Jornal de Angola

Consulado do Níger é escritório de empresas

Na reacção à denúncia, o advogado do Consulado declarou que não é o único com empresas em Angola e essa realidade é resultante do que considerou comércio livre. O cônsul-geral do Níger é também acusado de praticar assédio contra funcionári­as

- César Esteves

Maria da Conceição Cabeto foi contratada para trabalhar como secretária administra­tiva do Consulado, mas era obrigada a trabalhar, também, para as empresas que diz serem propriedad­es do cônsul “O cônsul chegou a pedir-me para lhe fazer massagem nos ombros, porque dizia que estava com dores. Nas outras vezes recusou e disse-lhe que não foi contratada para fazer massagens"

“O Consulado do Níger em Angola não passa de uma fachada, porque praticamen­te só está aberto para os assuntos pessoais do cônsul”. A denúncia é de Maria da Conceição Cabeto, uma jovem angolana que já foi funcionári­a do Consulado e que acusa o cônsul-geral do Níger, Redwan Katoun, de fazer do Consulado a sede das suas empresas e de praticar assédio contra funcionári­as.

Maria da Conceição Cabeto, 28 anos, foi contratada para trabalhar como secretária administra­tiva do Consulado, mas era obrigada a trabalhar, também, para as empresas que diz serem propriedad­es do cônsul.

Demitida por ter ficado dois dias em casa, mesmo tendo apresentad­o justificat­ivo, por causa da filha que estava doente, a ex-secretária contou ao Jornal de Angola que chegou a ser assediada pelo próprio cônsul.

“O cônsul chegou a pedirme para lhe fazer massagem nos ombros, porque dizia que estava com dores”, disse Maria Cabeto, que acentuou ter feito duas vezes e, na terceira, recusou com o argumento de que não foi contratada para fazer massagens.

“Ele ficou aborrecido”, contou a jovem, que disse ter aceitado fazer massagem em duas ocasiões porque temia perder o emprego.

“Eu fiz porque acabava de ser admitida e tinha medo de perder o emprego caso negasse”, argumentou desta forma a jovem, que ficou três anos desemprega­da antes de conseguir emprego no Consulado do Níger em Angola.

Maria da Conceição Cabeto revelou que mais pessoas passaram pela mesma situação, tendo relatado o caso de uma antiga colega a quem o cônsul tentou assediar, mas sem sucesso. Como consequênc­ia, foi expulsa do emprego. A funcionári­a recorreu à Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, onde ganhou a causa e voltou a ser readmitida.

Depósito bancário

Maria da Conceição Cabeto disse que chegou a transporta­r avultadas somas em dinheiro para depositar sem ser escoltada.

“Cheguei a transporta­r mais de um milhão de kwanzas na minha pasta e ia de táxi. Não me davam segurança”, revelou a jovem, que contou ter chegado a transporta­r, antes de ser demitida, mais de um milhão de kwanzas, uma parte colocada num saco preto e outra na sua pasta pessoal.

Maria Cabeto disse acreditar que o pior só não aconteceu por ser uma pessoa crente em Deus, que a protege sobretudo nas situações delicadas, uma sorte que não tiveram outros colegas que cumpriram a mesma missão. “Houve colegas que já foram assaltados e obrigados a restituir o dinheiro”, disse a antiga funcionári­a do Consulado do Níger em Angola.

Os valores que transporta­va, de acordo com a antiga funcionári­a, eram provenient­es das empresas do cônsul cujas direcções funcionam no Consulado.

Por trabalhar para o Consulado e para as empresas, a ex-secretária administra­tiva era obrigada a trabalhar ao sábado e largar às 16h00 ou às 17h00, quando o Consulado abre de segunda a sextafeira, das 8h30 às 15h00.

“Não há hora para o almoço e, mesmo no dia do Níger, o Consulado não fecha por causa dos negócios do cônsul. É muita injustiça”, adiantou Maria da Conceição Cabeto, que é estudante de Relações Internacio­nais.

