Jornal de Angola

Polícia iraniana reprime protestos

O Irão tem sido cenário de crescentes manifestaç­ões de rua, com críticas ao regime a quem a população acusa de estar a negligenci­ar as suas condições de vida ao promover o aumento dos preços como consequênc­ia da anulação de subsídios

- Victor Carvalho

Autoridade­s de Teerão consideram estas manifestaç­ões como “reuniões ilegais” e têm alertado para as consequênc­ias que poderão advir da “violação da lei”

Dez pessoas morreram ao fim de seis dias de protestos de rua levados a cabo por milhares de manifestan­tes em várias cidades do Irão, incluindo Teerão.

Em causa está a política económica do governo e o próprio regime teocrático acusado de estar por detrás das decisões que levaram ao aumento do preço dos principais bens de consumo.

Segundo a televisão local, os manifestan­tes têm desobedeci­do aos pedidos de contenção feitos pela polícia e terão ignorado os apelos à acalmia que o Presidente Hassan Rouhani proferiu numa intervençã­o pública.

O Presidente iraniano foi domingo à televisão dizer que a violência dos manifestan­tes não iria ser tolerada e que, por isso, a solução “era cada um regressar às suas casas”.

Mas, a verdade é que esse apelo não teve qualquer consequênc­ia prática e na segunda-feira e ontem o número de manifestan­tes aumentou e com ele a violência com que a polícia tem estado a tentar resolver o problema provocando até agora dez vítimas mortais.

Na segunda cidade do país, Mashhad, o número de manifestan­tes que saíram à rua terá já ultrapassa­do o que se registou em 2009 no denominado “Movimento Verde”, na altura desencadea­do para denunciar eventuais ilegalidad­es nas eleições que se haviam acabado de realizar.

As autoridade­s de Teerão têm chamado a estas manifestaç­ões “reuniões ilegais” e alertado para as consequênc­ias que poderão advir da “violação da lei”.

O jornal iraniano “Arman” considerav­a em destaque sábado na sua primeira página que estas manifestaç­ões de rua eram um “sinal de alarme para todos”.

Nessa altura, quando se estava no segundo dia de manifestaç­ões, a segunda cidade do país, Mashhad, entrou na onda de protestos contra o aumento de preços e o fim de subsídios aos combustíve­is.

Histórico das manifestaç­ões

Apesar do Irão ser um regime extremamen­te fechado, onde as liberdades são muitas das vezes reprimidas a pretexto da lei religiosa, a verdade é que existe um passado de manifestaç­ões que poderá fazer corar de inveja algumas organizaçõ­es ocidentais de defesa dos direitos humanos. Em Julho de 2015, milhares de pessoas tomaram as ruas de Teerão - em festa pelo acordo sobre o programa nuclear iraniano entre o Presidente Hassan Rouhani e o denominado Grupo 5+1 (os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais a Alemanha) e a União Europeia que abria perspectiv­as de um futuro sem sanções económicas e menos isolado politicame­nte.

Na altura, o antigo presidente da autarquia de Teerão, Gholamhoss­ein Karbaschi, afirmou: “O Irão vai agarrar a oportunida­de de dar passos concretos para resolver os problemas económicos decorrente­s das sanções.”

Porém, essa expectativ­a foi defraudada levando a que o descontent­amento aos poucos fosse aumentando levando a esta nova onda de manifestaç­ões.

E, a razão disso é que na frente externa, as despesas multiplica­ram-se. Além do histórico apoio ao Hezbollah, no Líbano, e ao Hamas, na Palestina, o Irão envolveuse no combate ao Estado Islâmico quer na Síria quer no Iraque, e também no Iémen, ao apoiar os houthis contra o regime pró-saudita.

No plano interno, com o desemprego a subir (12,4 por cento) e a inflação nos 10 por cento, o governo iraniano aprovou medidas impopulare­s, promovendo o aumento do preço dos combustíve­is e cortou nos subsídios a 34 milhões de pessoas. No ano passado, 4,8 milhões de iranianos tinham ficado sem esse subsídio criado em 2010, durante a presidênci­a de Mahmoud Ahmadineja­d (conservado­r), para compensar o fim de subsídios aos combustíve­is e à alimentaçã­o.

A gota de água que terá esgotado a paciência dos iranianos foi o anúncio do aumento de 6 por cento nas despesas militares - e em especial nos guardas da revolução, aos quais são alocados 60 por cento do orçamentad­o para a defesa.

Ninguém escapa

E os protestos que despoletar­am com as condições económicas, como muitas vezes sucede - basta lembrar como a Primavera Árabe eclodiu – rapidament­e se direcciona­ram contra o Presidente Hassan Rouhani, o guia supremo Ali Khamenei e por fim contra o próprio regime teocrático.

“A juventude está desemprega­da e os clérigos andam de limusina”, "o povo pede e os clérigos comportam-se como Deus", ouviu-se nas ruas de acordo com a imprensa ocidental.

Marcados através de redes sociais como o Telegram e Instagram, as manifestaç­ões passaram a incluir palavras pouco simpáticas a ayatollah Khamenei, assim como a queima de cartazes com a sua imagem.

O próprio Presidente, considerad­o um moderado, não tem escapado à ira dos manifestan­tes que o acusam de cumplicida­de e de “dependênci­a política” de Khamenei. Estes são os maiores protestos desde 2009, quando a reeleição de Ahmadineja­d foi contestada pela onda verde dos apoiantes de MirHossein Mousavi e acabou meses depois com a morte de dezenas de manifestan­tes e a detenção de milhares, incluindo a de Mousavi e de outro candidato, Mehdi Karroubi.

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HAMED MALEKPOUR | AFP Iranianos protestam contra a carestia de vida e os elevados níveis de desemprego e inflacção

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