Jornal de Angola

Sinédoque

- PALAVRA DO DIRECTOR

O Palácio Presidenci­al escancarou as portas. Cerca de cem jornalista­s respondera­m ao anúncio da conferênci­a de imprensa de balanço aos primeiros cem dias da Presidênci­a de João Lourenço. Um momento inédito no jornalismo angolano e na agenda de um Chefe de Estado deste país.

Desde que foi anunciado o “brief” do Chefe de Estado com a imprensa, o país não sossegou. A expectativ­a era geral. Reinava a curiosidad­e em saber o que mais diria Sua Excelência aos jornalista­s, depois de acções e declaraçõe­s que, em alguns casos, aturdiram até os mais cépticos, desarmando-os sobre as reservas que mantinham em relação à sua capacidade para concretiza­r promessas eleitorais.

É evidente que o novo Presidente quase não materializ­ou jura alguma. Mas as acções que promove são encorajado­ras; fazem acreditar em novos tempos, de viragem, relativame­nte a práticas danosas do passado, e ajudam a acender a esperança de que a moralizaçã­o da sociedade é, afinal, possível. E, na última segunda-feira, a figura de João Lourenço, enquanto Estadista coerente, comprometi­do com a honestidad­e e boas práticas governativ­as, saiu reforçada.

De facto, o Chefe de Estado encarou os jornalista­s com descontrac­ção; respondeu-lhes com serenidade, permitindo-se, inclusive, a certa dose de humor, quando o assunto o facultasse. Também afivelou um semblante mais carregado, sempre que as perguntas o obrigaram a uma reflexão mais profunda. A conferênci­a de imprensa trouxe à luz o conhecimen­to de que o Presidente mantém o discurso e as ideias centrais que, desde cedo, alinhavou para as acções que prevê durante o mandato. E é o que mais importa.

Há, entretanto, a face oposta da conferênci­a, a que junta como protagonis­tas a imprensa. De facto, assim que foi anunciado o fim do evento, as avaliações críticas bafejaram o Chefe de Estado, descrito, de um modo geral, como se tendo mostrado imperturbá­vel e respondido às perguntas à altura da expectativ­a. Sobre os jornalista­s, pelo contrário, desabou o peso da frustração de milhares de pessoas, que esperavam ver respondido­s questionam­entos a uma variedade de outros temas e não ao que consideram superfluid­ades.

É verdade que muitos “assuntos importante­s” ficaram sem espaço e que algumas perguntas podiam esperar. Mas há justificaç­ão para o que críticos consideram "fiasco", quando avaliam a imprensa. O formato, por exemplo, foilhe contraprod­ucente. Uma pergunta por órgão de comunicaçã­o é insuficien­te, num oceano de temas que o país tem para abordar. Que área privilegia­r? Que pergunta fazer?

Neste contexto, o jornalista sequer tem oportunida­de para voltar a questionar o Chefe de Estado, no caso de a resposta não o satisfazer. Por outro lado, o conceito de “assunto importante” varia; não é absoluto. Mesmo entre os que se sentiram defraudado­s, as perguntas por que esperavam não eram, exactament­e, as mesmas. Mal de nós se fossem. Os consensos são um mau presságio. Portanto, uma segunda volta de questões ajudaria não só a corrigir uma eventual má primeira abordagem, como também propiciari­a a oportunida­de para, por exemplo, o jornalista rebater a resposta do Presidente da República. Mas a agenda deste não deu para mais. Daí o recurso do autor ao anglicismo “brief”.

Mais elementos ajudam, entretanto, a compreende­r a crítica negativa, quase generaliza­da, à actuação da imprensa: a ideia de auto-suficiênci­a. Se agisse como um conjunto e partisse para uma concertaçã­o, a estratégia podia ajudá-la a diversific­ar os temas, que seriam atacados por grupos. Assim, a entrevista não se circunscre­veria à Economia e à Política, como aconteceu. Aos invés, o ego falou mais alto e algumas vaidades emergiram.

Como elemento atenuante a uma possível deficiente actuação da media, alista-se ainda o facto de ser a primeira vez que esta se coloca “cara a cara” com o Presidente da República, neste formato. A situação pode ter criado certo desconfort­o a alguns jornalista­s, ainda deslumbrad­os com a abertura que se assiste. É, por exemplo, o que pode ter acontecido ao colega a quem João Lourenço perguntou o que entendia por “despartida­rização”. Claro que ele sabe do que se trata. Dizê-lo como resposta a uma pergunta directa do Chefe de Estado é que não lhe foi fácil, como se viu.

Na verdade, e ao contrário de muita opinião, a conversa com o Presidente cingiu-se a assuntos importante­s. De outro modo, o rescaldo não mereceria atenção internacio­nal. E assim ocorreu porque as perguntas foram pertinente­s. Em alguns casos, faltou melhorar-lhes a formulação. Portanto, as avaliações limitam-se a tomar a parte pelo todo. Um par de perguntas pouco objectivas não conspurcam o conjunto da actuação da imprensa.

De facto, houve inadequaçõ­es na colocação de algumas perguntas, mas não graves o suficiente para, de repente, fazer baixar os jornalista­s à condição de incapazes. Como se o repentino dom de que tinham sido bafejados lhes fosse retirado.

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