As empresas para as quais trabalhou e com escritório­s no Consulado do Níger são a R-K Internacio­nal, que se dedica à venda de produtos perecíveis, A.G.M Internacio­nal, de comércio geral e indústria limitada, a Makaya Comercial, de venda de perfumes e produtos perecíveis, e T.L.S.M, de comércio a grosso e a retalho.

As empresas estão espalhadas por Luanda, encontrand­o-se uma localizada nos arredores do Mercado dos Congolense­s, junto a uma agência bancária.

Maria da Conceição Cabeto, depois de ter sido informada da rescisão do vínculo laboral, foi indemnizad­a com 160 mil kwanzas, um valor que correspond­e ao período de um ano e um mês. Não recebeu o dinheiro, por achar que é muito pouco para quem prestou duplo trabalho, tendo, por esta razão, decidido levar o caso ao Tribunal.

“Eu fui contratada para trabalhar como secretária administra­tiva, mas, várias vezes, fui obrigada a fazer trabalhos ligados às empresas dele e não me pagava nada. Por isso, não aceito receber só essa quantia”, justificou Maria da Conceição Cabeto.

Denúncias confirmada­s

O Jornal de Angola contactou uma outra ex-funcionári­a, que, sob anonimato,

Como consequênc­ia, a ex-secretária foi expulsa do emprego. Recorreu à Sala do Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, onde ganhou a causa e voltou a ser readmitida

confirmou a existência da empresa R-K Internacio­nal. Também de nacionalid­ade angolana, a ex-funcionári­a informou que foi contratada pelo Consulado do Níger não para trabalhar para a instituiçã­o, mas para estar ligada à empresa R-K Internacio­nal, que funciona dentro do Consulado.

A fonte assegurou que a R-K Internacio­nal não faz contratos por escrito, além de que os salários não são bancarizad­os. “Eles pagam à mão”, contou a ex-funcionári­a. No rol das denúncias está também o facto de a RK Internacio­nal não descontar para a Segurança Social.

“Podes ser contratada para trabalhar como secretária, mas, já lá dentro, trabalhas como relações públicas”, contou, para acrescenta­r que também já transporto­u, sem segurança, mais de um milhão de kwanzas para serem depositado­s. Contactado pelo Jornal

de Angola, Redwan Katoun, cônsul do Níger, não aceitou falar, mas indicou o advogado do seu Consulado para falar em seu nome. O advogado mostrou não estar preparado para interagir com a equipa de reportagem do

Jornal de Angola por ter-se dirigido aos jornalista­s com arrogância. O advogado disse que as empresas mencionada­s pela ex-funcionári­a Maria da Conceição Cabeto pertencem ao Consulado e não ao cônsul.

O advogado garantiu que o Consulado do Níger não é o único consulado com empresas e essa realidade enquadra-se no âmbito do comércio livre. Quando lhe foi pedido para mencionar os nomes das empresas, o causídico enervou-se e respondeu que, caso quiséssemo­s saber, teríamos de nos dirigir ao Ministério das Relações Exteriores.

A meio da conversa, o cônsul decide falar, tendo confirmado que Maria da Conceição Cabeto transporta­va sim altas somas em dinheiro, uma situação que considerou normal, porque o dinheiro servia para pagar o salário dos funcionári­os.

Em relação ao despedimen­to da funcionári­a, o advogado frisou que ela não foi demitida por ter ficado dois dias em casa, mas porque já tinha muitos antecedent­es.

O Jornal de Angola apurou junto de uma fonte diplomátic­a que a República do Níger não tem embaixador plenipoten­ciário e extraordin­ário acreditado em no nosso país, mas sim um cônsul honorário que é um empresário nigeriano residente em Angola.

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JAIMAGENS | FOTÓGRAFO O cônsul-geral confirmou que a antiga funcionári­a transporta­va sim altas somas em dinheiro, uma situação que considerou normal

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