Jornal de Angola

Os riscos de bicefalia no MPLA

- * Professor universitá­rio e dirigente da UNITA Jardo Muekalia |*

Estamos em Janeiro de 2018, quatro meses depois das eleições de Agosto último, que trouxeram ao nosso país a possibilid­ade de mudar de rumo, décadas depois de uma governação enfadonha, caracteriz­ada pelo “oxigénio asfixiante” do Arquitecto da Paz. Para a maioria dos angolanos, 2018 é um ano que parece anunciar a esperança, renova o orgulho de ser Angolano e reforça a energia para resgatar a cidadania. Contudo, a vida é feita de contradiçõ­es e no meio desta esperança toda, há no horizonte obstáculos gigantes que terão de ser vencidos para que o país progrida e que a mudança ora operada reflicta de facto as aspirações da maioria da população e resulte no desenvolvi­mento sustentado e equilibrad­o de todo o país. Ninguém duvida que temos enormes desafios pela frente. São muitos e evidentes em várias vertentes da sociedade. Porém, eu queria aterme apenas a um deles: a chamada bicefalia.

Num outro país ou num outro contexto, talvez não fosse tão mau ter um Presidente da República acima dos partidos políticos, livre da pressão partidária que muitas vezes se sobrepõe ao interesse nacional. Infelizmen­te, trata-se de Angola e num contexto em que tal bicefalia representa um arranjo “atípico” que visa a manutenção do controlo do aparelho do Estado por um homem nas vestes de Presidente do Partido. Como todos os outros partidos angolanos, o MPLA é regido por estatutos que decorrem da Constituiç­ão da República. Portanto, seria “atípico” demais fazer submeter a acção do Presidente da República, que é o garante da Constituiç­ão, aos estatutos de um Partido. Apesar da forma elegante como o Presidente da República tratou a questão na sua primeira conferênci­a de imprensa, a “bicefalia” representa, do meu ponto de vista, o seu maior desafio a curto prazo.

Primeiro, o MPLA está claramente diante de uma potencial ruptura entre os constituci­onalistas por um lado e os estatutist­as por outro. Os primeiros apoiam João Lourenço e, como a maioria dos cidadãos, defendem que enquanto Presidente da República, ele deve obediência apenas à Constituiç­ão e não ao MPLA. Os segundos, na sua maioria apoiantes de JES, procuram usar o partido para reter alguma influência sobre os órgãos do poder, querendo esticar o passado e afastar o horizonte temporal de uma eventual responsabi­lização por actos cometidos no consulado anterior.

Segundo, na sua composição actual, os estatutist­as ainda têm alguma capacidade de criar obstáculos pelo caminho. Quanto mais tempo durar esta clivagem, maior será a tendência de estes boicotarem as acções do Executivo, tornando a governação difícil, na esperança dali tirarem vantagens políticas. A bicefalia leva ainda à inevitável crispação de relações entre pessoas e, por via de consequênc­ias, entre as instituiçõ­es, à medida que os militantes se vêem obrigados a alinhar com uns ou com outros. A médio ou longo prazo, isto poderá causar paralisia institucio­nal, afrouxamen­to das reformas, deterioraç­ão da situação económica e agravament­o do desemprego, o que poderá levar a convulsões sociais com desfecho imprevisív­el.

Terceiro, há quem fale da possibilid­ade dos estatutist­as demitirem João Lourenço da vice-presidênci­a do Partido, permitindo que outra figura mais próxima de JES concorra como cabeça de lista do MPLA em 2022. A confirmar-se tal cenário, teríamos três possibilid­ades interessan­tes: a) Os constituci­onalistas fazem uma demonstraç­ão de força e obrigam JES a demitir-se da presidênci­a do partido. b) Assumindo que João Lourenço mantenha a sua popularida­de até 2022, seria forçado a criar um partido independen­te do MPLA para concorrer ao seu segundo mandato, arrastando a maioria do eleitorado do MPLA. c) João Lourenço teria ainda a possibilid­ade de negociar uma ampla aliança de todas as forças vivas da sociedade interessad­as no fim do “eduardismo”, na continuida­de das reformas do Estado, liberaliza­ção da economia e aprofundam­ento da democracia em prol da melhoria da vida da maioria. Os dois últimos cenários, anunciaria­m o declínio do MPLA.

Postas as coisas assim, do ponto de vista do interesse nacional, é desejável pôr termo a esta clivagem mais cedo do que tarde, e que no contexto de vontades entre os constituci­onalistas e os estatutist­as, saiam vencedores os constituci­onalistas, evitando que a bicefalia consuma energia e tempo que podiam ser investidos na correcção do “muito que está mal”. O patriotism­o aconselha a desistênci­a dos estatutist­as para evitar que o conflito interno assuma proporções antagónica­s e se estenda à sociedade, permitir o alinhament­o institucio­nal tradiciona­l e o funcioname­nto normal das instituiçõ­es da República. O país só se desenvolve caminhando para a frente.

Apesar da forma elegante como o Presidente da República tratou a questão na sua primeira conferênci­a de imprensa, a “bicefalia” representa, do meu ponto de vista, o seu maior desafio a curto prazo. Os primeiros apoiam João Lourenço e, como a maioria dos cidadãos, defendem que enquanto Presidente da República, ele deve obediência apenas à Constituiç­ão

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