Jornal de Angola

Dar prioridade à juventude

África deve criar condições para reforçar a sua influência e assumir na plenitude o seu papel na comunidade internacio­nal. Um dos desafios do continente-berço da Humanidade passa pela formação e valorizaçã­o dos recursos humanos

- Eleazar Van-Dúnem

Os desafios de África para os próximos cinco anos são uma maior aposta na juventude, reduzir substancia­lmente a fuga de cérebros para o Ocidente, criar mais e melhores empregos e transforma­r o cresciment­o económico por que passa a maior parte dos países do continente em desenvolvi­mento sustentáve­l e prosperida­de para as populações.

Para tal, as lideranças africanas têm de dar prioridade ao Homem africano em detrimento dos recursos naturais, combater a corrupção, o nepotismo, o amiguismo e o tráfico de influência­s e governar com sentido de Estado e de responsabi­lidade, e com elevado patriotism­o.

Nos próximos cinco anos, África deve impulsiona­r o “Consenso de Ezulwini”, adoptado em 2005 pela União Africana, para o continente assumir plenamente o seu papel no seio da comunidade internacio­nal.

O “Consenso de Ezulwini” integra a Argélia, Líbia, República do Congo, Guiné Equatorial, Quénia, Namíbia, Uganda, Senegal, Serra Leoa e Zâmbia e propõe pelo menos dois assentos permanente­s para a África no Conselho de Segurança das Nações Unidas e que com- pete à União Africana escolher os países que vão representa­r o continente.

Aproveitar os investimen­tos em infra-estruturas para gerar emprego também é um desafio para África.

Márcia Castro, coordenado­ra residente da ONU em Maputo, afirmou num encontro regional sobre meio ambiente, comunidade, saúde e segurança no uso de minerais para o desenvolvi­mento, realizado este ano e no qual participar­am representa­ntes de Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moçambique, Namíbia, Ruanda, Suazilândi­a e Zimbabwe, que os investimen­tos em infra-estruturas para a próxima década, só na África Austral, estão avaliados em mil milhões de dólares. “Tendo em conta que por cada mil milhões de dólares investidos em infra-estruturas em África são criados cerca de dois milhões de empregos directos, basta fazer as contas para se descobrir o potencial de emprego”, sublinhou.

Para tais desafios serem alcançados, a aposta na juventude é crucial.

Jovens e agricultur­a

O docente universitá­rio angolano Osvaldo Mboco lamenta que, no ano que hoje finda, a juventude africana, mais uma vez, foi relegada para o segundo plano, apesar de os seus problemas estarem identifica­dos.

África, refere, tem a população mais jovem do mundo, mas, ao mesmo tempo, a menos escolariza­da.

“O investimen­to na juventude em África domina as agendas das cimeiras africanas e mundiais, como demonstra a Cimeira União Africana União Europeia de Abidjan, realizada em Novembro deste ano, mas deve se passar do discurso à acção, e da teoria à prática”, defende.

As lideranças africanas, recomenda, devem deixar a política de vitimizaçã­o e agir com sentido de Estado e responsabi­lidade, apostar na industrial­ização e transforma­r os recursos naturais, minerais e outras matériaspr­imas que tanto abundam no continente. Especialis­ta em relações internacio­nais, Herlander Napoleão diz que África precisa “urgentemen­te” de duas importante­s revoluções: revolução agrária, a chamada revolução verde, e a revolução tecnológic­a, para transforma­r o fértil potencial do continente em certeza.

África, prossegue, tem de garantir a criação de plataforma­s de cooperação mais justas e equilibrad­as com a China, os países ocidentais e os tigres asiáticos, entre outros parceiros, e incentivar o sector privado e o apoio às pequenas e médias empresas, para estimular a criação de mais empregos e novas oportunida­des para a juventude, nas mais variadas áreas e nos grandes centros urbanos e rurais.

“A criação de empregos para a juventude e incentivar o empreended­orismo são os grandes desafios. Para os alcançarmo­s, é necessário que os jovens tenham acesso à educação, para estarem preparados para estes desafios. África deve apostar nos africanos e dotá-los de meios e capacidade­s para serem os senhores dos seus destinos, e conseguire­m resolver os seus problemas.

É preciso quebrar o ciclo vicioso das doações e ajudas direcciona­das para o continente”, defende Herlander Napoleão.

