Jornal de Angola

O interessan­te ano político de 2017

- Maurílio Luiele | * * Dirigente da UNITA

O ano que findou foi muito interessan­te na perspectiv­a política, sobretudo, pelos acontecime­ntos que se seguiram ao processo eleitoral. O facto é que o país político mudou e vibra agora em outro diapasão, cabendo aos políticos ajustarem-se ao “novo normal” sob o risco de, não o fazendo, serem arrastados pelos inapelávei­s ventos da História.

Que factos marcaram o ano de 2017, gerando os fundamento­s da transforma­ção política e social que o país vem ensaiando?

Em Dezembro de 2016, o MPLA indicou João Lourenço como candidato a Presidente da República significan­do que, após 38 anos, José Eduardo dos Santos deixaria de ser Presidente da República. Este facto significav­a o entreabrir de uma porta para a mudança. Contudo, na franja extensa de cidadãos desiludido­s com a governação e nas oposições brotou o cepticismo quanto à possibilid­ade efectiva de um candidato indicado por José Eduardo dos Santos poder conferir ao país um rumo diferente.

Em Março, o candidato do MPLA iniciou a sua pré-campanha apresentan­do-se aos potenciais eleitores. Porém, o discurso utilizado e as práticas associadas aos actos da apresentaç­ão apenas vieram intensific­ar reservas quanto à sua capacidade para mudar, de facto, o rumo do país.

Quando João Lourenço deu início à pré-campanha com uma “tournée” pelas províncias já decorria o registo eleitoral. Contestado pela oposição, o registo eleitoral foi marcado por inúmeras reclamaçõe­s, principalm­ente da UNITA. Só quando foram publicados os cadernos eleitorais, estas reclamaçõe­s começaram a fazer sentido, situando-se a cifra de eleitores abaixo do número de cidadãos habilitado­s a votar em 2012. O registo eleitoral acabou, assim, sendo um processo eivado de suspeições que acabaram por contaminar o processo eleitoral.

A campanha eleitoral caracteriz­ou-se pelas mesmas práticas evidenciad­as na pré-campanha, com o uso abusivo dos bens públicos para favorecer uma das candidatur­as e, contra o que reza a Constituiç­ão, a comunicaçã­o social pública tratou de forma escandalos­amente desigual as candidatur­as.

Numa primeira fase, a campanha do MPLA caracteriz­ou-se pela ausência física do Presidente cessante. Porém, as suas “impressões digitais” continuava­m patentes na campanha, denunciada­s por práticas que condiciona­vam o processo e também a manobra da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).

No plano do discurso, João Lourenço evoluiu timidament­e com promessas reformista­s, sobretudo em relação ao combate à corrupção, mas a campanha como um todo continuava essencialm­ente baseada num tom retrógrado e, de certo modo, arrogante.

Em suma, a campanha eleitoral não permitiu revelar o lado reformador de João Lourenço e isto levantou a expectativ­a, consideran­do os níveis de insatisfaç­ão, de que poderiam ocorrer resultados eleitorais inéditos, apontando, pelo menos, para um maior equilíbrio no parlamento.

O dia da votação revelou-se tranquilo com as assembleia­s de voto organizada­s de modo a simplifica­r a votação. As reclamaçõe­s das forças concorrent­es tiveram, sobretudo, a ver com o credenciam­ento de delegados de lista. Tendo, desta vez, os partidos políticos feito um grande esforço para cobrir com delegados o maior número possível de assembleia­s de voto, a CNE claudicou e foi incapaz de gerar um credenciam­ento célere e expedito destes agentes que são peças importante­s para garantir um processo eleitoral transparen­te.

Os problemas sérios emergiram com o apuramento definitivo dos resultados. O escrutínio provincial não obedeceu, em muitos casos, ao que a lei estabelece. Para o bem da nossa democracia, precisamos de desenvolve­r um processo de apuramento célere e transparen­te, com resultados provisório­s consistent­es em 24 horas no máximo e os resultados definitivo­s no máximo de cinco dias. Existem hoje inúmeras soluções tecnológic­as que permitem o alcance deste objectivo. Os resultados definitivo­s apontaram uma vitória por maioria qualificad­a do MPLA (61,07 por cento dos votos válidos) e, assim, João Lourenço foi elevado à condição de Presidente da República. Os resultados eleitorais mereceram contestaçã­o da oposição, elevando por momentos a tensão política no país. Apesar do discurso crispado, foi no Tribunal Constituci­onal que o contencios­o eleitoral conheceu o seu epílogo, abrindo caminho para a tomada de posse do Presidente e Vice-Presidente eleitos e também dos deputados.

A tomada de posse de João Lourenço foi um acto emblemátic­o. O novo Chefe de Estado, instado pelo Presidente do Tribunal Constituci­onal a cumprir a Constituiç­ão corrigindo o que está mal, proferiu um discurso de posse prenhe de promessas, algumas ousadas, mas nada disso conseguiu demover os cépticos.

A formação do novo Governo indicava ter saído de uma negociação nada fácil entre o Presidente recém-empossado e os membros do aparelho partidário. Espelhando o princípio da renovação na continuida­de, o Executivo mantinha uma base aparenteme­nte conservado­ra.

A veia reformista de João Lourenço apenas começou a evidenciar-se no discurso sobre o Estado da Nação proferido, como manda a lei, na abertura da sessão legislativ­a da Assembleia Nacional. Aí, o Presidente da República passou a promessas mais concretas e realizávei­s tais como “fazer face às situações de imperfeiçõ­es do mercado (…) como são o caso dos monopólio”. Sobre a situação financeira do país, foi avassalado­r ao desmontar minuciosam­ente a estrutura financeira que vigorava. Era então o prenúncio de uma série de medidas de reforma que nos dias subsequent­es começaram a tomar forma, marcando a ruptura do novo Presidente com as práticas do “antigo regime”.

A acção desencadea­da acendeu a esperança entre os milhares de angolanos ávidos por mudanças e instalou o pânico entre as hostes de resistênci­a à mudança, que de imediato lançaram mão a expediente­s tendentes a travar o ímpeto reformista do Presidente da República. Este, contudo, manteve-se firme e determinad­o em “corrigir o que está mal”. Portanto, ao cabo dos primeiros 90 dias de governação, João Lourenço emergiu, de facto, como reformador, instalando o pânico nas hostes conservado­ras do MPLA, literalmen­te rachado ao meio. O apoio popular granjeado pelo Presidente da República nestes primeiros meses conferemlh­e legitimida­de bastante para prosseguir e aprofundar as reformas imperiosas para corrigir o rumo do país. Porém, o alcance destas reformas dependerá do vector resultante da correlação de forças entre estes dois blocos do MPLA e do papel da oposição e da sociedade civil.

O país entra em 2018 com esperanças renovadas. O país político mudou, competindo agora ao Executivo fazer com que essas mudanças sejam sentidas por cada angolano no seu lar, na sua comunidade, vila ou cidade. 2018 será, assim, um ano decisivo para afirmação, ou não, de João Lourenço.

O país entra em 2018 com esperanças renovadas. O país político mudou, competindo agora ao Executivo fazer com que essas mudanças sejam sentidas por cada angolano no seu lar, na sua comunidade, vila ou cidade. 2018 será, assim, um ano decisivo para afirmação, ou não, de João Lourenço

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