A homenagem póstuma que tarda a chegar
Em vésperas do 56º aniversário do 4 de Fevereiro e no âmbito do exercício pleno da nossa cidadania política considerei oportuno ajudar a tirar do esquecimento os nomes dos sacerdotes angolanos, que, entre os anos 1960 e 1974, estiveram presos e/ou exilados em Portugal. Foram eles: Manuel Joaquim Mendes das Neves, Alexandre do Nascimento, Joaquim Pinto de Andrade, Manuel Franklin da Costa, Vicente José Rafael, Martinho Samba, Domingos António Gaspar, Lino Alves Guimarães e Alfredo Osório Gaspar. Para tal, socorri-me de um livro da autoria de Carlos Alberto Alves, intitulado “Esperar pela Hora de Deus”, editado pela Mayamba, em 2015, que transcreve importante documentação histórica associada a esta questão.
Foi há 121 anos atrás, mais precisamente no dia 25 de Janeiro de 1896, que, ainda em finais do século XIX, no Golungo Alto, nasceu o cónego Manuel das Neves. Viveu “norteado por dois grandes ideais: servir a Deus no serviço aos irmãos e empenharse na libertação da Pátria agrilhoada.” Fez todos os seus estudos eclesiásticos no Seminário de Luanda, tendo sido ordenado padre, em 10 de Novembro de 1918, na Missão de Lândana pelo Monseigner Girod, Vigário Apostólico do Lwango (Congo Francês), quando tinha apenas 22 anos de idade. Fez parte do primeiro grupo de sacerdotes nomeados cónegos da Sé de Luanda pelo arcebispo D. Moisés Alves de Pinho. Durante muitos anos prestou serviço no Seminário de Luanda, como docente e como vicereitor, função que acumulava com a de pároco na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, desde 1924. Exerceu também funções nas paróquias do Alto do Dande (Santa Ana do Caxito), de Nossa Senhora do Carmo, de São Paulo dos Musseques (onde ficou desde a sua criação em 1935 até 1948) e, finalmente, de Nossa Senhora dos Remédios (Sé Catedral).
Após a Constituição Portuguesa de 1933 e a instauração do Estado Novo era oficialmente possível a qualquer negro ou mestiço ser reconhecido como assimilado (não indígena) e assim atingir o mesmo “status” legal que um europeu. Para tal, tinha de ter: 18 anos de idade; demonstrar que sabia ler, escrever e falar português com alguma fluência; ser trabalhador assalariado, comer, vestir e ter a mesma religião que os portugueses; manter um padrão de vida e de costumes semelhante ao estilo de vida europeu; e não ter cadastro na polícia. Em finais da década de 50, apenas 0,7% dos negros não era considerado indígena.
Segundo Joaquim Pinto de Andrade, “a preocupação com a melhoria das condições básicas de vida do povo angolano levou o cónego Manuel das Neves a aceitar, com a anuência do bispo, tomar assento no Conselho do Governo e posteriormente, no Conselho Legislativo criado pela Lei Orgânica de 1955, como representante das populações indígenas.” Apesar destes órgãos representarem o poder colonial, entendia o cónego Manuel, que “podia e devia utilizar aquelas tribunas para fazer ouvir a voz dos 'condenados da terra'”, como afirmou Franz Fanon. Dos 26 vogais que compunham o Conselho Legislativo, apenas dois representavam os interesses dos indígenas.
Todavia, foi na Liga Nacional Africana onde mais se fez sentir a sua presença patriótica. Eleito, em 1947, Presidente da Direcção e a partir de 1950, Presidente da Assembleia Geral, foi ali que travou, juntamente com os seus pares, memoráveis batalhas em prol da libertação e dignificação dos angolanos, tais como: a luta pela abolição do imposto indígena, ou “imposto de cabeça”, contra o trabalho compulsivo (eufemisticamente denominado “contrato”) e contra a obrigatoriedade de atestado de assimilação para a obtenção do bilhete de identidade.
Afirmou ainda Joaquim Pinto de Andrade que “após o 4 de Fevereiro de 1961 em Luanda (de que foi principal mentor) e da generalização da insurreição no Norte de Angola a partir de 15 de Março seguinte, Monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves recebeu ordem de prisão da PIDE, no dia 23 de Março de 1961.” Foi deportado, em Abril de 1961, para a cadeia do Aljube, em Lisboa e, meses depois, transferido para o Seminário da Torre, noviciado dos jesuítas, em Soutelo, concelho de Vila Verde, perto de Braga. Em regime de residência fixa e vigiada, veio a falecer, cinco anos depois, vítima de um ataque cardíaco, na manhã de 11 de Dezembro de 1966.
Como afirmou Joaquim Pinto de Andrade, na evocação que lhe dirigiu a 7 de Julho de 1994, na Igreja da Sé Nova, em Luanda, “com a transladação dos seus restos mortais da terra madrasta do exílio fica definitivamente afastado o anátema expresso no epitáfio de Cipião. O Africano: “Pátria ingrata, não possuirás os meus ossos!!”.
Hoje temos uma bandeira e um hino que nos representam: “Oh Pátria nunca mais esqueceremos os heróis do 4 de Fevereiro (…)”. Inexplicavelmente tarda em chegar um reconhecimento póstumo ao cónego Manuel das Neves, que esteja à altura do seu elevado patriotismo.
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais