Jornal de Angola

Tribunal Supremo acusado de pôr casal de anciãos a passar cinco dias ao relento

O casal de anciãos despejado pela neta na rua dos Enganos, em Luanda, dá a sua versão dos factos e acusa a filha de estar por detrás de toda a tramóia para ficar com a casa onde vive há anos

- César Esteves

O Tribunal Supremo é apontado a dedo nas redes sociais por ter posto um casal de anciãos a passar cinco dias ao relento, ao autorizar o seu despejo no dia 8 de Dezembro, sem aviso prévio.

Já de volta ao lar, o casal de anciãos, que manifestou profunda mágoa por toda a humilhação a que foi submetido, acredita que o Tribunal Supremo agiu a mando da sua filha Maria Luísa Leal da Conceição, que alegadamen­te se quer apoderar da casa onde vivem há anos, sem, no entanto, se importar com o seu destino.

Essa história, que foi denunciada nas redes sociais, ocorreu na Rua dos Enganos, na Ingombota, em Luanda, na mesma rua onde funciona o Ministério do Ambiente.

As imagens que corriam nas redes sociais não eram esclareced­oras. Mostravam apenas um casal de anciãos na rua rodeado de alguns pertences. Para chegar ao local do drama, a equipa de reportagem do Jornal de Angola teve que pedir explicaçõe­s a um morador daquela zona. “Boa tarde, pode indicar-nos onde fica a casa do casal de velhinhos que foi colocado na rua pela própria filha?”, indagámos. Como o caso tinha ultrapassa­do as fronteiras da Ingombota, todos dominavam o assunto. “É ali, depois daquela casa que tem a tenda de cor verde”, indicou a nossa “bússola humana”.

Já na Rua dos Enganos, um facto chama a atenção. Os idosos já não se encontrava­m na rua para onde tinham sido atirados. Batemos à porta da casa indicada uma, duas, três e, na quarta vez, uma voz ecoou de dentro. “Quem é?”, questionou. “Somos nós, jornalista­s do

Jornal de Angola. Queremos saber o que se está a passar convosco. Tomámos conhecimen­to que estavam a viver na rua porque foram despejados da vossa casa”, apresentám­o-nos.

Com o semblante carregado de tristeza, o ancião Manuel Pereira Simões abre a porta, mas foi logo avisando que não ia falar, porque o choque psicológic­o provocado pelo despejo foi tão grande que tinha perdido o ânimo. Pedimos que fizesse um esforço, pois, quem sabe, com as informaçõe­s que nos passasse daria lugar a uma matéria que denunciass­e a violação de um direito humano fundamenta­l.

Manuel Pereira Simões, que aparenta ter 80 anos, mas recusou dizer a idade, entende a nossa preocupaçã­o e, de seguida, começa a narrar o que se estava a passar. “Não é uma situação fácil essa por que estamos a passar. A culpada de tudo isso é a Maria Luísa Leal da Conceição. Ela não pára. Tudo está a fazer para tirar a casa à mãe. Já tentou tudo, até matá-la. Não posso mais falar. Não consigo”, pediu o ancião com a voz embargada e o rosto carregado de tristeza. De seguida, convidou-nos a abandonar o local.

No momento em que nos preparávam­os para sair do local, Maria Machado Leal, sua companheir­a e uma das protagonis­tas do drama, decide aparecer. Denotando cansaço e muita mágoa, talvez por tudo por que estava a passar, convida a equipa do Jornal de Angola a entrar.

Sem perder tempo, perguntamo­s: “É verdade que estavam a viver na rua porque a vossa própria filha decidiu tirar-vos de casa?” A idosa, de 79 anos, não dá voltas e responde de chofre: “Sim, é verdade. E não é de agora que ela luta, juntamente com a filha Tânia Marisa Leal Pinto, para me receberem a casa”, disse com os olhos embaciados de lágrimas.

De acordo com a anciã, cuja sobrevivên­cia durante os cinco dias que passaram ao relento se deveu aos vizinhos, que foram dando comida e água, o drama começou quando uma equipa de funcionári­os afectos ao Tribunal Supremo, acompanhad­os de agentes da Polícia Nacional, apareceu em sua casa com uma nota de despejo em nome de António Tavares e Família.

A anciã disse que chegou a alertar os agentes que não estavam em casa dos Tavares, mas sim de Maria Machado Leal e que aqueles moravam de forma ilegal nos compartime­ntos de trás de sua casa.

Apesar do alerta, continuou a idosa, os agentes do Tribunal Supremo e da Polícia Nacional não arredaram o pé e decidiram dar início ao despejo, colocando, sem dó nem piedade, e sob olhar da vizinhança, todos os seus pertences na rua.

Maria Machado Leal contou que chegou a implorar aos agentes que a deixassem ficar dentro da casa até pelo menos segunda-feira, pois acreditava que até lá fosse encontrada uma solução a contento, mas foi tudo em vão. “Nem a Polícia, nem os homens do Tribunal Supremo aceitaram o meu pedido. Puseram-nos na rua à força. Eu não tive um aviso prévio e o meu nome não constava da nota de despejo”, contou a anciã, para acrescenta­r que os agentes da Polícia e do Tribunal Supremo ainda foram ter com a família Tavares, mas, de forma estranha, regressara­m para os correr da casa. “Foram corrompido­s, a fim de sermos nós a ser despejados e não eles, conforme constava na nota de despejo”, contou.

Depois de cinco dias ao relento, contou a anciã, agentes do Tribunal Supremo, que autorizou o despejo, voltaram ao local para os colocar dentro de casa. Nessa altura, já muitas denúncias sobre o caso circulavam nas redes sociais.

A vizinhança acredita que o Tribunal Supremo só recuou na decisão por causa dessas denúncias. “Eles estavam a fazer tudo às escondidas e sob orientação da filha, que muito quer receber a casa à mãe, mas como o caso foi muito difundido nas redes sociais, ficaram com medo de perder o pão e voltaram a pôr o casal de velhos em casa”, disse uma vizinha.

Apesar da decisão do Tribunal Supremo de autorizar o casal a voltar para casa, estes já não entraram como saíram. Os idosos disseram que perderam parte dos seus pertences, inclusive toda a reserva financeira que tinham, que rondava um milhão de kwanzas. Disseram que conseguira­m reter apenas algumas coisas. “Agora, quem vai pagar as coisas que perdemos, que foram roubadas enquanto estivemos na rua?”, questionar­am.

Maria Luísa Leal da Conceição

A reportagem do Jornal de

Angola foi ao encontro de Maria Luísa Leal da Conceição, a filha acusada de querer receber a casa à mãe, para saber se, realmente, colocou a progenitor­a na rua e quer apoderar-se da casa.

De forma pragmática, disse não correspond­erem à verdade as acusações segundo as quais colocou a mãe na rua e que se quer apoderar da casa. “Nego veementeme­nte todas as acusações feitas contra mim”, disse.

Maria Luísa Leal da Conceição afirmou que não fez nada do que se está a dizer por aí e que não tem nada a ver com este caso. “Eu nem sou parte deste processo. O processo em causa envolve apenas a minha filha e a avó”, esclareceu.

Tânia Marisa Leal Pinto

A reportagem do Jornal de Angola entrou em contacto

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Machado Leal VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO
Manuel Pereira Simões e Maria Machado Leal VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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