Polícia iraniana reprime protestos
O Irão tem sido cenário de crescentes manifestações de rua, com críticas ao regime a quem a população acusa de estar a negligenciar as suas condições de vida ao promover o aumento dos preços como consequência da anulação de subsídios
Autoridades de Teerão consideram estas manifestações como “reuniões ilegais” e têm alertado para as consequências que poderão advir da “violação da lei”
Dez pessoas morreram ao fim de seis dias de protestos de rua levados a cabo por milhares de manifestantes em várias cidades do Irão, incluindo Teerão.
Em causa está a política económica do governo e o próprio regime teocrático acusado de estar por detrás das decisões que levaram ao aumento do preço dos principais bens de consumo.
Segundo a televisão local, os manifestantes têm desobedecido aos pedidos de contenção feitos pela polícia e terão ignorado os apelos à acalmia que o Presidente Hassan Rouhani proferiu numa intervenção pública.
O Presidente iraniano foi domingo à televisão dizer que a violência dos manifestantes não iria ser tolerada e que, por isso, a solução “era cada um regressar às suas casas”.
Mas, a verdade é que esse apelo não teve qualquer consequência prática e na segunda-feira e ontem o número de manifestantes aumentou e com ele a violência com que a polícia tem estado a tentar resolver o problema provocando até agora dez vítimas mortais.
Na segunda cidade do país, Mashhad, o número de manifestantes que saíram à rua terá já ultrapassado o que se registou em 2009 no denominado “Movimento Verde”, na altura desencadeado para denunciar eventuais ilegalidades nas eleições que se haviam acabado de realizar.
As autoridades de Teerão têm chamado a estas manifestações “reuniões ilegais” e alertado para as consequências que poderão advir da “violação da lei”.
O jornal iraniano “Arman” considerava em destaque sábado na sua primeira página que estas manifestações de rua eram um “sinal de alarme para todos”.
Nessa altura, quando se estava no segundo dia de manifestações, a segunda cidade do país, Mashhad, entrou na onda de protestos contra o aumento de preços e o fim de subsídios aos combustíveis.
Histórico das manifestações
Apesar do Irão ser um regime extremamente fechado, onde as liberdades são muitas das vezes reprimidas a pretexto da lei religiosa, a verdade é que existe um passado de manifestações que poderá fazer corar de inveja algumas organizações ocidentais de defesa dos direitos humanos. Em Julho de 2015, milhares de pessoas tomaram as ruas de Teerão - em festa pelo acordo sobre o programa nuclear iraniano entre o Presidente Hassan Rouhani e o denominado Grupo 5+1 (os cinco países com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais a Alemanha) e a União Europeia que abria perspectivas de um futuro sem sanções económicas e menos isolado politicamente.
Na altura, o antigo presidente da autarquia de Teerão, Gholamhossein Karbaschi, afirmou: “O Irão vai agarrar a oportunidade de dar passos concretos para resolver os problemas económicos decorrentes das sanções.”
Porém, essa expectativa foi defraudada levando a que o descontentamento aos poucos fosse aumentando levando a esta nova onda de manifestações.
E, a razão disso é que na frente externa, as despesas multiplicaram-se. Além do histórico apoio ao Hezbollah, no Líbano, e ao Hamas, na Palestina, o Irão envolveuse no combate ao Estado Islâmico quer na Síria quer no Iraque, e também no Iémen, ao apoiar os houthis contra o regime pró-saudita.
No plano interno, com o desemprego a subir (12,4 por cento) e a inflação nos 10 por cento, o governo iraniano aprovou medidas impopulares, promovendo o aumento do preço dos combustíveis e cortou nos subsídios a 34 milhões de pessoas. No ano passado, 4,8 milhões de iranianos tinham ficado sem esse subsídio criado em 2010, durante a presidência de Mahmoud Ahmadinejad (conservador), para compensar o fim de subsídios aos combustíveis e à alimentação.
A gota de água que terá esgotado a paciência dos iranianos foi o anúncio do aumento de 6 por cento nas despesas militares - e em especial nos guardas da revolução, aos quais são alocados 60 por cento do orçamentado para a defesa.
Ninguém escapa
E os protestos que despoletaram com as condições económicas, como muitas vezes sucede - basta lembrar como a Primavera Árabe eclodiu – rapidamente se direccionaram contra o Presidente Hassan Rouhani, o guia supremo Ali Khamenei e por fim contra o próprio regime teocrático.
“A juventude está desempregada e os clérigos andam de limusina”, "o povo pede e os clérigos comportam-se como Deus", ouviu-se nas ruas de acordo com a imprensa ocidental.
Marcados através de redes sociais como o Telegram e Instagram, as manifestações passaram a incluir palavras pouco simpáticas a ayatollah Khamenei, assim como a queima de cartazes com a sua imagem.
O próprio Presidente, considerado um moderado, não tem escapado à ira dos manifestantes que o acusam de cumplicidade e de “dependência política” de Khamenei. Estes são os maiores protestos desde 2009, quando a reeleição de Ahmadinejad foi contestada pela onda verde dos apoiantes de MirHossein Mousavi e acabou meses depois com a morte de dezenas de manifestantes e a detenção de milhares, incluindo a de Mousavi e de outro candidato, Mehdi Karroubi.