Incentivos ao egoísmo com apelos à concórdia
O Natal está à porta, mas o ambiente que anualmente o caracteriza há muito que é visível em praticamente todo o Mundo, com apelos insultuosos ao consumo e incentivos à desumanidade.
Todos os anos é assim. Entre nós e por esse Mundo fora. A data, inventada pelos cristãos para celebrar o nascimento do filho do Deus em que acreditam, congrega seguidores de todos os credos e divindades. É, no fundo, a maior “festa do economismo”. Sem ordem de trabalho, que não seja “gastar, gastar”. Em proveito próprio. Qual pensar nos que mais precisam!
A todos eles, nesta farra de egoísmo e egocentrismos, juntam-se agnósticos. Os sinceros, que vivem na dúvida constante, e os outros. Que neste caso, como em qualquer um, passam a vida em cima da corda bamba. Equilibrados pelos ventos do oportunismo. À espera de perceber para que lado lhes convém cair. A todos eles juntam-se ateus. Não os da boca para fora, mas os convictos. Guiados pela frieza racionalista.
O Natal está à porta. Na antecâmara - construída com pedras da hipocrisia - os apelos e incentivos desavergonhados à desumanidade entram-nos em casa pelos mais variados meios. Entre os quais sobressaem as televisões de todos os países. A mostrarem o que deve ser dado às crianças: jogos de Internet, vídeos, carros eléctricos, bonecas que andam, falam, riem, choram. Que os meninos pobres apenas vêem por trás dos vidros das montras nas quais encostam caras sem sorrisos, olhos sem brilho, mãozitas cheias de nada.
Os anúncios e as montras mostram igualmente as meninas e meninos sem sorrisos, nem brilho nos olhos e mãos cheias de nada que o Mundo é mau, a época de Natal não é tempo de fraternidade, paz e amor, mas de as agredir, lhes insultar a pobreza.
Nesta época de Natal, o adúltero há-de continuar a frequentar prostíbulos, o pedófilo - preferencialmente a coberto da noite e em viatura de vidros fumados - a circular pelas ruas das cidades e vilas à caça de presas fragilizadas pela vida. Bem como o corrupto, o ladrão, não o “pilha-galinhas”, mas o que se apodera do dinheiro que lhe foi confiado. E o utiliza como se fosse dele. Em fatiotas, jantaradas, viagens. Para ele, familiares e amantes.
Muitos deles - adúlteros, pedófilos, corruptos - hão-de ir à Missa do Galo. Porventura comungar “em nome de Cristo”. Quem sabe? Olhar o cálice erguido pelo padre a pensar nos vinhos, champanhes, uísques de marca que na hora da ceia vão enfiar pelas goelas abaixo. Depois, nas salas climatizadas, “decoradas a preceito” - com Árvores de Natal e tudo, pois então! - sentados em poltronas de cabedal compradas no estrangeiro, adormecem embalados por sonhos de nepotismo, corrupção, do dia-a-dia que lhes preenchem a vida.
Na mesma noite há casas sem nada para pôr na mesa. Mulheres e homens sem dinheiro que os corruptos lhes roubaram. Meninas e meninos sem sorrisos, nem brilho nos olhos, mãos cheias de nada a dormirem de barriga vazia. Talvez a sonharem com um Mundo melhor que jamais conheceram, mas que podem um dia ajudar a construir.
A poucos dias de mais um Natal, imagino uma ceia repartida entre dois Homens algo diferentes e tão iguais: Jesus Cristo e Karl Marx. Ambos com vidas curtas. Dedicadas a tentarem melhorar o Mundo. Idealizo a refeição num dos casebres que o segundo habitou. Recebe a visita acompanhado da mulher fidalga. Que abdicou de castelos e outras riquezas para seguir o companheiro de toda vida e dos poucos filhos que a morte não levou. O segundo aparece com a pecadora Madalena que antes o penteou e perfumou.
O pão é partido em partes iguais. O vinho não falta. Porque o comunista não aguenta mais de dois copos e Jesus Cristo conseguia fazê-lo com água.
O Natal, mais um, comemora-se dentro de dias, mas o ambiente que o envolve é já sentido há muito. Com apelos agressivos ao consumo, autênticos insultos à pobreza.