Centro cultural multidisciplinar nasce na Tourada
A continuidade do programa de governação referente à cultura e à implementação efectiva de políticas direccionadas ao sector, são as prioridades para o ano corrente, de acordo com a ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, em entrevista ao Jornal de Angol
A ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, assegurou, em entrevista ao Jornal de Angola, que a Tourada vai ser, finalmente, transformada, ainda este ano, num centro cultural multidisciplinar. “Isso vai ajudar a dinamizar as artes”, disse.
Jornal de Angola - O Ministério da Cultura lançou, recentemente, um desafio onde anuncia a institucionalização de um Prémio de Línguas Nacionais. Essa é uma forma de ajudar a divulgar e valorizar mais os criadores nacionais?
Carolina Cerqueira - O objectivo é precisamente este. Queremos dar continuidade ao processo que já tem sido desenvolvido na continuidade do resgate, valorização e preservação dos hábitos e costumes dos angolanos, ligados à identidade dos nossos povos, por via dos instrumentos culturais e musicais que estão a ser esquecidos e pouco explorados pela juventude.
Quais são as principais estratégias para os museus e centros culturais existentes no país?
Queremos que essas instituições, mais do que simples espaços da busca do saber e conhecimentos, sejam locais de referência para a juventude, sobretudo estudantes, historiadores e pesquisadores. A requalificação e a construção de infra-estruturas culturais, quer por iniciativa estatal, quer por privados, tem tornado esses sítios de preservação, conservação e de divulgação da história de Angola, mais atractivos e dinâmicos. Este facto aumenta gradualmente o número de pessoas que procuram esses serviços. Reconhecemos que ainda precisamos de fazer mais, para tornar essas estruturas mais atractivas. São esforços que têm vindo a ser desenvolvidos pelo Executivo ao longo dos anos e acreditamos que haverá melhorias nos próximos tempos. Estamos a procurar melhorar e aumentar, de forma gradual, o nosso acervo museológico para a educação cultural dos nossos jovens. Queremos que a nossa identidade cultural, tanto do ponto de vista musical, da oralidade e heroicidade dos angolanos esteja presente no quotidiano dos jovens, através das instituições culturais, não somente às afectas ao Ministério da Cultura. Todas as iniciativas privadas que ajudem a valorizar, resgatar e promover debates sobre a importância dos valores sócio-culturais serão bem-vindas. Nos dois últimos anos temos orientado as direcções provinciais, no sentido de divulgar, através da realização de palestras, a vida e obra das nossas figuras históricas. Trabalhamos muito à volta dos soberanos Rainha Njinga Mbandi e Rei Mandume, aquando do aniversário das suas mortes, por forma a continuar a transmitir um legado positivo à juventude angolana. Trouxemos para os debates outras figuras que deram o seu contributo à luta de resistência armada contra a colonização, personalidades eclesiásticas e ligadas à política, sociedade e cultura.
O sector das indústrias criativas e culturais também tem sido uma das preocupações. Como pensam solucionar questões tão sensíveis como essas?
Este é um sector que assume grande importância. Pode tornar-se fonte de sustentação das famílias, garantir emancipação dos jovens e humanização das mulheres. Continuando a apoiar com pequenos negócios e outros incentivos fiscais, o artesanato, música, dança, teatro, moda e gastronomia, estaremos a dar possibilidade às famílias, de desempenharem actividades socialmente úteis e que lhes permitem ter sustentabilidade efectiva.
As direcções provinciais da Cultura têm um papel fundamental em todo este processo?
