Centro de Saúde está abandonado e vende pinchos
À noite o centro de saúde dá lugar à venda de pinchos, bebidas alcoólicas e refrigerantes. O gabinete da administradora, dava a impressão de ser um local abandonado, com mobiliário empoeirado e a reclamar por substituição urgente
O Centro de Saúde do Zangado apresenta sérios problemas na rede de esgotos e de energia, apesar de possuir um gerador, que não funciona devido a um problema técnico A deterioração do centro deve-se a um litígio que vigora há anos, explica a administradora, para recordar que dentro do quintal reside uma família desde 1975.
À entrada do Centro de Saúde do Zangado, na Rua da Brigada, Distrito Urbano do Rangel, há um amontoado de gente. Uns com ar carregado de insatisfação, outros aos murmúrios, o que espelha ausência de uma assistência médica apurada.
Os pacientes vêm nos repórteres do Jornal de
Angola os seus redentores. Houve até quem dissesse que “agora é que são elas”. Com um sorriso dissimulado, prevendo represálias da equipa médica, uma jovem com um bebé no braço direito, respira fundo e desabafa: “É um grande pecado ser pobre!”
Visivelmente moída pelo tempo de espera, a paciente, que preferiu o anonimato, diz ter chegado às primeiras horas ao Centro de Saúde do Zangado. “Mano aqui é só coragem. A vida é dura, pior ainda quando se trata de pessoa como nós, pobres e sem saber por onde recorrer”, lamenta.
À sua volta havia mais gente que também aguardava por assistência médica. Cada um com o seu problema de saúde reclama como pode, por não ter outra solução.
À noite o centro de saúde dá lugar à venda de pinchos, bebidas alcoólicas e refrigerantes. “Infelizmente é assim todos os dias”, conta um jovem nascido no Marçal há 30 anos.
De camisola azul, calça de ganga e sapatos de camurça castanhos, o jovem, que preferiu o anonimato, admitiu que também frequenta o lugar em companhia dos amigos. "Meu kota, é aqui onde também tomo uns copitos e aprecio uns bons churras."
No quintal, de um lado está a unidade sanitária, do outro uma residência. À volta observam-se duas arcas avariadas, que provavelmente servem de esconderijos a ratazanas e insectos prejudiciais à saúde humana.Há ainda um reservatório de água fora dos padrões, crianças de troncos nus e descalças, correndo de um lado para outro. O centro apresenta sérios problemas na rede de esgotos e de energia, apesar de possuir um gerador, que não funciona devido a um problema técnico.
Do centro de saúde, apenas resta o nome. Cuidados médicos aos soluços, paredes por reparar, escadas sem corrimão, assentos desajeitados, aparelhos de ar condicionado inoperantes, enfim, esta é a realidade.
Joana Domingos, 57 anos, antiga moradora do bairro, explica que no passado o centro funcionava 24 sobre 24 horas, mas agora passou a atender das 8h00 às 17h00, devido a problema de segurança.
No letreiro à entrada do centro mantém-se o horário de atendimento anterior: “24/24horas”. A moradora diz que é importante retirar a placa, para que as pessoas não sejam induzidas em erro.
“No bairro havia grupos de miúdos que lutavam com garrafas. Os feridos eram assistidos no centro e, várias vezes, os enfermeiros eram ameaçados, correndo risco de vida. Provavelmente, esta foi uma das razões que fez com que alterassem o horário de atendimento.”
O gabinete, onde a administradora do Centro do Zangado recebeu os repórteres do Jornal de Angola, dava a impressão ser um local abandonado. O aparelho de ar condicionado mais parecia um ventilador. Ao invés de ar frio, soltava ar quente, obrigando a “sacar” o lenço de bolso e enxugar constantemente o suor.
Mobiliário cansado e empoeirado. Sentada num sofá, cuja cor foi engolida pelo tempo, a administradora mostra-se segura naquilo que diz. Começa por lamentar a triste situação que o centro enfrenta, que ela mesmo considera difícil.
Conta que o centro existe desde 1975. “Aqui, enquanto Centro de Saúde da Organização da Mulher Angolana (OMA), segundo o que dizem, o Presidente António Agostinho Neto, prestou assistência médica a muitos doentes. A deterioração do centro devese a um litígio que vigora há anos, explica a administradora, para recordar que dentro do quintal reside uma família desde 1975.
O assunto foi levado a tribunal e os moradores dizem ter ganho a causa. “Nós dependemos do Ministério da Saúde e até ao momento não recebemos qualquer notificação da entidade patronal que nos obrigue a abandonar o local, por isso continuamos aqui”, esclareceu Luísa Pedro.
Enquanto persiste o impasse, a administradora do centro admite que tem sido difícil a coabitação entre a família e centro de saúde. Aliado a isso, está também o avançado estado de degradação do próprio imóvel, por ser antigo e não oferecer condições de trabalho.
A administradora disse que o centro beneficiou de obras mas sublinha que seria bom que fosse construído um novo centro de raiz.
“Trabalhamos numa situação sub-humana. Os banheiros são uma lástima, a recolha do lixo hospitalar é feita aos soluços, porque as operadoras alegam falta de pagamento. Como alternativa, os nossos seguranças passaram a transportar os resíduos sólidos a altas horas da noite, dado o perigo que o mesmo constitui para saúde humana”, lamenta, espelhando um semblante carregado tristeza.
O centro conta apenas com uma médica, que neste momento se encontra em gozo de férias. E como quem não tem cão caça com gato, como diz o velho ditado, os enfermeiros tomaram de “assalto”, passe a expressão, e passaram a ser os grandes obreiros na cura dos doentes.
Os “homens da seringa” colocaram de parte a suspensão, que vigora, devido ao caderno reivindicativo apresentado pelo Sindicato de Enfermagem e, num gesto de amor e carinho ao próximo, o profissionalismo falou mais alto.
A administradora enaltece o voluntarismo dos enfermeiros. “Não tem como cruzar os braços, quando existem doentes que carecem de assistência médica. Se tivessem vindo mais cedo, tinham a noção do número de pessoas que foram assistidas. Somos pais, irmãos e este sentimento leva-nos a cuidar dos nossos concidadãos. Não temos como mandá-los de volta”.
Luísa Pedro reconhece que os enfermeiros violaram a lei, mas diz que não há regra sem excepção, dai os profissionais terem sido sensibilizados no sentido de cooperarem.
Em termo de fármacos, o Centro de Saúde do Zangado não está mal. O problema está no material gastável. Não existe ambulância, dependem da que é do Centro da Terra Nova, conhecido por Beiral.