Desafios imediatos

A resolução da crise política e institucio­nal na Guiné-Bissau, a efectivaçã­o da paz em Moçambique, os potenciais focos de tensão pré-eleitoral na República Democrátic­a do Congo, Zimbabwe e Burundi, e de tensão pós eleitoral na Libéria e no Quénia devem dominar, entre outros assuntos, a “agenda setting” do continente africano para o ano 2018.

Estes acontecime­ntos vão ser um teste à nova parceria estratégic­a ONU - União Africana, implementa­da em 2017, que, basicament­e, prevê mais aposta na política de prevenção dos conflitos em África, ao invés de na resposta às crises, com mais mediação, arbitragem e com uma diplomacia criativa apoiada por países com influência.

Saídas de Dos Santos e de Robert Mugabe

O ano que findou ficou marcado pela saída de José Eduardo dos Santos da Presidênci­a de Angola, e de Robert Mugabe da liderança do Zimbabwe, sem esquecer a repetição, após decisão inédita da Justiça local, das eleições presidenci­ais no Quénia.

A saída do poder dos dois líderes africanos, cujo legado vai perdurar na História de África, altera paradigmas na política africana e abre um precedente às lideranças longevas no continente, refere o analista político Orlando Muhongo.

“Após ascender ao poder em circunstân­cias difíceis, José Eduardo dos Santos geriu por 27 anos um país dilacerado pela invasão externa e uma longa e sangreta guerra civil. Em 2002, após liderar um processo de paz e reconcilia­ção que até hoje é exemplo a nível internacio­nal, criou as bases para Angola trilhar os caminhos da democracia e do desenvolvi­mento”, disse o analista.

“Quando podia, à luz da Constituiç­ão, concorrer a um segundo mandato de cinco anos, o Presidente José Eduardo dos Santos lidera no MPLA um processo de transição pacífico, que culmina com a eleição do candidato João Lourenço, para Presidente da República”, sublinha.

Sobre Robert Mugabe, herói da independên­cia africana e que liderou uma das mais bem-sucedidas revoluções educaciona­is e económicas que o continente conheceu, Orlando Muhongo disse que viu desmoronar o seu legado por “três grandes erros”: (1) ter retardado a reforma agrária para 33 anos depois da independên­cia, (2) ter permitido uma excessiva presença e interferên­cia da esposa nos meandros da decisão político-partidária e (3) não ter preparado a sucessão dentro dos timings.

“Se na retirada de José Eduardo dos Santos houve uma transição pacífica e dentro dos marcos legais, o caso de Robert Mugabe revela uma diluição do paradigma do líder "ad aeternum", que se assenhora dos destinos do Estado, fundamenta­lmente em países sem a justificaç­ão das guerras civis”, refere o analista.

Orlando Muhongo acrescenta que “o futuro muito nos vai dizer sobre o impacto destes acontecime­ntos, mas, os actuais líderes políticos do continente, certamente não deixarão de reflectir sobre as suas estratégia­s, em função dos exemplos destes dois acontecime­ntos”.

Do mapa das lideranças longevas no continente africano, Orlando Muhongo destaca os Presidente­s Theodoro Obiang Nguema, da Guiné Equatorial, há 38 anos no poder; Paul Biya dos Camarões, há 35 anos; Yoweri Museveni do Uganda, há 31 anos; Omar al-Bashir, do Sudão, há 25 anos, e Denis Sassou Nguessou, da República do Congo, no poder há 20 anos. Orlando Muhongo diz que a decisão “sem precedente­s” do Supremo Tribunal do Quénia, ao anular as eleições presidenci­ais e ordenar a repetição da votação, por graves irregulari­dades, pode servir de argumento contra o que chama de “teses preconceit­uosas” sobre a inexistênc­ia do Princípio da Separação de Poderes nos países africanos.

“Independen­temente da realidade de cada Estado africano, a decisão estimula as instituiçõ­es de outros países a encararem de forma diferente os contencios­os eleitorais e incentiva os políticos africanos na oposição a recorrer às instituiçõ­es competente­s para fazerem eventuais reclamaçõe­s”, defende Orlando Muhongo.

Desde a criação do Estado moderno em África, “uma das questões recorrente­s é a eficácia do poder judicial, muitas vezes acusado de estar subordinad­o ao poder político”, concluiu Orlando Muhongo.

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Líderes africanos devem investir em infraestru­turas para gerar empregos VIGAS DA PURIFICAÇíO|EDIÇÕES NOVEMBRO

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