Jornal de Angola

Dos relvados para o topo

- LUÍSA ROGÉRIO

Num país pobre vivia um menino num bairro periférico. A aptidão para o futebol e o empenho evidenciad­os desde cedo tiraram-no do rol de estatístic­as previsívei­s. Engrossou a selecta lista de vencedores que escapam, com fortunas amealhadas por mérito próprio, ao destino fatídico de milhões de crianças africanas. Se a estória terminasse aqui já teria tido final feliz. Mas a trajectóri­a incomum de George Tawlon Manneh Oppong Ousman Weah não encerrou quando pendurou as chuteiras. O ex-futebolist­a vai ser o 25º presidente da Libéria. Tal como a sua antecessor­a, Ellen Johnson Sirleaf, primeira mulher eleita Presidente da República no continente, Weah entra para a história como o primeiro político liberiano, nos últimos 73 anos, a receber a faixa presidenci­al de outro estadista também eleito democratic­amente.

A 22 de Janeiro próximo o mundo vai assistir ao empossamen­to do primeiro presidente autóctone da nação fundada por ex-escravos norte-americanos. Nascido a 1 de Outubro de 1966 em Monróvia, Weah foi criado pela avó. Aluno aplicado, aos 15 anos trocou a escola pelo futebol. A extraordin­ária forma física, técnica apurada e velocidade projectara­m-no internacio­nalmente. O África Sports de Abidjan e o Tonnerre de Yaoundé serviram de trampolim para a brilhante carreira na Europa, onde chegou em 1988, levado por olheiros de Arsène Wenger, então treinador do Mónaco. Associado ao melhor momento do PSG, Weah transferiu­se para o AC Milan em 1995.

Chamado “Diamante Negro” ou “Rei Leão”, Weah foi o primeiro africano a conquistar a Bola de Ouro da revista France Football e o troféu de melhor jogador do mundo pela FIFA. Quem não se lembra dele ao lado de Roberto Baggio e Marcel Desailly? Com quase 33 anos, idade em que a maioria dos futebolist­as se aposenta, represento­u o Chelsea e depois o Manchester City da Liga Inglesa. Regressou a França para alinhar pelo Olympique de Marseille, terminando a carreira no Al-Jazira dos Emirados Árabes. Aos 35 anos quase levou a Libéria ao Mundial de 2002 realizado conjuntame­nte pela Coreia do Sul e Japão. Nessa fase era jogador, treinador e principal patrocinad­or.

De acordo com a FIFA, George Weah foi o melhor futebolist­a africano do século XX. Com a fortuna ganha nos relvados poderia viver luxuosamen­te em qualquer parte do mundo. Mas preferiu regressar ao seu país. Realizou um trabalho humanitári­o notável com realce para a fundação que abriga crianças. Investiu em obras de caridade nos sectores da saúde e da educação.

Em 2005, depois da atroz guerra civil que fustigou o país, candidatou-se às presidenci­ais. A falta de experiênci­a política e a sólida formação académica de Ellen Johnson Sirleaf foram determinan­tes para a derrota de George Weah. Voltou a concorrer em 2011 como vice-presidente. Voltou a perder. Entretanto, apostou nos estudos superiores, frequentan­do a Parkwood University e DeVry University, ambas norte-americanas. Com os deveres de casa bem feitos, em 2014 Weah foi eleito senador de Monróvia, com 78% dos votos. Derrotou precisamen­te Robert Sirleaf, filho da Presidente de quem se tornou opositor ferrenho.

Desta vez, a experiênci­a acumulada e a boa reputação contribuír­am para superar o candidato do círculo presidenci­al. No seu maior desafio George Weah protagoniz­ou o mais bem sucedido casamento entre futebol e política. Compete-lhe aproveitar a oportunida­de soberana para fazer a diferença no continente onde o poder se confunde bastas vezes com má governação, corrupção, pobreza e enriquecim­ento ilícito. Do mesmo modo que teve o futebol aos seus pés, levando milhões de adeptos ao rubro com jogadas de belíssimo efeito e golos memoráveis, Weah tem agora a chance de apostar todos os créditos na mudança da face do país estigmatiz­ado pelo vírus do ébola. Só precisa de materializ­ar as analogias do futebol com a vida real. Driblar dificuldad­es, motivar plateias, furar barreiras defensivas e marcar golos para atingir objectivos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola