Na RDC encurta-se o espaço de manobra de Kabila
A chamada “marcha dos cristãos”, organizada no dia 31 de Dezembro, na cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC) para forçar a demissão do Presidente Joseph Kabila, pode fazer transbordar o copo de água, num ano de transição política.
Promovida pelo chamado “comité laico de coordenação da Igreja Católica”, as manifestações tiveram o apoio de instituições políticas da oposição e tendem a servir como pressão, ao menos, para que se reduza a zero uma caminhada paralela aos entendimentos do “Acordo Político Global e Inclusivo do Centro Inter-diocesano de Kinshasa”, também conhecido como Acordo de São Silvestre. Mas as mortes, alegadamente provocadas pela repressão da Polícia Nacional, levaram já a reacções inesperadas da igreja Católica, da oposição e mancham a jornada que as elites políticas congolesas têm pela frente até ao dia 23 de Dezembro.
Nem já no tempo de Mobutu, as forças de ordem e de segurança, alguma vez, reprimiram manifestações com tanta violência, já denunciadas pelo arcebispo de Kinshasa, Laurent Monsengwo, como bárbaras.
“Como podemos confiar em autoridades que não são capazes de proteger as pessoas, de garantir a paz, a justiça, o amor entre as pessoas? Como podemos confiar em líderes que violam a liberdade religiosa das pessoas, que é o fundamento de todas as liberdades? ”, interrogou-se o principal rosto da igreja católica na capital da RDC e das vozes mais inconformadas do actual estado de coisas.
Com uma dezena de mortos, centenas de feridos e detidos pelas forças da ordem, as autoridades eclesiásticas, que têm jogado um papel importante na mediação do processo político interno naquele país, exigiram a instauração de um inquérito sério e objectivo para apurar responsabilidades.
Para a Polícia congolesa, o pior foi evitado e contrariamente a alegações de dezenas de mortos, o general Silvano Kitengue, fala em dois e em circunstâncias ainda por aclarar na medida em que, segundo o mesmo, não sucederam por acção directa da polícia.
Esses incidentes, que representam uma espécie de ensaio por parte de forças da sociedade civil e encorajadas pelos partidos políticos, reforçam o cerco político e institucional junto do Presidente Joseph Kabila para a observância escrupulosa dos Acordos de São Silvestre. Estes, rubricados pelo poder político e a oposição, em finais de 2016, prevêem uma transição política pacífica entre a presidência de Joseph Kabila e a figura a ser eleita do processo eleitoral que lhe deve anteceder.
No fundo, tudo quanto a oposição congolesa pretende evitar a todo o custo é uma eventual reversão do actual estado de coisas e compromissos para que Joseph Kabila se não apresente às próximas eleições presidenciais como candidato da Maioria Presidencial, o conjunto de partidos que o apoia. Embora se tenha comprometido, inclusive perante os seus homólogos dos países vizinhos, nada indica que até Dezembro o processo de transição não venha conhecer novos entorses, os quais não poderão estar alheias as autoridades políticas.
As manifestações, tudo indica, vão continuar não propriamente como forma de pressão para que Kabila se demita, realidade que se não coloca agora à luz do entendimento dos Acordos de São Silvestre, mas para evitar que o mesmo e os seus apoiantes tenham espaço de manobra para estender prazos e/ou prolongar-se no poder. E as coisas parecem que tendem a surtir os efeitos desejados na medida com a repressão sangrenta de 31 de Dezembro, em que foram visadas cristão ligados à Igreja Católica e a julgar pela reacção dos prelados, o poder político pode perder um importante aliado. Se houver um distanciamento entre o poder político e a igreja católica na RDC, que leve o segundo a fortalecer laços ou apoiar abertamente os esforços da oposição, não há dúvidas de que Kabila e os seus apoiantes ficam mais fragilizados.
E numa altura em que crescem apelos junto do Presidente Joseph Kabila, dentro e fora da RDC, para que respeite os compromissosqueenvolvamasuanãoapresentaçãoàseleiçõesmarcadas para o dia 23 de Dezembro próximo como candidato, o espaço de manobra para concorrer definha a cada dia.
A oposição parece disposta a fazer melhores aproveitamentos das manifestações e dos seus efeitos para fazer avançar a sua agenda, numa altura em que a de Kabila se encurta ao ponto de restar apenas a observância e cumprimento dos compromissos de São Silvestre.