Temos incentivado as direcções provinciais a realizar feiras de artesanatos regionais, como a do Dondo, que é o exemplo mais visível. Agora surgiu a feira no Centro Histórico da cidade de Mbanza Kongo, classificado como património histórico da humanidade e também no Cunene e Lubango (onde se celebrou o Dia da Independência Nacional). Fiquei bastante orgulhosa, porque a predominância nas feiras eram produtos culturais. Podemos estar satisfeitos, porque as comunidades estão a conseguir criar condições para a auto-suficiência alimentar com produtos culturais inovadores e criativos. Nos últimos anos realizaramse encontros multissectoriais onde foram abordados, com a classe artística, os mecanismos existentes para protecção e defesa dos direitos de autor e da propriedade intelectual. É um assunto que tem preocupado o sector que dirige? A falta de preservação dos direitos de autor é um dos males que precisam de ser combatidos. O fundamental é dotar e munir profissionais, não apenas do sector cultural e artístico, de conhecimentos e informações básicas importantes sobre o sistema nacional da propriedade intelectual. A abordagem do tema em fóruns tem permitido elevar a consciência da sociedade sobre a importância de valorizar, proteger e incentivar a criação artística. Se quisermos alcançar os resultados desejados, é importante que haja o envolvimento de todos e instituições, que reúnam conjunto de leis, serviços, políticas públicas e os mecanismos de articulação e coordenação, para o desenvolvimento e protecção da propriedade intelectual. Desta forma, o mercado torna-se mais competitivo e os criadores fazem uso e aproveitamento dos direitos, tendo retorno dos investimentos.
O Presidente da República, João Lourenço, reiterou, recentemente, a ideia de apostar na internacionalização da cultura angolana. Qual é a sua visão sobre esse assunto?
O nosso programa é vasto e inclusivo. Temos estado nos últimos anos a trabalhar mais com a Unesco, colhendo as experiências dos seus peritos, o que tem ajudado a dar passos positivos. Quanto à internacionalização e preservação do património cultural angolano, em Novembro de 2017 estive, com uma delegação, na sede da Unesco e vimos como o país pode participar de forma integrada no projecto da Bacia do Okavango-Zambeze, que também já deu entrada para ser classificado como património histórico da humanidade. Neste projecto, integrado também pelo Botswana e Namíbia, Angola entra mais madura, por já termos sido coordenadores do mesmo. Por orientação da Unesco (tendo em conta que já temos um património da humanidade), vamos criar, ainda este ano, uma comissão intersectorial de preservação e defesa do património nacional e, desta forma, podemos candidatar-nos aos seus financiamentos, que são canalizados à defesa e preservação dos nossos patrimónios.
A antiga cidade Mbanza Kongo continua a ser prioridade na lista da preservação dos monumentos e internacionalização da nossa cultura?
Sim. Por essa razão, já está em curso a criação do Festival Regional denominado “Festikongo”, cujo objectivo é a realização de visitas guiadas, investigação e debates sobre a história do Reino do Kongo, com a participação de historiadores e investigadores
“Quanto à internacionalização e preservação do património cultural angolano, em Novembro de 2017, estive, com uma delegação na sede da Unesco e vimos como o país pode participar de forma integrada no projecto da Bacia do Okavango-Zambeze, que também já deu entrada para ser classificado como património histórico da humanidade. Neste projecto, Angola entra mais madura, por já termos sido coordenadores do mesmo”
do Congo-Brazzaville e da República Democrática do Congo (RDC), Gabão e outros interessados sobre esse dossier. Por outro lado, para breve vai ser criada uma cadeira sobre a História do Reino do Kongo, na Universidade António Agostinho Neto, com a monitorização e acompanhamento da Unesco, para que os alunos se interessem mais sobre a história do país e também do continente africano. Fomos igualmente convidados pela Unesco a participar, em Abril deste ano, no projecto sobre o Triângulo da Rota da Escravatura, onde, de forma colectiva, devem estar presentes países de vários continentes intervenientes nesse processo. Isso vai permitir-nos ter conhecimento mais vasto sobre a matéria. O país vai contar com o apoio do Fundo do Património Africano, que está sediado na África do Sul? Temos estado a fazer contactos permanentes com a África do Sul, exactamente, para termos alguma sustentabilidade nos nossos projectos ligados à preservação dos nossos monumentos. Pensamos que isso irá também permitir que outras candidaturas nossas possam ter financiamentos, como a Pintura Rupestre de Tchitundo Hulo, no Virei, Namibe, os vestígios da Guerra do Cuito Cuanavale, que representa o simbolismo da