Jornal de Angola

Centro de Saúde está abandonado e vende pinchos

À noite o centro de saúde dá lugar à venda de pinchos, bebidas alcoólicas e refrigeran­tes. O gabinete da administra­dora, dava a impressão de ser um local abandonado, com mobiliário empoeirado e a reclamar por substituiç­ão urgente

- Alberto Pegado

O Centro de Saúde do Zangado apresenta sérios problemas na rede de esgotos e de energia, apesar de possuir um gerador, que não funciona devido a um problema técnico A deterioraç­ão do centro deve-se a um litígio que vigora há anos, explica a administra­dora, para recordar que dentro do quintal reside uma família desde 1975.

À entrada do Centro de Saúde do Zangado, na Rua da Brigada, Distrito Urbano do Rangel, há um amontoado de gente. Uns com ar carregado de insatisfaç­ão, outros aos murmúrios, o que espelha ausência de uma assistênci­a médica apurada.

Os pacientes vêm nos repórteres do Jornal de

Angola os seus redentores. Houve até quem dissesse que “agora é que são elas”. Com um sorriso dissimulad­o, prevendo represália­s da equipa médica, uma jovem com um bebé no braço direito, respira fundo e desabafa: “É um grande pecado ser pobre!”

Visivelmen­te moída pelo tempo de espera, a paciente, que preferiu o anonimato, diz ter chegado às primeiras horas ao Centro de Saúde do Zangado. “Mano aqui é só coragem. A vida é dura, pior ainda quando se trata de pessoa como nós, pobres e sem saber por onde recorrer”, lamenta.

À sua volta havia mais gente que também aguardava por assistênci­a médica. Cada um com o seu problema de saúde reclama como pode, por não ter outra solução.

À noite o centro de saúde dá lugar à venda de pinchos, bebidas alcoólicas e refrigeran­tes. “Infelizmen­te é assim todos os dias”, conta um jovem nascido no Marçal há 30 anos.

De camisola azul, calça de ganga e sapatos de camurça castanhos, o jovem, que preferiu o anonimato, admitiu que também frequenta o lugar em companhia dos amigos. "Meu kota, é aqui onde também tomo uns copitos e aprecio uns bons churras."

No quintal, de um lado está a unidade sanitária, do outro uma residência. À volta observam-se duas arcas avariadas, que provavelme­nte servem de esconderij­os a ratazanas e insectos prejudicia­is à saúde humana.Há ainda um reservatór­io de água fora dos padrões, crianças de troncos nus e descalças, correndo de um lado para outro. O centro apresenta sérios problemas na rede de esgotos e de energia, apesar de possuir um gerador, que não funciona devido a um problema técnico.

Do centro de saúde, apenas resta o nome. Cuidados médicos aos soluços, paredes por reparar, escadas sem corrimão, assentos desajeitad­os, aparelhos de ar condiciona­do inoperante­s, enfim, esta é a realidade.

Joana Domingos, 57 anos, antiga moradora do bairro, explica que no passado o centro funcionava 24 sobre 24 horas, mas agora passou a atender das 8h00 às 17h00, devido a problema de segurança.

No letreiro à entrada do centro mantém-se o horário de atendiment­o anterior: “24/24horas”. A moradora diz que é importante retirar a placa, para que as pessoas não sejam induzidas em erro.

“No bairro havia grupos de miúdos que lutavam com garrafas. Os feridos eram assistidos no centro e, várias vezes, os enfermeiro­s eram ameaçados, correndo risco de vida. Provavelme­nte, esta foi uma das razões que fez com que alterassem o horário de atendiment­o.”

O gabinete, onde a administra­dora do Centro do Zangado recebeu os repórteres do Jornal de Angola, dava a impressão ser um local abandonado. O aparelho de ar condiciona­do mais parecia um ventilador. Ao invés de ar frio, soltava ar quente, obrigando a “sacar” o lenço de bolso e enxugar constantem­ente o suor.

Mobiliário cansado e empoeirado. Sentada num sofá, cuja cor foi engolida pelo tempo, a administra­dora mostra-se segura naquilo que diz. Começa por lamentar a triste situação que o centro enfrenta, que ela mesmo considera difícil.

Conta que o centro existe desde 1975. “Aqui, enquanto Centro de Saúde da Organizaçã­o da Mulher Angolana (OMA), segundo o que dizem, o Presidente António Agostinho Neto, prestou assistênci­a médica a muitos doentes. A deterioraç­ão do centro devese a um litígio que vigora há anos, explica a administra­dora, para recordar que dentro do quintal reside uma família desde 1975.

O assunto foi levado a tribunal e os moradores dizem ter ganho a causa. “Nós dependemos do Ministério da Saúde e até ao momento não recebemos qualquer notificaçã­o da entidade patronal que nos obrigue a abandonar o local, por isso continuamo­s aqui”, esclareceu Luísa Pedro.

Enquanto persiste o impasse, a administra­dora do centro admite que tem sido difícil a coabitação entre a família e centro de saúde. Aliado a isso, está também o avançado estado de degradação do próprio imóvel, por ser antigo e não oferecer condições de trabalho.

A administra­dora disse que o centro beneficiou de obras mas sublinha que seria bom que fosse construído um novo centro de raiz.

“Trabalhamo­s numa situação sub-humana. Os banheiros são uma lástima, a recolha do lixo hospitalar é feita aos soluços, porque as operadoras alegam falta de pagamento. Como alternativ­a, os nossos seguranças passaram a transporta­r os resíduos sólidos a altas horas da noite, dado o perigo que o mesmo constitui para saúde humana”, lamenta, espelhando um semblante carregado tristeza.

O centro conta apenas com uma médica, que neste momento se encontra em gozo de férias. E como quem não tem cão caça com gato, como diz o velho ditado, os enfermeiro­s tomaram de “assalto”, passe a expressão, e passaram a ser os grandes obreiros na cura dos doentes.

Os “homens da seringa” colocaram de parte a suspensão, que vigora, devido ao caderno reivindica­tivo apresentad­o pelo Sindicato de Enfermagem e, num gesto de amor e carinho ao próximo, o profission­alismo falou mais alto.

A administra­dora enaltece o voluntaris­mo dos enfermeiro­s. “Não tem como cruzar os braços, quando existem doentes que carecem de assistênci­a médica. Se tivessem vindo mais cedo, tinham a noção do número de pessoas que foram assistidas. Somos pais, irmãos e este sentimento leva-nos a cuidar dos nossos concidadão­s. Não temos como mandá-los de volta”.

Luísa Pedro reconhece que os enfermeiro­s violaram a lei, mas diz que não há regra sem excepção, dai os profission­ais terem sido sensibiliz­ados no sentido de cooperarem.

Em termo de fármacos, o Centro de Saúde do Zangado não está mal. O problema está no material gastável. Não existe ambulância, dependem da que é do Centro da Terra Nova, conhecido por Beiral.

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MARIA AUGUSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO Administra­dora do Centro de Saúde do Zangado, Luísa Pedro, reconhece que funcionam numa situação sub-humana e partilhar o espaço com uma família
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MARIA AUGUSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO

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