Trazei todos os dízimos à casa do tesouro
A acumulação primitiva do capital em Angola através da privatização de avultados capitais dos cofres do Estado, não produziu uma classe empresarial que daria empregos às massas trabalhadoras, e, consequentemente, a estabilidade económica e o progresso social.
Fala-se de capitais, em moeda forte, drenados para o exterior do país. Desconhece-se onde foram parar os capitais acumulados em moeda nacional.
Disse o Presidente João Lourenço que os que têm riquezas “não serão molestados, não serão interrogados (...), não serão processados judicialmente”.
A AN votou, em 2016, a Lei da Amnistia que iliba os crimes de peculato e corrupção e, provavelmente, as dívidas contraídas junto dos bancos. Contudo, porque não pedir o retorno de algum dinheiro a quem acumulou o tal capital primitivo sem lhe dar a devida função reprodutiva?
Que tal acordarmos, a nível da Assembleia Nacional, um Pacto Social e Económico entre os ricos do nosso país e a Sociedade Civil, representada pelas diversas sensibilidades, instituições e algumas personalidades ligadas ao activismo social?
Nesse Pacto, sob mediação da Igreja Católica, que tem uma projecção secular neste território e uma boa relação com o Governo angolano, deveria estar estipulado que, sim Senhor, “vale quem tem”, ninguém vai a Tribunal por isso, mas que cada um dos bilionários e pequenos milionários – e o Governo conhece perfeitamente cada um deles – reembolse, ao Estado Angolano, 10 por cento, ou seja, o dízimo desse enriquecimento sem causa. O reembolso pode até ser feito sob o anonimato, se quiserem. Estamos aqui a falar, tanto de capital em divisas (fora do país ou até, segundo rumores das redes sociais, em sacos azuis bem camuflados), quanto em kwanzas.
Esses dízimos todos reunidos na casa do tesouro (BNA) seriam depois encaminhados prioritariamente para a Educação e a Saúde.
Não sou religioso, nem ateu. Mas acredito que esta passagem bíblica do livro de Malaquias (3:10) pode muito bem servir de inspiração política: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa...” É que, a casa de Deus, a pátria angolana, carece de mantimento.
Qualquer analista da situação social do nosso país concordará que a maior parte dos cidadãos que compõem a classe burguesa vão entrar para um novo ciclo da História de Angola, com uma enorme e desproporcional vantagem patrimonial em relação às classes dos intelectuais proletários, operários, técnicos médios e superiores e, sobretudo, dos camponeses que mais sangue verteram nas guerras de libertação e do pós-independência. Se Angola entrar no novo ciclo histórico com este enorme fosso patrimonial improdutivo que separa a alta classe dominante das classes trabalhadoras – e que projecta um abismo sobre o futuro das crianças cuja missão é estudar com saúde – poderá vir a constatar fissuras no edifício democrático em construção.
É que, até a decisão tomada pelo PR, em Dezembro do ano passado, no que respeita ao repatriamento de capitais do estrangeiro para Angola, começar a dar resultados tangíveis com a criação de indústrias que dêem emprego, não só aos nossos jovens, mas também aos mais velhos que detêm um saber e um conhecimento preciosos sobre a gestão de diversificados sectores da Economia, ainda temos de esperar pela construção das infra-estruturas, montagem de equipamentos, formação de gestores nacionais, etc.
O PR afirmou na ocasião que os angolanos “detentores de verdadeiras fortunas no estrangeiro” devem ser “os primeiros a vir investir no seu próprio país, se são mesmo verdadeiros patriotas”.
Carregando na alma a mesma dúvida presidencial (deduzida da conjunção “se”) sobre o patriotismo de quem fez essa operação de exportação de capitais, mesmo assim, podem e devem, agora e já, dar-nos o dízimo dessas colossais fortunas, que nada afectará os donos do dinheiro, mas aliviará quem tem necessidades vitais. Principalmente as crianças angolanas.