luta de resistência contra o apartheid e o Corredor do Kwanza. Em Março vamos participar numa reunião com países da região da África Austral e SADC, para vermos o contributo conjunto dos mesmos na luta anti-apartheid e de libertação do continente. Visitamos o monumento de Oliver Tambo, aquando da visita do Presidente àquele país e encontramos no mural nomes dos angolanos e cubanos que lutaram contra o regime do apartheid. A requalificação da Fortaleza do Penedo, que está muto ligada ao processo dos 50, a ser inaugurada este ano e, a inauguração do monumento do Soldado Desconhecido, são também premissas para preservação da nossa memória colectiva. Como está o processo de reparação da Tourada? Este é um dos projectos que felizmente vai nos orgulhar a todos, porque finalmente a Tourada vai ser transformada, ainda este ano, num centro cultural multidisciplinar. Isso vai ajudar a dinamizar as artes, onde as comunidades poderão ir fazer gratuitamente as suas actividades culturais. O Ministério da Cultura vai apenas tratar das modalidades de acesso a esses serviços. Foi uma garantia do PR, por forma a assegurar que a juventude possa encontrar aí um local de excelência com as condições possíveis para o desenvolvimento das suas actividades artísticas e, desta forma, ajudar a tirar muitos jovens das drogas, delinquência e prostituição. Para quando a finalização das obras das novas instalações do Arquivo Histórico Nacional? No último encontro que tivemos com o Chefe de Estado expusemos essa preocupação. Houve toda a garantia do Presidente da República que as obras, que neste momento estão numa fase bastante avançada (praticamente concluídas), vão terminar. O edifício será um dos maiores monumentos de arquivos a nível de África, do ponto de vista da sua tecnologia, organização e preservação. A Lei dos Arquivos foi aprovada no ano passado, o que vai permitir transformar os arquivos em matérias tecnológicas digitalizadas. Muitos dos documentos vão precisar de um processo de restauração e as novas estruturas estarão equipadas, para que esse processo ocorra sem sobressaltos. Estamos a contar com a formação dos nossos técnicos, no âmbito dos acordos existentes com o Ministério afim de Espanha. E em relação a outros projectos em carteira? O mesmo deve acontecer com a construção de outros projectos, incluindo a construção de uma nova Biblioteca Nacional (a antiga já precisa de novas instalações). Esses projectos estão inseridos num programa para identificar as áreas de investimentos a serem feitos no sector da Cultura, porque reconhecemos a importância de se localizar ou construir um novo espaço de consultas, capaz de corresponder às expectativas actuais dos leitores. Continuamos a fazer vários investimentos no domínio bibliotecário e actualmente têm sido feitas pesquisas e estudos de viabilidade para a construção da nova Biblioteca Nacional. O ministério tem boas relações com as mais variadas associações do país no domínio das artes? Temos mantido encontros profícuos com a União dos Escritores Angolanos (UEA), União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC), União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP), Academia de Letras, Fundações Dr. António Agostinho Neto e Sindika Dokolo, Liga Africana e Associação de Teatro. Trocamos serviços e experiências, razão pela qual endereçamos convites a essas instituições quando nos deslocamos em feiras internacionais. Os recursos têm vindo a ser reduzidos devido aos problemas conjunturais, mas sempre que podemos apoiar, nunca deixamos de o fazer, até porque eles são nossos parceiros na divulgação do nosso património cultural. Estamos muito preocupados com a situação social dos nossos criadores, por isso, trabalhamos no sentido de criar um fundo de apoio. Agora, com a Lei do Mecenato, que aguarda apenas regulamentação, poderemos atender melhor essas reivindicações. O plano nacional de desenvolvimento para o sector cultural (2018/2022) prevê aumentar as casas culturais pelo país, facto que resultou em experiências positivas em Luanda, Bié, Lunda- Norte, Malanje e Cunene, nalguns casos, por iniciativas privadas. O que os criadores podem esperar desse novo Executivo que recentemente completou os seus primeiros cem dias de governação? O Ministério da Cultura tem estado cada vez mais atento e sensível aos problemas dos fazedores de arte. Podem continuar a contar com o nosso apoio institucional, pois é por isso que existimos. Vamos trabalhar para a criação de uma carteira profissional e dar, assim, maior dignidade aos que, verdadeiramente, têm deixado um legado positivo na preservação e divulgação da nossa cultura. À semelhança do que aconteceu no ano passado, apelo à participação dos empresários, no sentido de nos ajudarem a tornar esse movimento cultural extensivo a todo o território nacional.