas que, na luta pela sobrevivên­cia, tendemos a esquecer e colocar um cifrão em cima e acima de tudo.

 ??  ??
 ??  ?? JAIMAGENS/FOTÓGRAFO
JAIMAGENS/FOTÓGRAFO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola